Homilia na missa dos votos perpétuos da Ir. Juliana

Homilia na missa de emissão de votos perpétuos das Irmãs Dominicanas de Santa Catarina de Sena em Amparo – SP., aos 08 dias de janeiro de 2009.

Por: Dom Adair José Guimarães

Bispo de Rubiataba-Mozarlândia

Reverendíssimos sacerdotes e diácono,

Estimada Madre Provincial, Ir. Dinazilia Damasceno

Estimadas Irmãs professandas: Josenilde, Juliana, Karina, Lucineide

Estimadas Irmãs Dominicanas e religiosas de outras congregações aqui presentes,

Estimados familiares das irmãs professandas

Estimados irmãos e irmãs

A Igreja se alegra com os votos perpétuos destas jovens irmãs, chamadas a serem totalmente entregues ao Senhor na vida religiosa segundo a regra canônica das Irmãs Dominicanas de Santa Catarina de Sena. Inegável o testemunho destas filhas que desejam cada vez mais se entregar à vida comunitária de trabalho e oração, numa progressiva caminhada de santidade, como propôs a Fundadora Madre Tereza de Saldanha que no seu projeto de vida sempre manifestou o seu desejo de “fazer o bem, sempre”.

Os textos bíblicos da liturgia de hoje é um convite à experiência profunda do amor como fruto do Espírito Santo em nós. O texto da primeira leitura me fez voltar ao final do ano de 1986, quando me ordenei padre e escolhi o versículo 20 do Capítulo Quarto do texto da Primeira Carta de João como gesto de reconhecimento que “Deus nos amou primeiro”. Os gestos de amor brotam de um coração aberto que tem consciência que o amor vem de Deus e praticá-lo é a prova que Ele está agindo.

O texto do Evangelho nos leva à Galiléia, terra dos excluídos, mais precisamente à cidade de Nazaré, onde Jesus tinha crescido. E como qualquer homem judeu de sua época, ao sábado vai à sinagoga. Mas antes quero me deter, na presença de uma pessoa predileta de Lucas: o Espírito Santo. De fato, nos primeiros quatro capítulos de seu evangelho, detecta-se intensa presença e ação do Espírito, culminando em Jesus, que se sente investido e ungido por ele.

Uma característica da ação do Espírito nestes capítulos é que ele age, unge, tome posse das pessoas: Maria, Isabel, Zacarias, Simeão, profetisa Ana. Por outro lado, João Batista anuncia que Jesus vai batizar com o Espírito Santo.

No Jordão, Jesus é investido da plenitude do Espírito, que o conduz ao deserto e depois a Galiléia. Sendo a sinagoga de Nazaré o lugar onde Jesus se proclamará com o Ungido de Deus, pela ação do Espírito Santo que está sobre ele.

Há, portanto, um verdadeiro pentecostes no início do evangelho de Lucas. Rapidamente, lembremos que o início do livro dos Atos, escrito também por Lucas descreve outro pentecostes, o da primeira comunidade cristã. O mesmo Espírito que age em Jesus, é quem age na comunidade de seus seguidores, fazendo possível que a mesma vida e obras que Jesus viveu e realizou, sua comunidade vivesse e realizasse, e maiores ainda!

As palavras do profeta Isaías que Jesus lê descrevem seu projeto de vida: ”O Espírito do Senhor está sobre mim, porque ele me consagrou com a unção, para anunciar a Boa Notícia aos pobres; enviou-me para proclamar a libertação aos presos e aos cegos, a recuperação da vista; para libertar os oprimidos e para proclamar um ano de graça do Senhor”.

O programa de Jesus beneficia diretamente aos pobres, desde o início de sua missão, ele se posiciona do lado deles, apresentando-se como seu libertador.

Dessa maneira, Jesus nos revela o Amor e a predileção de Deus pelos mais pobres e marginalizados, a quem em seu Filho Jesus vem oferecer-lhes uma nova vida livre, digna, plena.

