Homilia no encerramento da 23ª. Semana Nacional de Liturgia (São Paulo, 23/10/2009)

Homilia no encerramento da 23ª. Semana Nacional de Liturgia

(São Paulo, 23/10/2009 - Centro Jesuíta Santa Fé)

Tema: Liturgia e Ecologia

Leituras: Rm 7,18-25; Sl 118(119); Lc 12,54-59

DOM ADAIR JOSÉ GUIMARÃES

Bispo de Rubiataba/Mozarlândia

Irmãos e irmãs,

1.Depois de uma semana intensa, com tantos conteúdos aplicados, fica difícil dizer alguma coisa mais. O momento que estamos vivendo nesta 23ª. Semana Nacional de Liturgia é profético e de grande significado para a vida da Igreja no Brasil. Ao sairmos daqui precisamos levar conosco o compromisso sincero e imperioso do empenho em favor da promoção da defesa do meio ambiente a partir da nossa liturgia. Há um chamado do próprio Deus que nos convida a uma metánoia, uma mudança profunda dos nossos esquemas mentais e interiores acerca deste tema. Enfim, somos chamados a uma conversão do profundo de nós mesmos.

2.Na primeira leitura o Apostolo Paulo nos apresenta seu conflito pessoal que é também o nosso. Ele afirma sofrer com as fraquezas interiores que o fragmenta diante do fazer ou não fazer o bem. Tais franquezas, atesta, tornam-se forças interiores contrárias ao projeto de Deus que habita em nós. Contudo, o Apóstolo nos testemunha sua coragem de abrir-se à vontade de Deus e realizá-la em sua vida.

3.No Evangelho que acabamos de ouvir, os embates de Jesus com seus opositores nos faz ver que naquele tempo era possível ler os sinais da natureza e concluir o que poderia ocorrer; em nossos tempos nem sempre é possível, pois a alteramos sensivelmente e os sinais de exaustão já são visíveis. O que precisa no momento não é ver apenas os sinais da natureza e sim os sinais do Reino que nos leva a dedicar ao cuidado da natureza. O Reino nos oferece as bases para as referências e interpretações do que temos que fazer ou realizar.

4.Não podemos sair desta formação os mesmos que aqui chegamos. A questão ecológica vista a partir da vivência litúrgica instaura em nós uma inquietação profética. É preciso agir. A impostação desta exigência é tão forte e ao mesmo tempo profunda que não podemos tratá-la meramente a nível ideológico ou simplesmente como um romantismo obra criada. É preciso algo transformador, profundo, equitativo, que brote de dentro e de uma reflexão que determine em nós um modo novo de conceber e lidar com o ecossistema geral.

5.A proposta cristã acerca desta postulação é completa, objetiva, pois parte do Cristo e do que ele representa para nós. O Verbo de Deus, encarnado na nossa história, é o paradigma fundante, Sacramento primordial do Pai Eterno que fundamenta as demais sacramentalidades da vida. Ele é o “Mistério” que se descortina à nossa frente e nos motiva à defesa da obra criada a partir da sua revelação, encarnação, paixão, morte e glorificação. O mundo existe em Cristo, nele e por ele tudo foi criado. Somos movidos por ele no Espírito.

6.Ao lado do Mistério de Cristo que deve fundamentar nossa peleja em favor da ecologia, não podemos nos esquecer que todo nosso discurso e trabalho na defesa do meio ambiente, precisa estar amparado por uma sadia antropologia cristã. Evitemos ver a pessoa humana fora do meio ambiente, pois somos parte deste todo. Igualmente temos de CUIDAR da natureza e da pessoa humana que é também natureza. Este maravilhoso verbo CUIDAR apareceu muitíssimas vezes durante as reflexões desta semana. Bela atitude de todos nós em relação ao processo de conservação e preservação do meio ambiente e da pessoa humana, criada a imagem e semelhança de Deus. Não podemos proceder como a mãe que ao jogar fora a água da bacia deixa ir junto a criança. Não joguemos fora a criança, a pessoa, o ser humano. Nas expressões de nossa consciência cristã é inadmissível a aceitação que qualquer forma de comportamento, opção ou atitude que vá contra a vida. Por isso aborto deve ser rejeitado e combatido. A pessoa humana está no centro propulsor deste debate que implica em atitudes concretas e positivas de nossa parte. A vida é um dom de Deus.

