O MALANDRO

A cidade de Bagé, no sul do Rio Grande do Sul, cinqüenta anos atrás, era uma das maiores cidades do Estado, em população, PIB e território, com sua economia baseada na pecuária e suas grandes fazendas.

Alguns anos antes, quando Getúlio Vargas esteve na cidade, em seu brilhante discurso no Coreto Municipal, falou duas de suas características, “terra de homens valentes e de mulheres bonitas”. Há quem diga que disse isto em muitas cidades pelas quais passou, mas muitos bageenses pensam, até hoje, “uma frase exclusiva”.

Esta fama de ser cidade de mulheres bonitas, como de fato é, chegou a Agulhas Negras, na Academia Militar, e se dizia em Bagé, talvez para valorizar o passe, que era a cidade preferida pelos jovens tenentes, ávidos pela filha de um fazendeiro, para perfeição dos méritos, flor de formosura.

Esse negócio de casar bem sempre foi uma aspiração de homens e mulheres, pais e mães nem se fala. Entenda-se, casar bem financeiramente. Nada como juntar o útil ao agradável e se a vida a dois é complicada quando estável nas coisas da economia, imagine sem. Se bem que, para quase todos, isto é uma coisa bem fácil de imaginar.

Com o aumento da expectativa de vida ocorrida nas últimas décadas, caçar uma herança tem feito muita gente boa ficar cansado de esperar sentado. Como as mulheres ficaram independentes e muitas bem remuneradas, melhor é investir no presente, coisa que as mulheres, ressalvadas as exceções, sempre souberam.

As filhas dos fazendeiros eram muito apreciadas, como até hoje, e isto me fez lembrar uma interessante história que ouvi quando criança. Rodrigo (apenas para lembrar de “Um Certo Capitão Rodrigo”, personagem de Érico Veríssimo), que nem era militar, apaixonou-se por uma “formosíssima” filha de um representante, dos mais ilustres, da aristocracia local. O pai da jovem era tão rico que a moça era mais admirada que a Juliana Paes.

Dizem que o cara era bonito. Muito mais que bonito, segundo as mulheres que conheceram. Foi apresentado aos sogros na fazenda e minutos depois estava a mercê para os tradicionais questionamentos. Naqueles tempos os pais pensavam, “tá querendo pegar minha guriazinha”.

Dizia o pai da moça:

- Minha filha é minha mais preciosa jóia, a única que tenho, mas tenho também cento e vinte quadras de campo, mais de dez mil cabeças de boi no pasto, umas vinte mil ovelhas, cavalos algumas centenas, carros os três que conheces, mas também dez caminhões, umas quinze máquinas com seus equipamentos, casas aqui, na cidade e na capital um apartamento no centro, vinte e poucos peões que mantenho com suas famílias e que vivem como se fossem de casa, sou sócio do frigorífico, o dono da maior parte, e tenho uns negócios mais no exterior, mas destes nem vou comentar. Podes me dizer o que tens para oferecer a minha filha?

O pretendente refletiu poucos segundos, levantou-se e, com muito garbo, fez com o braço direito um gesto, como se apresentasse sua figura, enquanto dizia convicto:

- Esta pinta!*

* Uma versão local para uma história quer já deve ter sido contada.