As últimas palavras de Jesus depois da leitura do profeta: “Hoje se cumpriu essa passagem da Escritura, que vocês acabam de ouvir”, confirmam seu ser e missão e ecoam até hoje a atualidade dessas palavras.

A Igreja, ungida e movida pelo mesmo Espírito de Jesus, continua sua missão libertadora, continua tendo sentido ao longo dos séculos na medida em que assume como próprio o programa de vida de Jesus de Nazaré. Vocês que hoje fazem a entrega total e perpétua de suas vidas a Deus na Congregação das Irmãs Dominicanas de Santa Catarina de Sena são chamadas a viver intensamente este programa de Jesus.

A religiosa é chamada a ser uma agente do AMOR DE DEUS entre os homens. Isso se dá através da entrega sem reservas a uma vida no Espírito Santo em profunda comunhão com Deus e suas co-irmãs. Numa sociedade marcada pela busca extravagante do prazer e de uma vida sem regras e sem limites, marcadamente hedonista e relativista, a freira de hoje representa contradição e profetismo. Ser de Deus tornou-se um dos maiores imperativos proféticos de nossos dias. Para o mundo carnal e descrente, ter Deus na vida significa ser escravo e estranho. Mas o testemunho dos que crêem atesta o contrário: Deus não é um peso e muitos menos tira nossa liberdade ou nos oprime; somente Ele é capaz de nos proporcionar a verdadeira liberdade e a segurança interior.

A religiosa não fica viúva, pois seu esposo, Jesus Cristo, nunca morre. Como é edificante o testemunho das irmãs religiosas em nosso tempo. O trabalho, a entrega, o amor a Jesus e a mensagem que representam para o desespero do mundo atual atestam a validade da consagração ao Senhor. Ao ver a religiosa que passa, caminhando na fé e na esperança, as pessoas contemplam a sua pobreza estampada no seu hábito de amor que a faz ser a mulher diferente, plenamente entregue ao amor do Amado em favor da salvação de tantos.

Vivemos um momento de vazio na sociedade, de desencanto e de espanto. O Santo Padre Bento XVI, na missa do início do seu pontificado nos ensinou que as pessoas atualmente vivem numa espécie de deserto. E existem tantas formas de deserto. Há o deserto da pobreza, o deserto da fome e da sede, o deserto do abandono, da solidão, do amor destruído. Há o deserto da obscuridão de Deus, do esvaziamento das almas que perderam a consciência da dignidade e do caminho do homem. Os desertos exteriores multiplicam-se no mundo, porque os desertos interiores tornaram-se tão amplos. Por isso, os tesouros da terra já não estão ao serviço da edificação do jardim de Deus, no qual todos podem viver, mas tornaram-se escravos dos poderes da exploração e da destruição.

Permitam-me, estimadas irmãs que hoje emitem seus votos para sempre, lembrar-lhes a importância de colaborarmos com a Graça Divina para que esses terríveis desertos não entrem nos seus e nos nossos corações. O fato de fazer os votos não significa que o coração esteja isento da tentação do mundo. Os grandes santos e santos tiveram tremendos sobressaltos do inimigo em suas vidas, mas souberam reagir na fé e na confiança. Por isso enfeitaram com suas vidas o jardim de Deus.

Uma religiosa prudente alcança inegavelmente caminhos de santidade. O itinerário da vida de uma consagrada está na profunda comunhão com Deus na observância livre dos Conselhos Evangélicos, a saber: a Pobreza, a Obediência e a Castidade. Estes conselhos têm sua origem divina, mais exatamente, cristológica, pois estão fundamentados nas palavras e exemplos do Senhor Jesus. A vida e a doutrina de Jesus estão na base de toda forma de vida cristã, e de maneira especial, na base da vida consagrada.

