Discurso de colação de grau - Fisioterapia UFPB 2008.1

Local: Auditório Lindemberg Farias do Hospital Universitário Lauro Wanderley.

Data: 12 de setembro de 2008 (sexta-feira) Hora: 19.30h

Turma Professor João Batista da Silva.

Oradora- Ângela Maria Pereira.

Discurso de Colação de Grau.

Boa noite a todos e a todas!

Saúdo aqui todos os brasileiros e todas as brasileiras, que nunca estiveram numa universidade e que nunca terão a oportunidade de vivenciar o que vivenciamos, a despeito do suor derramado nas suas lidas diárias e das oportunidades não tidas.

Saúdo ao Deus, senhor de todos os credos, que esteve nos acompanhando durante todo o tempo, nas nossas preces, nas nossas agonias, nos nossos devaneios e nas nossas alegrias.

Saúdo os nossos pais e as nossas mães, os nossos irmãos e as nossas irmãs e os demais familiares que são nossa fortaleza, nosso porto seguro, nas horas mais difíceis, nos momentos de instabilidade e de saudade. Vocês que nos acompanham não apenas nos sonhos, nas horas de sono trocadas pelos estudos, nos momentos de cansaço e de doença, presencialmente ou através dos pensamentos, mas também nos momentos de alegria e de vitória.

Saúdo nossos amigos e nossas amigas de longas datas e de curto tempo, conquistados fora da universidade, ou nas salas de aula, nos laboratórios, nas bibliotecas, nos corredores, nos campos de estágios, no restaurante universitário, nas praças e centros de convivência e no movimento estudantil.

Saúdo ainda os professores e as professoras que precederam nossa história na universidade, que ficaram gratos e felizes com cada evolução, com cada novo aprendizado e com a alegria de nos ver entrar na universidade e continuarmos o caminho de conquistas.

Saúdo nossos queridos professores e nossas queridas professoras que nos ensinaram os primeiros passos da Fisioterapia. Vocês que facilitaram aprendizados técnicos e de vida. Acompanharam a evolução de cada um de nós nos cinco anos de curso.

Saúdo os trabalhadores e as trabalhadoras dos diversos setores da UFPB que contribuíram para o funcionamento dela, nossa segunda casa, enquanto aqui estivemos.

Saúdo os usuários e as usuárias dos serviços de Fisioterapia, que confiaram suas dores, limitações e seus lamentos em nossas mãos de ávidos aprendizes em crescer com vocês, e de, sobretudo, com as histórias de vida de cada um, que participaram atentos e interessados dos nossos encontros educativos e das nossas orientações, visando se instrumentalizar para o auto-cuidado, através da prevenção de agravos e da promoção da saúde.

Saúdo a Paraíba que acolheu os filhos da terra e os filhos de outras terras, oferecendo-nos aconchego, calmaria e o encanto de um povo singular.

A universidade. A universidade ainda é uma realidade distante na vida de muitos brasileiros e muitas brasileiras. Poucos são aqueles que têm a oportunidade de chegar até ela, muitos, todavia, são os que trabalham cotidianamente para mantê-la, esperando dela e de seus “doutores” possíveis soluções para os seus problemas e para uma vida digna. É bem verdade que a universidade tem se aberto a novos freqüentadores, a novas e velhas necessidades do homem e da mulher. Todavia é verdade também que muitos têm sido os desafios para a manutenção do caráter público dela e para o atendimento das reais necessidades da população.

Historicamente a universidade é tida como um local privilegiado, onde os “bons” da sociedade estão destinados a se capacitarem e a produzirem conhecimento.

Chegar ao ensino superior, mais que uma possibilidade de ter uma profissão, é o passaporte para a esperança de uma vida financeira e socialmente estável. É a concessão de mais uma oportunidade que infelizmente nem todos podem ter. É a possibilidade de se deixar expandir as mentes e de experimentar o novo e o desconhecido.

Foi assim conosco. Há cerca de cinco anos, experimentamos a angústia, o cansaço das horas de estudos, a dedicação a leituras e reflexões para competir por uma tão sonhada vaga na tão sonhada universidade. Conseguimos ser mais alguns daqueles que semestralmente experimentam a alegria de passar no vestibular e ingressar no ensino superior. Conseguimos experimentar diversas sensações. Compartilhar alegrias e tristezas; decepções e motivações. Suportar rupturas. Apoiar o outro nos momentos de insegurança a cada novo desafio a ser enfrentando; incentivar o outro na superação de suas limitações; rir com o outro ao compartilhar histórias das nossas novelas reais; compartilhar os momentos que marcaram ciclos em nossas vidas, como a chegada de pessoas especiais e de uma nova vida, o início de amores e o estabelecimento de compromissos afetivos; as dificuldades com problemas de saúde nossos e de familiares; a dificuldade de fazer trabalhos acadêmicos e responder a altura das exigências mesmo com a falta de recursos; a dificuldade de lidar com o outro. Aprendemos a lidar com as diferenças e aproveitar o máximo que elas têm a nos oferecer. Dividimos responsabilidades e assumimos compromissos.

Chegar na universidade é assumir um compromisso. O compromisso este que não é apenas nosso. É um compromisso da e, com, a sociedade brasileira. Com as suas necessidades e aspirações. É um compromisso com a nossa família e com as expectativas que tantas outras pessoas têm conosco. E um compromisso conosco mesmo, com a nossa felicidade.

