ELEVAÇÃO A MEMBRO EMÉRITO DO COLÉGIO BRASILEIRO DE CIRURGIÕES - CBC. Discurso de posse

Sérgio Martins Pandolfo*

“Todos os dias, a criatura humana, mesmo que nem o perceba, está a escrever um fragmento de sua própria história e das razões do seu viver”.
L.A.F. Soares – Médico e Escritor. Presidente da SOBRAMES NACIONAL


Agradecimentos e referências iniciais de praxe.

A sessão solene desta noite do Colégio Brasileiro de Cirurgiões – Capítulo do Pará me faz aportar dupla satisfação. A primeira porque já no próximo exercício estarei completando 40 anos de ingresso no CBC - logo de conquistada a Titulação de Especialista em Ginecologia e Obstetrícia junto à FEBRASGO -, admissão que se deu no Núcleo Central do Colégio, no Rio de Janeiro, cumpridas as estritas exigências seletivas para tal e lá empossado, em 1970, como Membro Associado. Em 1971 ascendi a Membro Titular, igualmente após minudente escrutínio seletivo, tomando posse no mesmo ano, uma vez mais no Núcleo Central do Rio. A segunda porque neste ano completaram-se os 200 anos de criação das Escolas Médicas no Brasil, fato que à primeira vista parece não ter nexo com a anterior, mas logo se verá que sim. Tanto tempo envolvido faz pressupor discurso longo; não temam, manter-me-ei fiel à sabedoria romana: “Esto brevis et placebis”. É apanágio dos chatos o querer tudo dizer.
Poucos dias passados de minha diplomação em Medicina, no Centro Cirúrgico da Santa Casa, enquanto aprestava-me para a realização de uma intervenção, mantive breve, mas marcante diálogo com o saudoso Prof. Pedreira de Albuquerque, que houvera sido meu mestre nos anos de formação e que também esperava oportunidade para intervir cirurgicamente. Perguntei-lhe: Mestre, quantos anos tem o senhor de formado? Respondeu-me incontinenti: 40 anos. Fiquei pasmado! Será que o Senhor do Universo conceder-me-á a ventura de alcançar tal longevidade, já nem de formado, mas de idade?
Pois o Arquiteto Supremo propiciou-me a graça não só de ultrapassar esse feito como de, magnânimo, permitir que com vigor pleno e integridade de minha estrutura biológica siga sendo executor daquilo que mais me deleita e agracia, a Arte de Curar com as Mãos, propiciando-me experiência, adquirida e alicerçada ao longo de quatro décadas e meia de exercício da Cirurgia.
Com o translado da Corte Portuguesa para o Brasil, ocorrido no dealbar de 1808, D. João VI criou as duas primeiras escolas médicas em solo pátrio: a primeira em Salvador, a 18 de fevereiro e a segunda no Rio de Janeiro, passado pouco mais de um mês. Fatos esses magnamente auspiciosos para nós, porquanto ensejou a formação em terras brasílicas de médicos e, obviamente, de professores de Medicina.
A prática da Medicina e, em especial, da Cirurgia, sempre foram para mim objetos sacrossantos de desejo e tenho me dedicado a essas voluntariosas senhoras contínua e ininterruptamente, de forma disciplinada, determinada, e com disposição quase apostolar. De outra parte, penso que a transmissão de conhecimentos às futuras gerações é obrigação inalienável, quase inescusável do profissional que com dedicação e exação exerce seu nobre mister de curar ou, pelos menos, mitigar a dor, o sofrimento dos que a ele recorrem.
A Medicina não pode ser olhada tal qual uma profissão como as demais, mas como um ministério, a gosto intenso e dedicação plena, e não a meio-tempo ou de forma divagante, muito menos com cariz mercenário intolerável. Assim tenho procurado manter-me ao longo de todos esses anos de exercício da Nobre Arte.
Minha prática, quer na Cirurgia Geral, quer na ginecotocurgia, foi sempre exercida em entidades voltadas para a assistência aos desvalidos da sorte e enjeitados da fortuna, como é o caso dos longos anos em que mantive atendimento aos pacientes da Santa Casa de Misericórdia e no antigo INAMPS, atual SUS, que continuo a atender, ainda hoje, na rede ambulatorial da SESPA e, no Hospital de Clínicas “Gaspar Vianna”, já se vai quase uma década. Durante trinta anos – 1968 a 1998 – mantive com outros colegas, em regime societário, um hospital que, conquanto dispusesse de elevado padrão de instalações e equipamentos e acolhesse doentes de diversos convênios tinha por clientela preponderante os amparados pelo sistema assistencial público. Desde a formatura até os dias correntes também mantenho consultório particular, hoje de quase exclusiva freqüência de conveniados e não-pagantes.
No desempenho de suas funções laborais o Cirurgião deverá pautar sua conduta pela humildade sem descer à subserviência. Que notável exemplo nos dá o extraordinário cirurgião francês Ambroise Paré, cirurgião-mor da Corte e dos exércitos de França nas primícias da Renascença, que revolucionou a prática da cirurgia até então praticada com suas técnicas e variado instrumental por ele criado, a destacar a introdução das ligaduras vasculares em substituição às cauterizações das feridas com azeite fervente ou ferro em brasa e cujo medalhão com sua efígie ostentamos orgulhosamente ao peito sobre nossas becas, muitas vezes sem o inteiro conhecimento de sua grandeza criadora e nobreza de atuação; de cada doente atendido que sarava costumava dizer: “Eu o tratei. Deus o curou”. Por tudo isso Paré foi cognominado o Pai da Cirurgia Moderna.
Pequena mas relevante digressão: Renascença que nos deu excelsas criaturas, tais qual o inexcedível Luis de Camões, Príncipe Pérpetuo dos Poetas de Expressão Portuguesa, que lhe foi coevo.
O Cirurgião também deverá pautar-se por um comportamento ético e moral irrepreensível. A retidão moral terá que estar no mesmo nível de sua ciência e de sua arte; não podem conviver, em espúria simbiose, o gigantismo técnico e o nanismo moral, já o disse alhures.
O segundo hemisfério da globalidade de funções e atividades a que me ative desde sempre foi a atuação como professor universitário, que se iniciou na Escola de Enfermagem “Magalhães Barata”, passando depois, mediante concurso público, para a UFPA, aonde cheguei - sempre por meio de processo seletivo aberto – a Prof. Adjunto IV, Livre-Docente Doutor da disciplina Clínica Cirúrgica I, magistério que mantive por 30 anos ininterruptos, tempo em que, sempre visando à necessidade de transmissão de conhecimentos aos porvindouros, pude produzir inúmeros trabalhos consubstanciados sob a forma de livro, capítulos de livros, artigos científicos publicados em periódicos nacionais e de fora ou insertos em boletins societários, jornais e revistas de cultura em geral. A arte de curar, aliada ao dom de escrever, propiciam e viabilizam o dever de transmitir.
O espírito associativo foi outro constante ponto de atenção, por isso que estive permanentemente ligado a diversas entidades representativas, entre as quais salientaria: a Sociedade Paraense de Ginecologia e Obstetrícia, que presidi em dois períodos; a Sociedade Médico-Cirúrgica do Pará/AMB; Academia de Medicina do Pará (Titular Fundador); Academia Brasileira de Medicina Militar (Honorário); Sociedade Brasileira de Médicos Escritores – SOBRAMES (Vice-Presidente para a Região Norte, fundador e 1º Presidente da Regional Paraense); Instituto Histórico e Geográfico do Pará e várias outras.
Especificamente ao Colégio Brasileiro de Cirurgiões empenhei-me decisivamente junto à Diretoria do Núcleo Central para a criação do Capítulo do Pará, nascido em 1972 e que ajudei a crescer e florescer como Vice-Mestre da 1ª Diretoria eleita. Em 1990 – há quase duas décadas passadas – recebi o Prêmio “João Prisco dos Santos” de Cirurgia Especializada. Em 1997, aquando do Jubileu de Prata capitular, agraciamento representado por Diploma e Plaqueta alusivos ao evento me fora concedido em tocante homenagem. Ainda a referir ativa participação em conclaves regionais e nacionais e em muitas sessões solenes e científicas. Agora a elevação à categoria de Membro Emérito que muito me rejubila (v. Fotos no Site do Escritor - abaixo).
Minha ascensão a Membro Emérito não é, por suposto, prêmio de chegada, mas estímulo vigorizante da continuidade que pretendo imprimir à caminhada até aqui empreendida, até quando o Senhor dos Destinos assim o determinar.
Assenta-se à perfeição, nesta altura, a máxima que nos deixou o Pai da Medicina: “Breve é a vida e longa é a arte; a ocasião é fugaz; a experiência enganosa, o julgamento difícil”.
Muito obrigado.

