A Semente

Pequener subiu a ladeira e encontrou lá em cima uma fada. Como concluiu depois. Negra como o azeviche. Cabelos acarapinhados. Nariz e lábios finos naquele rosto contrastavam. Mas chamava mais atenção o brilho daqueles olhos. Primeiro alaranjados, depois azuis e depois meio esverdeados. Esse o contraste maior. Era cíclico o movimento das cores, podendo ser alternativo. Mas a bondade que dos olhos vinha era a mesma, sempre.

Pequener, sorridente, foi sentar-se a seu lado. No único banco de madeira lá em cima na ladeira. Viu que ela era jovem, embora não fosse a criança que ela esperava encontrar quando olhou lá de baixo. Sentiu-se imediatamente melhor do que quando tinha saído pra escola. Um pouco de dor de cabeça. Um medo de voltar pra casa e ter de dizer que não tinha tirado as notas melhores. Tudo isso passou quando ela se apequenou diante daquele sorriso. Que parecia querer a estreitar em seu brilho, como se fosse um colo em que se estreita o bebê. Tudo o que ela pode ver era a bondade infinita, embora a Pequener não entendesse ainda o que fosse mesmo a bondade.

Surpreendeu-se quando a fada negra lhe deu um pote de vidro, contendo algumas sementes todas da mesma espécie.

- Você tem um quintal?

- Claro, e ele é lindo como os seus dentes, Pequener respondeu, envergonhando-se um pouco com o que tinha dito.

- Então, quando chegar em casa, semeie algumas sementes pelo terreno. Encha o pulmão e expire pela boca, sempre olhando pro céu. Tomara que não esteja chovendo.

- Mas chuva é bom no rosto da gente. Pequener achou a própria resposta surpreendente.

- É mesmo, você tem razão, disse-lhe a fada negra com um sorriso mais amplo.

Depois as duas se despediram e Pequener começou a descer feliz a ladeira. Não andou mais que cinco metros e olhou pra trás. Só que não viu a fada e nem seu banquinho de madeira. Sabia que não estivera sonhando. Mas sabia também que isso era coisa de fadas. Desaparecer de repente. Mas nada alterou seu estado. De tão feliz que estava.

Quando chegou à casa, levando o pote de vidro com cuidado, mochila pesada às costas, ao abrir o portão, o pote de vidro caiu. Sementes pra todo lado. Na grama existente entre as largas pedras que iam até á varanda, as sementes se espalharam. Assim como pelo resto do terreno sem pavimentação.

Pequener sentiu muito. Achou que não foi tão cuidadosa com o presente que tinha recebido, que devia ser de grande importância. De qualquer forma, as sementes estavam espalhadas pelo terreno, como a fada recomendara. Tratou então de recolher os cacos de vidro, preocupada com os pés de seu coelhinho, da cachorrinha, dela e de todos em casa.

Logo no dia seguinte, assombrou-se ao chegar ao quintal pela manhã e ver vários pés de pequena altura de uma planta com flores de variadas cores. De tons alaranjados, azuis e meio esverdeados. Lembrou-se logo da fada e do brilho intenso de seus olhos.

Já no café da manhã ouvira seu pai anunciar que não sentia mais as terríveis dores na coluna. Sua mãe dizendo que melhorara da tosse e dos acessos de falta de ar. E até a Dallila, sua cachorrinha, parara com a diarréia. Seria aquela a estréia dos pés de sementes da fada?

A partir desse dia, Pequener decidiu dar todas as coisas que tinha, seus brinquedos, lamentos e pensamentos, porque ganhara, como ganharia, tudo de novo de graça!

Maricá, 18/05/2008