Amor e Goiabeira

Naquele dia alcancei o último galho daquela goiabeira que ficava no fundo do meu quintal. As menininhas que me observavam no quintal vizinho eram minha inspiração, sorriam e cochichavam enquanto eu surfava no ar e me equilibrava no fino ramo mais afastado do chão. Eu me cria uma espécie de ninja, um Hércules ou qualquer daqueles personagens de filmes e desenhos animados que eu via.

“Tu vai cair daí menino! Desce agorinha daí!” Minha mãe gritava desesperada e eu não dava atenção. “Desce daí agora! Pensa que é bonito né, todo magrelão aí em cima! Pode descer que tu vai levar uma pisa pra aprender a não fazer loucura!”

Cheio de raiva e de vergonha, porque as vizinhas caiam em gargalhadas, respondi: “Desço não... porque tu não manda em mim! Não tou fazendo nada e a sinhora berrando aí..."

Ficamos assim, ela gritava de baixo, eu respondia de cima, uma peleja onde as palavras eram as flechas. Cada palavrão meu era uma ferida nela, que também me acertava as suas. As lambadas de galho de goiabeira já eram certas assim que eu descesse. “Quanto mais demorar pra descer, mais longa vai ser a peia”. Desci.

Desci chorando pra ver se barganhava ou ganhava um desconto na peia, nem ligava mais para as meninas, minhas musas, cúmplices que riam, esperando pra me ver levando surra, que por sinal não doeu tanto quanto a vergonha.

O em-graça-do e estranho é que essa lembrança ficou guardada, é uma das mais vívidas desse tempo-em-mim. Pergunto-me o porquê e até que ponto esse episódio influenciou situações futuras da minha vida... a vergonha, as meninas, a peia (essa em especial rs)... Mas confissões à parte, a verdade é que demorei pra entender essas nuances do amor de mãe.

Demorei mas entendi. O amor tem dessas coisas, nem sempre é coerente e racional, e mesmo entre incoerências nos prepara para a vida, pois a vida também não é coerente e nem racional, é espontânea e brusca, é calmaria e tempestade, sem deixar de ser vida. O amor também é assim sem deixar de ser amor. Com o tempo as pelejas vão se tornando tréguas, logo paz e sempre aliança.

Na verdade o amor tem muitas cores, todas as cores, e sempre é verdinho verdinho como as folhas daquela goiabeira.