O trabalho rotineiro que não tem valor

Eu já fiz um poema para o mulungú. É uma árvore leguminosa, que dá flores vermelhas uma vez por ano. A sua casca tem propriedades calmantes e entra em vários medicamentos fitoterápicos do tipo calmapax ou maracujina.

O que eu não disse foi que o mulungú passa o ano todo produzindo uma enorme quantidade de folhas que devem ser pacientemente varridas todos os dias, e que eu tenho um mulungú do lado de minha casa que me dá um trabalho desgraçado.

Achava bonito antigamente todo esse esforço diário, varrer, catar as folhas e o cocô dos cachorros, esse trabalho infindável para a manutenção das coisas como elas são, trabalho destinado ao fracasso, pois, um dia, certamente, o quintal não será varrido, as folhas se acumularão, os cachorros morrerão, o cimento do caminho rachará e se soltara, e o próprio caminho no meio do gramado deixará de existir. E, finalmente, gramado se converterá num matagal.

Por aqui já devem ter andado dinossauros que não tinham a menor consideração pelas plantas do meu jardim. Mas eu cuido delas como se fosse a coisa mais importante do mundo, e o meu jardim nem é tão bonito assim.

Voltando ao mulungú, ele é deslumbrante com suas flores vermelhas, o que só ocorre duas ou três semanas por ano. No mais, o trabalho do mulungu é mobilizar sais minerais nas profundezas da terra, tansformando-os em folhas que serão depositadas em profusão na flor da terra.

Resolvi podar alguns galhos, quer dizer, antigamente eu o faria pessoalmente. Hoje estou pagando pelo serviço a um trabalhador, o Claudionor, que o fará com gosto em troca de uma diária (e eu trabalharia de graça).

Cortado o primeiro galho, olhei para cima e vi, com surpresa a casa de um joão-de-barro, num galho próximo. Aviso ao Claudionor para não tocar naquele galho. Mas, internamente, senti todo o absurdo da situação. Que direito tenho eu de podar uma árvore para não ter que varrer as suas folhas? Um pensamento que consola é que se a tal arvore crescer muito, poderá quebrar numa tempestade e cair sobre a minha casa. Então eu e o joão-de-barro estaremos iguais. Seremos dois sem-teto. Como os milhões de chineses após o terremoto.