Homilia nos votos das Irmãs Salesianas dos Sagrados Corações

Homilia de renovação de votos das Irmãs Salesianos dos Sagrados Corações Cidade Ocidental – Goiás, dia 06 de Julho de 2008

Excelentíssimo Dom Agostinho, Bispo Emérito de Luziânia,

Reverendíssimos Monsenhores da Nunciatura Apostólica no Brasil,

Reverendíssimos sacerdotes,

Diletos Frades Franciscanos do Jardim da Imaculada,

Diletíssima Madre Geral, Ir. Maria Longo e demais irmãs do Conselho da Irs. Salesianas

Estimadas Irmãs Sonia, Tatiane, Erica, Shirley e Ana Silvia que hoje renovam sua consagração

Estimados irmãos e irmãs

A Igreja se alegra com a renovação dos votos destas jovens irmãs, chamadas a serem totalmente entregues ao Senhor na vida religiosa segundo a regra canônica das Irmãs Salesianas dos Sagrados Corações. Inegável o testemunho destas filhas que desejam cada vez mais se entregar à vida comunitária de trabalho e oração, numa progressiva caminhada de santidade, como propôs o Santo Fundador desta Congregação, o Pe. Fillipo Smaldone.

A Liturgia de hoje nos convida a acolher Jesus como o Rei manso que vem dar sentido a nossa existência. O Profeta Zacarias antevê o Messias como aquele que vem carregado de justiça, salvação e humildade. Suas virtudes são como as flechas do arqueiro que devasta os muros da cegueira e do desatino para levar aos corações a verdadeira paz que brota da entrega dos nossos caminhos a Deus.

Jesus cumpre o que foi anunciado pelos profetas, vem para dar alívio e distribuir alegria às almas, umas teimosas e outras desoladas por tantos desafios que a vida presente nos impõe. A adesão a Jesus Cristo é o único caminho capaz de proporcionar a felicidade ao coração da pessoa humana. O mundo oferece caminhos enganadores, como se fossem caminhos de liberdade, mas na verdade são caminhos de aprisionamento e dor.

Muitos são enganados pelas propostas do mundo e mergulham suas vidas no abismo da dor e da solidão. Deixar de amar a Deus para amar as criaturas é o mesmo que cultivar o fracasso interior e a desumanização de si mesmo. Santo Agostinho, no seu célebre livro as Confissões nos adverte do perigo do amor pelas criaturas e do desprezo pelas leis de Deus que nos levam ao desvio do caminho da harmonia e da paz.

O Salmo de hoje nos apresenta a alegria do peregrino orante que ao fazer a experiência de Deus não exita em bendizer o Criador em todos os momentos de sua vida. Ao recitar palavras tão bonitas, o salmista entende que Deus é sempre misericórdia e piedade, amor e fidelidade, paciência e compaixão. A fé nos leva a compreender a nós mesmos a partir de nossa entrega ao amor infinito de Deus. Pela fé a alma se entrega ao amor pelo absoluto de Deus e nos faz enxergar que muitas realidades que pensamos ser determinantes na nossa vida não passam de meros acidentais, muitas vezes desprezíves por promover em nós o orgulho, a vaidade, a jactância e a falta de humilde que nos impede de obedecer.

São Paulo na Carta aos Romanos nos convida a abrirmo-nos ao Espírito. As pessoas verdadeiramente cristãs vivem segundo o Espírito e abandonam os apetites da carne. Os crentes – comprometidos com Jesus desde o dia do batismo – vivem “segundo o Espírito” e não “segundo a carne”. A vida “segundo a carne” é a vida daqueles que se instalam no egoísmo, no orgulho e na auto-suficiência; a vida “segundo o Espírito” é a vida daqueles que aceitam acolher as propostas de Deus. Acolher Deus em nós e nos deixar conduzir por Ele mediante seu Espírito. Numa sociedade marcada pela busca extravagante do prazer e de uma vida sem regras e sem limites, marcadamente hedonista e relativista. Ser de Deus tornou-se um dos maiores imperativos proféticos de nossos dias. Para o mundo carnal e descrente, ter Deus na vida significa ser escravo e estranho. Mas o testemunho dos fiéis atesta o contrário: Deus não é um peso e muitos menos tira nossa liberdade ou nos oprime; somente Ele é capaz de nos proporcionar a verdadeira liberdade e a segurança interior.

O Evangelho de hoje nos mostra Jesus como o Mestre da simplicidade. Ele nos convida a sermos discípulos e agente da missão do seu amor entre os homens. Para sermos verdadeiros discípulos precisamos ser abertos ao Espírito Santo. Este processo nos leva a sermos os simples, os pobres de Deus. É preciso ser pequeno para ser de Deus. O discípulo vai adquirindo sua intimidade com o mestre à medida que desapega do mundo, dos outros, de si e se lança nos braços do Amado, como nos ensina São João da Cruz. O discípulo sabe que o fardo de Cristo não é pesado, mas leve, suave e restaurador. Acolher Jesus é submeter-se ao primado do seu amor, da sua caridade e da sua eterna misericórdia. O coração de Jesus é o novo refúgio para o discipulo, o lugar do nosso descanso e da nossa profunda liberdade para abraçarmos a nossa salvação e como missionários levar os outros a acolhê-la também.