7.A temática ecológica e com ela todos os desdobramentos em favor do socorro ao Planeta não é uma temática estranha à caminhada da Igreja. Não estamos chegando atrasados. Os papas vem chamando a atenção para a necessidade de uma ação em favor da ecologia e da preservação do meio ambiente há vários anos. Isso podemos encontrar nos documentos e pronunciamentos pontifícios e a Santa Sé participa na ONU das discussões sobre este relevante assunto. No Brasil a CNBB tem se pronunciado sobre o assunto e realizado várias campanhas da fraternidade abordando temas relacionados com o meio ambiente. Ademais, quantas não são as iniciativas igualmente belas de muitas igrejas particulares em nosso vasto território que estão trabalhando este tema de forma prática, criativa e transformadora.

8.Mas podemos deparar-nos com a pergunta: por que só agora Igreja desperta para esta preocupação? Respondo com um provérbio do nosso povo do sertão: “é a necessidade que faz o sapo pular”. A destruição da natureza pelas mãos dos homens e as conseqencias negativas resultantes disso nos impôs o dever inadiável pela urgente tomada de medidas concretas em favor da defesa do nosso nicho ecológico, a terra, nossa casa comum. Ou agimos agora ou será tarde demais. Os resultados positivos não serão de imediato, pois requer uma caminhada reflexiva que permita mudar arquétipos e estabelecer novos paradigmas. Conhecemos muito bem o ditado popular: “Deus perdoa sempre, o homem as vezes e a natureza nunca”. Precisamos agir antes que passe da hora.

9.A Nova Evangelização não pode desmerecer a temática ecológica. Junto com a Evangelização é preciso que toda a Igreja se empenhe no processo da conversão pessoal, comunitária, cultural, social e a vivência do discipulado missionário. Desta feita, ao lado da valorização da temática ecológica na liturgia e na ação evangelizadora, nos auxiliará também a promoção social e o resgate da cidadania dos marginalizados que está intimamente unida ao desafio ecológico. A defesa do meio ambiente precisa levar em conta os pobres, os esquecidos e os marginalizados.

10. Estamos diante do Mistério de Deus na liturgia. A liturgia é como um imenso garimpo à nossa frente. Nela estão postas, objetivamente, as riquezas da tradição que ao longo dos séculos plasmou a temática ecológica através dos textos eucológicos e cânticos orantes. Os elementos ecológicos já estão inerentes na ação litúrgicas da nossa Igreja. Precisamos garimpar logo e garimpar bem. A preciosidade está posta à nossa frente.

11. Quero nesta celebração aludir à dimensão batismal de nossas vidas e a ligação dos efeitos da Graça Sacramental em nós que nos diferencia no empenho pela conservação da vida no planeta. Não agimos simplesmente por nós mesmos, pois cremos na ação do Espírito em nós. Jesus mesmo nos ensina que “sem mim nada podeis fazer” (Jo 15,5). É uma inconseqüência pensarmos que podemos fazer tudo por nós mesmos. Isso seria cair no pelagianismo que apregoa a insuficiência humana. A humildade é um imperativo que se nos impõe no trabalho pela ecologia.

12.Recebemos no batismo a unção da pertença a Deus e à Igreja. Pelos seus elementos naturais podemos dizer que este sacramento iniciatório na fé cristã nos inseriu também na comunhão com o Pai e com sua obra, da qual fazemos parte. Encerro esta reflexão convidando a todos para receber em suas frontes uma simples unção que deseja expressar nosso empenho pela ecologia a partir da ação litúrgica da Igreja. Com esta unção, ao lado do empenho firme e profundo, queremos também renovar a atitude de renuncia a tudo que divide nossa ação e serviço dentro da comunhão eclesial em favor da vida e da nossa casa comum. Que o múnus batismal, comum a todos nós aqui, seja a expressão de nossa ação profética, servidora e celebrativa. Amém.

Adair José Guimarães
Enviado por Adair José Guimarães em 24/10/2009
Código do texto: T1885036