Sob efeito de veneno

Foi numa tarde de agosto. Chovia muito e estava frio, a noite se aproximava e tudo parecia igual. Igual a todas as tardes que eu passara por aquela avenida. Mas aquela não seria uma tarde comum. Avistei sua silhueta mais uma vez, naquele mesmo ponto de ônibus, dando a impressão que por alguém há muito tempo esperava. E com certeza não era por mim.

Num impulso, que há muito tempo havia tentado evitar, parei o carro naquele lugar. Talvez num ato de insanidade convidei-a para que entrasse no carro, sem temer pela negativa da resposta.

Aquele momento parecia interminável, considerando nossas distâncias. De um lado ela até então completamente desconhecida e de outro eu, num momento de tentar decidir ou descobrir o que ela realmente representava.

- Sim, para onde vamos? Respondeu.

Para onde vamos?! Perguntei a mim mesmo, surpreso pela tão inesperada, mas desejada resposta.

Foi quando dei por conta o quanto ela era atraente fisicamente: Olhos negros enormes, rosto bem definido, seios fartos e um corpo escultural dentro daquele vestido vermelho. Esbanjava sensualidade.

Já a algumas quadras daquele lugar é que percebi que naquela noite nossos destinos estavam delineadamente traçados.

- Temos que beber algo. Falei finalmente.

- Temos? Perguntou ela.

- Sim! Por quê? Você tem algo contra?

- Nada. O que você sugere?

A chuva fina continuava insistente. Não houve resposta, mesmo porque uma ação rápida era a melhor forma de continuar aquele diálogo.

Quase que como um autômato, direcionei o automóvel para o meu bairro.

- Você sabe para onde vamos? Ela perguntou, sem muito interesse.

- Não! Menti, mesmo porque sabia que para ela o lugar pouco importava.

A cada quarteirão uma sensação de poder e domínio se apoderavam de mim.

- Posso acender um cigarro? Perguntou ela, desta vez com um pouco mais de interesse e uma dose de insinuação.

- Um cigarro! Tentando-me desvencilhar daquele estado de inibição. Justamente eu que tinha o cigarro como hábito naquelas ocasiões, esquecera-o completamente.

Foram suficientes dez a quinze tragadas para chegarmos ao nosso destino.

Tudo parecia mágico, mesmo considerando o ambiente, as pessoas e aquele lugar, antes tão familiar.

Neste momento tive uma sensação de que eu estava prestes a cometer uma grande besteira. Alguns casos de roubo, assassinato e envenenamento tão explorados pela mídia, passaram como um rápido filme pela minha cabeça.

Inútil. Não havia retorno. Em alguns minutos estávamos no interior de meu apartamento.

O tempo era nosso melhor aliado. Nada com que se preocupar a não ser aproveitar toda aquela noite da melhor maneira possível.

Preferi não colocar nenhum som e liguei a TV. Gosto de sua cumplicidade nestas horas.

- Vinho? Perguntei.

- Pode ser! Respondeu. – Desde que seja dos bons!

Disso eu estava seguro. Por ser apreciador de vinhos, tinha de várias marcas e de várias nacionalidades.

A primeira garrafa chilena, terminamos quando já havíamos nos livrado do incômodo da maior parte de nossas roupas. Na segunda, estávamos praticamente despidos, havíamos nos beijado por diversas vezes e sentíamos que uma atração cada vez mais ardente se apoderava de nós.

A essa altura já tinha provado aquele veneno e queria muito mais. Tudo estava perfeito.

Só havia um caminho, e era inevitável. Estava completamente envolvido e finalmente tudo se consumou como eu antes havia imaginado.

Os ponteiros do relógio já haviam percorrido várias horas e já passara da meia noite.

Encontrávamos na cama e após aquele longo período de descanso, tudo recomeçou.

Impossível calcular o tempo que aquele momento durou. Exausto, caí em sono profundo, dando conta do que se passara somente às 05h30min da manhã, quando finalmente acordei.

Notando sua ausência, resolvi chamá-la. Só então percebi que não perguntara seu nome.

Levantei-me e percorri os demais cômodos do apartamento numa procura inútil. Havia ficado apenas um cheiro agradável no ar. E eu o sinto até hoje.

A primeira sensação que tive é que havia sido roubado. Não. Tudo parecia em ordem, mesmo o dinheiro e cartões em minha carteira, celular e outros pertences.

As garrafas vazias, objetos fora de seus lugares e o desalinho da sala e quarto, atestavam que tudo aquilo estava longe de ter sido um sonho.

Seu perfume continuou a residir por ali, por muitas e muitas noites.

Continuo trafegando por aquela mesma avenida, quase que diariamente, e ao passar por aquele ponto, tenho a sensação de que vou vê-la novamente. Porém jamais isso ocorreu. É quando tenho a impressão cada vez mais nítida de que naquela tarde fria e chuvosa de agosto, era sim por mim, que ela esperava.