Jesus louva o Pai porque a proposta de salvação que Deus faz aos homens (e que foi rejeitada pelos “sábios e inteligentes”) encontrou acolhimento no coração dos “pequeninos”. Os “grandes”, instalados no seu orgulho e auto-suficiência, não têm tempo nem disponibilidade para os desafios de Deus; mas os “pequenos”, na sua pobreza e simplicidade, estão sempre disponíveis para acolher a novidade libertadora de Deus.

A religiosa nunca fica viúva, pois seu esposo, Jesus Cristo, nunca morre. Como é edificante o testemunho das irmãs religiosas em nosso tempo. O trabalho, a entrega, o amor a Jesus e a mensagem que representam para o desespero do mundo atual atestam a validade da consagração ao Senhor. Ao ver a religiosa que passa, caminhando na fé e na esperança, as pessoas contemplam a sua pobreza estampada no seu hábito de amor que a faz ser a mulher diferente, plenamente entregue ao amor do Amado em favor da salvação de tantos.

Vivemos um momento de vazio na sociedade, de desencanto e de espanto. O Santo Padre Bento XVI, na missa do início do seu pontificado nos ensinou que as pessoas vivam no deserto. E existem tantas formas de deserto. Há o deserto da pobreza, o deserto da fome e da sede, o deserto do abandono, da solidão, do amor destruído. Há o deserto da obscuridão de Deus, do esvaziamento das almas que perderam a consciência da dignidade e do caminho do homem. Os desertos exteriores multiplicam-se no mundo, porque os desertos interiores tornaram-se tão amplos. Por isso, os tesouros da terra já não estão ao serviço da edificação do jardim de Deus, no qual todos podem viver, mas tornaram-se escravos dos poderes da exploração e da destruição.

Permitam-me, estimadas irmãs que renovam sua consagração, lembrar a importância de colaborarmos com a Graça Divina para que esses terríveis desertos não entrem nos seus e nos nossos corações. O fato de fazer os votos não significa que o coração esteja isento da tentação do mundo. Os grandes santos e santos tiveram tremendos sobressaltos do inimigo em suas vidas, mas souberam reagir na fé e na confiança. Por isso enfeitaram com suas vidas o jardim de Deus.

Uma religiosa prudente alcança inegavelmente caminhos de santidade. O itinerário da vida de uma consagrada está na profunda comunhão com Deus na observância livre dos Conselhos Evangélicos, a saber: a Pobreza, a Obediência e a Castidade. Estes conselhos têm sua origem divina, mais exatamente, cristológica, pois estão fundamentados nas palavras e exemplos do Senhor Jesus. A vida e a doutrina de Jesus estão na base de toda forma de vida cristã, e de maneira especial, na base da vida consagrada.

Jesus é o Homem inteiramente livre e inteiramente para os outros. Ele viveu inteiramente para o Pai e para os irmãos. Sua vida consiste em desviver-se. Não se pertence a si mesmo. É, existe e vive para Deus e para os homens. E a castidade- pobreza-obediência foram a expressão objetiva desta plena e definitiva autodoação. Por isso a vida de Jesus não foi simples existência, mas uma proexistência. Seu existir foi proexistir, existir em favor dos outros, dando tudo e a si mesmo. Então os conselhos evangélicos não podem ser entendidos como aspectos, mas como dimensões constitutivas da vida de Jesus.

Por causa da origem cristológica, a pessoa consagrada vive não simplesmente a castidade, mas a castidade de Cristo; não é a pobreza, mas a pobreza de Cristo, tampouco é a obediência, mas a obediência de Cristo. Existem outras formas de pobreza, castidade e obediência, mas nenhuma delas nos interessam, somente a que Cristo viveu.

Para compreendermos verdadeiramente os conselhos evangélicos é necessário voltar decididamente à pessoa de Jesus casto-pobre-obediente com sua vida e sua doutrina, com o chamado ao seu seguimento e com seu mistério de rebaixamento à condição humana.

A castidade, a pobreza e obediência, constituem as três dimensões mais profundas do viver humano de Cristo. Não foi alguma coisa de secundário ou marginal em sua existência, mas algo constitutivo de seu modo histórico de ser e de viver para os outros.

