Paixão virtual.

Debruçada a cabeça sobre o teclado, permitindo que a luz da luminária da mesa flagrasse as raízes brancas dos cabelos tingidos. Não chorava, gemia, um gemido agonizante longo e único, um brado um sinal de uma alma arrebatada. Impregnava o ar em redor, com uma tão pungente melancolia, que tornava impossível deixar de reconhecer a origem desta angustia...uma constante, profunda e desoladora falta de esperança.A sua volta quase se formava um vácuo de tão intensa e acusadora era sua lembrança.

De carinhos teclados, canções trocadas, vídeos, até vinho tomaram juntos, juras de amor eterno, poesias que lhe aninhavam na alma , traziam luz e marejava seus olhos. Sexo virtualmente tão real, que subia nas nuvens ao toque sutil e etéreo do seu poeta passional, virtuose das palavras, mais queridas e das mais sujas que seus dedos sensuais traziam ao teclado , a levavam a loucura ao prazer extremo, jamais gozara tanto e com tal intensidade como nestas noites solitárias ...agora aquele romance teclado tão exclamativo as vezes uma interrogação, muitas virgulas, alguns travessões, poucas reticências...tivera um ponto final. Louca, desvairada de dor, procurara em toda a rede seus contatos com o amado. Clicando todos os sítios e portais, vira que ele apagara uma a uma as pegadas dos caminhos virtuais que a levavam a sua presença. Extenuada, desistira, sequer desligou o computador normalmente, arrancou o cabo de força e escutou o zumbido dos ventiladores internos diminuírem até o som o cessar por completo. O monitor já antigo, apagou-se lentamente deixando em seu centro um aro de luz que desvanece como o seu sonho virtual.

Levanta a cabeça, maquiagem borrada pelo choro, sim, pois se maquiava para o amado desconhecido, vai ao banheiro dor no peito angustia dilacerante, lava o rosto, toma três comprimidos para dormir, se desfaz da blusa que colocara sobre o pijama que sua web cam nunca revelava, deita-se sofrida. E antes que o calmante leve suas lembranças, faz um balanço do que sobrara na rede...tinha ainda o Luiz, o Carlos, o Vasco...poderia reatar ou começar um novo amor virtualmente apaixonado.

Carlos Said

Qualquer dia em São Paulo

Carlos Said
Enviado por Carlos Said em 09/05/2008
Reeditado em 06/02/2015
Código do texto: T982619
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