Jesus é o Homem inteiramente livre e inteiramente para os outros. Ele viveu inteiramente para o Pai e para os irmãos. Sua vida consiste em desviver-se. Não se pertence a si mesmo. É, existe e vive para Deus e para os homens. E a castidade- pobreza-obediência foram a expressão objetiva desta plena e definitiva autodoação. Por isso a vida de Jesus não foi simples existência, mas uma proexistência. Seu existir foi proexistir, existir em favor dos outros, dando tudo e a si mesmo. Então os conselhos evangélicos não podem ser entendidos como aspectos, mas como dimensões constitutivas da vida de Jesus.

Por causa da origem cristológica, a pessoa consagrada vive não simplesmente a castidade, mas a castidade de Cristo; não é a pobreza, mas a pobreza de Cristo, tampouco é a obediência, mas a obediência de Cristo. Existem outras formas de pobreza, castidade e obediência, mas nenhuma delas nos interessam, somente a que Cristo viveu.

Para compreendermos verdadeiramente os conselhos evangélicos é necessário voltar decididamente à pessoa de Jesus casto-pobre-obediente com sua vida e sua doutrina, com o chamado ao seu seguimento e com seu mistério de rebaixamento à condição humana.

A castidade, a pobreza e obediência constituem as três dimensões mais profundas do viver humano de Cristo. Não foi alguma coisa de secundário ou marginal em sua existência, mas algo constitutivo de seu modo histórico de ser e de viver para os outros.

O que significaram na vida-missão de Jesus esses três conselhos evangélicos? Amor total demonstrado - isso significa que os conselhos eram para Jesus um meio, uma forma de demonstrar o seu amor, provar o seu amor total ao Pai e aos homens. Uma prova autêntica profunda de amor. E não como meios para conseguir o amor perfeito, mas como expressão desse amor perfeito. Não para tornar possível o amor, mais para tornar visível o amor. Para demonstrar o máximo amor ao Pai e aos irmãos. A virgindade-pobreza-obediência de Jesus foi o grito essencial de amor e testemunho irrefutável de liberdade.

Quanto mais encarnarmos a pobreza-obediência-castidade mais demonstraremos nosso amor a Deus e mais seremos livres para amá-lo. Nada nos prende, nem nos domina.

Os conselhos eram para Jesus, parte integrante do mistério de seu aniquilamento que culminou na morte de cruz. Portanto, para ele os conselhos eram a vivência antecipada do sacrifício da sua morte. A morte é a total oferta do nosso ser a Deus: o grão de trigo precisa morrer para nascer de novo.

Através dos conselhos evangélicos vivenciamos antecipadamente a cada dia a nossa morte, o nosso aniquilamento no sentido cristão da entrega plena. Tudo é páscoa, tudo é passagem. Mas é preciso cultivar a humildade diante de todo esse grande mistério. Os aspectos da paixão, morte e ressurreição do Senhor estão presentes nas nossas vidas e sobremaneira na vida dos que professam publicamente sua consagração total ao amor indizível do Pai Eterno.

Mais do que pensar na morte e na sua conseqüente tristeza para os fracos na fé, é preciso pensar na inauguração de um "modo celeste de vida". Os conselhos evangélicos são para isso. A vida da graça nos faz viver desde esta vida a glória do céu. A vida da graça é a vida eterna.

Pela pobreza, obediência e castidade, Cristo adiantou, aqui e agora, a condição essencial da vida celeste, estabelecendo um tipo de relações, divinas e humanas, válidas para outra vida. Viveremos aqui o que viveremos no céu. A vida na terra deve ser uma preparação e antecipação da vida que vamos viver no céu. Os conselhos nos fazem viver e ser aqui na terra o que viveremos e seremos no céu. É preciso vivê-los na perspectiva de Cristo.

Prometer viver a castidade significa imediatamente amar ao Pai e a todos os homens com o mesmo amor total, divino e humano de Cristo. Prometer viver a pobreza significa imediatamente amar o Pai que é a nossa única riqueza. Enfim, o que parece ser difícil de se aceitar e acolher, torna-se brisa leve quando acolhido e aceito no força do Espírito Santo. O que parece impossível à nossa fraqueza, torna-se possível pela Graça do Mesmo Espírito.