“O conhecimento nos faz responsáveis”. Já dizia um trabalhador da saúde chamado Ernesto Che Guevara. Assim nos empenhamos na responsabilidade de aprender a sermos trabalhadoras e trabalhadores da saúde. Empenhamo-nos em conhecer a história da fisioterapia e da saúde, a entender conceitos e aplicações destes, a entender as partes do corpo e os seus funcionamentos, a compreender seus processos patológicos e as repercussões destes para a vida diária de um ser humano. Buscamos entender as relações dessas doenças com determinantes outros como o acesso à educação, o acesso à saúde e ao lazer, as condições financeiras e trabalhistas de cada usuário e usuária e compreendemos então a saúde como um processo mais amplo que a simples ausência de doença. Desafiamo-nos a compreender os movimentos e a biomecânica que os fazem existir. Assimilamos as bases e os métodos de avaliação fisioterapêutica. Aprendemos com mãos inexperientes, os primeiros recursos terapêuticos. Treinamos... Treinamos bastante a massoterapia, as manipulações e os exercícios terapêuticos. Descobrimos a funcionalidade de correntes elétricas, do calor e do frio, das propriedades da água e a aplicabilidade dela junto aos nossos exercícios terapêuticos. Despertamos para o uso de técnicas que são capazes de trazer alívio de dores, melhorar e recuperar as amplitudes de movimento, mobilizar articulações e alongar e fortalecer musculaturas. Compreendemos ainda que essas técnicas isoladas de uma compressão da história de vida, das condições socieconômicas e da condição psicológica do usuário são apenas técnicas descontextualizadas. Assim valorizamos cada momento junto aos usuários e usuárias dos serviços. Discutimos política. Participamos da vida política da universidade, uns mais outros menos. Fortalecemos conceitos arraigados na cultura brasileira, mas também descobrimos nosso papel e questionamos algumas limitações, incoerências e falhas da universidade.

A fisioterapia. A Fisioterapia surge, a princípio, enquanto profissão destinada a reabilitar lesados de guerra. Segundo Rebelatto (1999), uma das conseqüências das condições existentes na época foi a atuação ficar restrita a uma visão curativa, “voltada a atenuar ou diminuir sofrimento, reabilitar organismos lesados ou, quando possível , recuperar as condições e saúde preexistentes dos organismos cujas condições haviam sido prejudicadas”. No Brasil, a profissão foi implantada como possibilidade de “resolver” os altos índices de acidente de trabalho com objetivo de reintegrá-las ao sistema produtivo.

Essa concepção predominou na construção da profissão ao longo dos tempos entre outros fatores pelas características do sistema educacional do país, pela tradição das pesquisas, pelo próprio contexto histórico e o nível de desenvolvimento do trabalho em saúde.

Embora a realidade atual seja reprodução desse contexto, em virtude de estratégias de manutenção desse modelo pelo sistema socioeconômico em que vivemos, da inércia e má vontade das pessoas, a saúde começou a ser vista como uma condição que vai além da ausência de doenças e tem relação com vários determinantes (biológicos, psíquicos e socioeconômicos).

Essas idéias foram inseridas em algumas escolas de saúde pública e com a reforma sanitária nos anos 80 no Brasil, ganharam expressão num contexto contra-hegemônico em construção.

Os caminhos foram abertos. É preciso a partir de agora fortalecer-se e traçar novos rumos. Esperamos que, cada vez mais, consigamos perceber que o profissional de saúde tem um importante papel na transformação da sociedade, que cuidar da saúde de outrem requer entender que cada indivíduo não existe só e que este sofre influência de uma série de fatores. Esperamos que o mundo do trabalho seja pedagógico o suficiente para nos fazer abrir os olhos que ficaram fechados na universidade e estimular idéias adormecidas ou inexistentes.Que a dureza do mundo do trabalho e as dificuldades não nos façam esmorecer . Pelo contrário, que seja capaz de provocar, indignar e unir os trabalhadores e as trabalhadoras da saúde em prol do melhor para o mundo. Que as alegrias da profissão sejam capazes de fortalecer em nós o amor pela fisioterapia e o compromisso com a vida.

Daqui saímos com a consciência de que nossos esforços foram válidos, de que as nossas marcas foram deixadas, que fizemos parte da história dessa instituição que aprendemos a amar e a respeitar. Saímos com a responsabilidade de sermos protagonistas não apenas da nossa história, mas também da história do país. Saímos daqui também com a clareza de que este é apenas um momento de transição nas nossas lutas individuais e coletivas. Desejamos por fim que a universidade seja tomada pelo povo e para o povo. E que, citando Che Guevara, “que se pinte de negro, que se pinte de mulato; não só entre os alunos, mas também entre os professores; que se pinte de povo, porque a universidade não é patrimônio de ninguém e pertence ao povo (...) e a universidade deve ser flexível, pintar-se de negro, de mulato, de operário, de camponês, ou ficar sem porta, pois o povo a arrombará e ele mesmo a pintará a Universidade com as cores que lhes pareça mais adequadas”.

Anja
Enviado por Anja em 14/09/2008
Código do texto: T1177518
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