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Lido na Sessão Solene de 28.03.2008 do CBC
(*) Médico e Escritor. ABRAMES/SOBRAMES. Prof. Adjunto IV Livre-Docente Doutor da UFPA. Da Academia de Medicina do Pará. Do Hospital de Clínicas “Gaspar Vianna” (Belém).
serpan@amazon.com.br - sergio.serpan@gmail.com www.sergiopandolfo.com
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Recebemos com lídima satisfação do Presidente do Diretório Nacional do Colégio Brasileiro de Cirurgiões, via Internet, o ofício que reproduzimos abaixo.
Assunto: Posse Membro Emérito
De:"Edmundo Ferraz" <edferraz@truenet.com.br>
Data: Ter, Abril 22, 2008 11:52 am
Para: Sérgio Martins Pandolfo <serpan@amazon.com.br>

Sérgio Martins Pandolfo

Caro Sérgio:

Desculpe a demora em responder seu e-mail contendo o seu discurso. Acabo de recomendar a Secretaria do CBC a sua publicação na íntegra em nosso Boletim pela importância e beleza do seu depoimento que, nos dias de hoje, tem se tornado raro por não estar inserido no modismo da modernidade. Felizmente que o sentimento e a sabedoria existem e se sobressaem quando referidos exatamente por representar a essência do comportamento humano e particularmente do cirurgião.
Seu discurso é um depoimento exemplar, erudito e objetivo como nós cirurgiões devemos ser e proceder.
Gostei do todo particularmente com a analogia das celebrações dos 200 anos do ensino médico. Por trás do ato de Dom João VI estava a magnífica figura do pernambucano José Correia Picanço, Conselheiro do Rei que teve participação fundamental na criação das 2 primeiras Escolas Médicas (creio que a de Recife foi a 4a.) já que fomos pioneiro com São Paulo na inauguração dos Cursos Jurídicos no Mosteiro de São Bento em Olinda, na mesma da autorização de funcionamento da Faculdade do Largo de São Francisco em S. Paulo.
A Faculdade de Medicina do Pará foi também das mais antigas do Brasil, bem como a criação do Capítulo com a perene particpação dos mestres da cirurgia paraense em sua história. Parabéns, por tanto, meu caro Sérgio e vida longa para a cirurgia Paraense e Brasileira.
Grande abraço,
Edmundo Machado Ferraz




Sérgio Pandolfo
Enviado por Sérgio Pandolfo em 17/07/2009
Reeditado em 07/01/2012
Código do texto: T1704629
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