Sobre os Trilhos

Costumávamos ir a Petrópolis visitar uma de minhas irmãs que já era casada. Mamãe fazia questão de sempre visitá-la, como deduzi depois, por ela ter sido criada num colégio de freiras. Praticamente sozinha, ou seja, sem a presença constante da mãe. Normalmente íamos de trem, que tomávamos na Estação de Dom Pedro II ou Central do Brasil. Nessa época vivíamos tempos de Primeiro Mundo no país, sendo apreciável a nossa malha ferroviária.

Antes da subida da serra, precisamente na Estação de Raiz da Serra (acho que ela ainda hoje existe), a composição se alterava. Não lembro bem se havia apenas a troca da locomotiva, por uma de maior poder de tração, ou se o número de carros era reduzido, de modo a que tivéssemos dois trens ao invés de um. Acho que eram as duas coisas. A partir da Raiz da Serra também o leito da via se modificava. Surgiam entre os trilhos paralelos dois outros bem mais próximos e interligados por barras de aço, formando um trilho dentado, que fiquei sabendo depois tratar-se da cremalheira.

Numa dessas idas a Petrópolis, quando eu devia estar com seis ou sete anos, exatamente na Estação da Raiz da Serra, soubemos que o trem não prosseguiria até ao seu destino final. Ou tinha havido algum problema ou tínhamos tomado o trem cujo ponto final era mesmo naquela estação. Talvez por ser mais barato que o que iria até Petrópolis. Minha mãe decidiu que faríamos o resto do percurso a pé. Não tenho idéia de quantos quilômetros ainda poderiam faltar. Provavelmente mamãe não devia ter dinheiro para que tomássemos um ônibus. Táxi, nem pensar. Ela devia ter dinheiro apenas para tomar o trem de volta ao Rio.

No percurso restante até Petrópolis havia talvez três pontes sobre rios ou cursos d’água que ficavam “bem lá embaixo”, na avaliação de um menino de seis ou sete anos. Senti um medo danado quando passei pelo primeiro “pontilhão”, termo usado por minha mãe para designar as pontes. Não havia qualquer guarda-corpo ou guarda-rodas ou grades laterais que nos dessem alguma garantia de que não cairíamos lá embaixo. Mamãe, é claro, percebeu o meu medo ao atravessarmos o “pontilhão”. Lembro-me dela me dizendo: “Não olhe para baixo ou para os lados. Olhe apenas para frente”. E assim nós conseguimos atravessar os “pontilhões” e chegarmos até à casa de minha irmã casada.

Rio, 12/05/2008

Aluizio Rezende
Enviado por Aluizio Rezende em 13/05/2008
Reeditado em 04/06/2012
Código do texto: T987072
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