A vida da religiosa deve ter a marca do amor e da entrega sem reserva. Ser religiosa de verdade é carregar em si a marca da acolhida, da alegria e da coragem de dar a vida em nome do Evangelho. A religiosa feliz e fiel nunca causa preocupação e sofrimento à sua superiora e quando superiora, não causa traumas e dores ao coração de suas filhas. A religiosa feliz é integrada, afável, nunca entra em estado de ira e encontra no sacrário, no confessionário e no rosário o alento e a força para seus momentos de noites escuras. Basta estar aos pés do Mestre para que logo volte à unção do seu discipulado de amor e total entrega ao Senhor.

O Papa João Paulo I não escreveu quase nada, pois seu pontificado foi muito curto, 33 dias apenas, mas nos deixou uma reflexão emocionante no último “Angelus Domini” de 24 de setembro de 1978, quatro dias ante de sua partida para a casa do pai. Naquele dia contou-nos a história das dezesseis carmelitas do Mosteiro da Encarnação de Compiègne, condenadas à morte “por fanatismo”. Uma das Irmãs pergunta ao Juiz: “Por favor, o que quer dizer fanatismo?”. Responde o juiz: “É pertencerdes tolamente à religião”. “Ó irmãs!” exclama então a religiosa, “ouvistes, condenam-nos pelo nosso apego à fé. Que felicidade morrer por Jesus Cristo!”.

Na carreta que as leva ao cadafalso cantam hinos religiosos. Chegando ao palco da guilhotina, uma atrás da outra ajoelha-se diante da Priora e renova seus votos. Depois entoam o “Veni Creator”. O canto se torna cada vez mais débil, à medida que caem, uma a uma, na guilhotina, as cabeças das pobres irmãs. Ficou para o fim a Priora, Irmã Teresa de Santo Agostinho. Antes de ser executada exclama: “O amor sempre vencerá, o amor tudo pode”. E o Papa João Paulo I acrescenta: “Eis a palavra exata: não é a violência que tudo pode, é o amor que tudo pode!” Foram as últimas palavras do Papa “sorriso de Deus”, dirigidas “urbi et orbi”.

Esse amor milagroso e eterno, queridas irmãs, marcou a vida da Fundadora de vocês, Madre Tereza de Saldanha. Dom João de Lima Vidal, um vigoroso bispo português, descreve com propriedade o quadro estampado daquela santa viva: “da outra vez que a vi, foi na sua cadeirinha de inválida, na casa de Gomes Freire, em Lisboa. Tinham passado por cima daquela veneranda figura a revolução e os anos. Mas nem a revolução nem os anos conseguiram abater ou mesmo alterar a esplêndida serenidade da sua alma, a calma do seu sorriso, a doçura fidalga, ou, para melhor dizer, a unção cristã das suas maneiras. Se a encontrei de traços envelhecidos, quase presa ao seu encosto de palha, não foi preciso muito tempo para me aperceber com assombro do pleno meio-dia daquele espírito, da frescura cristalina do seu coração, e, sobretudo, já não digo só da magnanimidade da sua alma no meio de adversidades e injustiças atrozes, mas da verdadeira auréola de santidade que irradiava da augusta fronte. Se os santos não são assim, como serão eles então?

Tereza de Saldanha viveu sua vida apostólica calcada no amor. Ela mesma diz: “Mesmo se tivéssemos fé ardentíssima, ainda assim, se o amor de Deus, o desejo de suavizar os males do próximo, não animassem as nossas obras, estas ficariam mortas”.

Que a Virgem Mãe, pobre, casta e obediente, ajude a cada uma das irmãs que hoje emitirão sua profissão canônica perpétua a vivê-la na esperança e no amor e interceda sempre a Deus pelo trabalho que elas já realizam com amor em favor do bem da nossa amada Igreja Católica, amém.

Adair José Guimarães
Enviado por Adair José Guimarães em 01/04/2009
Reeditado em 01/04/2009
Código do texto: T1517886