O que significaram na vida-missão de Jesus esses três conselhos evangélicos? Amor total demonstrado - isso significa que os conselhos eram para Jesus um meio, uma forma de demonstrar o seu amor, provar o seu amor total ao Pai e aos homens. Uma prova autêntica profunda de amor. E não como meios para conseguir o amor perfeito, mas como expressão desse amor perfeito. Não para tornar possível o amor, mais para tornar visível o amor. Para demonstrar o máximo amor ao Pai e aos irmãos. A virgindade-pobreza-obediência de Jesus foram o grito essencial de amor e testemunho irrefutável de liberdade.

Quanto mais encarnarmos a pobreza-obediência-castidade mais demonstramos nosso amor a Deus e mais somos livres para amá-lo. Nada nos prende, nem nos domina.

Os conselhos eram para Jesus, parte integrante do mistério de seu aniquilamento que culminou na morte de cruz. Portanto, para ele os conselhos eram a vivência antecipada do sacrifício da sua morte. A morte é a total oferta do nosso ser a Deus: o grão de trigo precisa morrer para nascer de novo.

Através dos conselhos evangélicos vivenciamos antecipadamente a cada dia a nossa morte, o nosso aniquilamento no sentido cristão da entrega plena. Tudo é páscoa, tudo é passagem. Mas é preciso cultivar a humildade diante de todo esse grande mistério. Os aspectos da paixão, morte e ressurreição do Senhor estão presentes nas nossas vidas e sobremaneira na vida dos que professam publicamente sua consagração total ao amor indizível do Pai Eterno. Santa Teresinha nos ensina que na vida duas coisas nos acompanham: o amor e o sofrimento.

Mais do que pensar na morte e na sua conseqüente tristeza para os fracos na fé, é preciso pensar na inauguração de um "modo celeste de vida". Os conselhos evangélicos são para isso. A vida da graça nos faz viver desde esta vida a glória do céu. A vida da graça é a vida eterna.

Pela pobreza, obediência e castidade, Cristo adiantou, aqui e agora, a condição essencial da vida celeste, estabelecendo um tipo de relações, divinas e humanas, válidas para outra vida. Viveremos aqui o que viveremos no céu. A vida na terra deve ser uma preparação e antecipação da vida que vamos viver no céu. Os conselhos nos fazem viver e ser aqui na terra o que viveremos e seremos no céu. É preciso vivê-los na perspectiva de Cristo.

Prometer viver a castidade significa imediatamente amar ao Pai e a todos os homens com o mesmo amor total, divino e humano de Cristo. Prometer viver a pobreza significa imediatamente amar o Pai que é a nossa única riqueza. Prometer viver na pobreza (fraternidade, unidade), pobreza quer dizer, empenhar-se em confiar infinitamente em Deus, apoiando-se unicamente nele, viver decididamente, para os outros, compartilhando tudo o que se é e tudo o que se tem com os irmãos, não pertencer-se para pertencer a todos, e manter diante de todas as coisas plena liberdade e independência ativa. Prometer viver a obediência significa comprometer-se diante de Deus e diante dos irmãos a viver em atitude de total docilidade à vontade amorosa do Pai e a acolhê-la filialmente como critério único de vida, sejam quais forem as mediações humanas ou sinais que manifestam essa vontade. Enfim, o que parece ser difícil de se aceitar e acolher, torna-se brisa leve quando acolhido e aceito no força do Espírito Santo. O que parece impossível à nossa fraqueza, torna-se possível pela Graça do Mesmo Espírito.

Concluo lembrando as Palavras do Santo Padre Bento XVI na cerimônia de canonização do Pe. Fillipo Smaldone, acerca do fundador de vocês e da importância motivadora do seu exemplo para todas as irmãs: Sacerdote de coração grande, alimentado pela oração constante e pela adoração eucarística, foi sobretudo testemunha e servo da caridade, que manifestava de modo eminente no serviço aos pobres, em particular aos surdos-mudos, aos quais se dedicou totalmente. A obra que ele iniciou continua graças à Congregação das Irmãs Salesianas dos Sagrados Corações por ele fundada, e que está difundida em diversas partes da Itália e do mundo. São Filippo Smaldone via refletida nos surdos-mudos a imagem de Jesus e costumava repetir que, assim como nos prostramos diante do Santíssimo Sacramento, também é preciso ajoelhar-nos diante de um surdo-mudo. Aceitemos do seu exemplo o convite para considerar sempre indissolúveis o amor à Eucaristia e o amor ao próximo. Aliás, só podemos obter a verdadeira capacidade de amar os irmãos no encontro com o Senhor no sacramento da Eucaristia.

Que a Virgem Mãe, pobre, casta e obediente, ajude a cada uma das irmãs que hoje renovam sua profissão canônica a vivê-la na esperança e no amor e interceda sempre a Deus pelo trabalho que vocês já realizam em favor do bem da nossa amada Igreja Católica, amém.

Adair José Guimarães
Enviado por Adair José Guimarães em 10/08/2008
Código do texto: T1122388