Sobrevivente de Nova Friburgo

"Sim, sou uma das sobreviventes das mais de 380 mortes de pessoas em Nova Friburgo, e das mais de 5.000 desabrigados em nossa cidade. Sou uma das sobreviventes porque assim a vida me escolheu para ajudar a reconstruir a minha cidade.

Graças a Deus estou VIVA!

Este foi o primeiro pensamento que me veio a cabeça ao acordar deste pesadelo que tenho passado aqui, mas confesso que minhas forças estão se acabando e minha fé está fraca. Não culpo a Deus pelos desastres que tenho visto em minha cidade, e não sou digna de culpar ninguém, porém, o que tenho visto está me deixando cansada e desanimada. É horrível saber que a pracinha que eu brinquei, namorei quando era adolescente, tomava sorvete e contemplava as imensas árvores está tudo acabado! Triste saber também que nesta praça muita gente morreu, carros foram abandonados e pessoas neste momento choram sentados sobre alguns bancos que restaram.

Quando vejo as reportagens percebo a dimensão que chegamos, a maior catástrofe do Brasil, e o mundo inteiro ficou sabendo da minha cidade por causa disso.

Queria tanto que o mundo conhecesse minha cidade por causa do teleférico ou o Cão Sentado que temos aqui que eram pontos turísticos lindos! Era tão simples olhar de cima da cidade e observar o sol e as montanhas e aquele vento gostoso batendo no rosto. Sou uma pessoa apaixonada pela minha cidade, e a defendo com unhas e garras se for preciso. Tinha amigos meus que nunca deram valor ao que tínhamos em nossa cidade, reclamavam que chovia demais ou fazia as sete estações ao mesmo tempo. A cidade das sete estações, assim nós brincávamos.Era sempre preciso carregar na bolsa sombrinha, óculos de sol e casaco.

Sim, sempre amei minha cidade. E aprendi a valorizá-la depois que conheci outras quando viajava a trabalho para implantar sistemas. Como era bom chegar de viagem e ver a NOVA FRIBURGO. Eu exclamava ao chegar: "Ah, que bom estar aqui!"

As pessoas me disseram que querem sair daqui, querem abandonar a cidade, mudarem-se para outro lugar, mas eu não penso assim, apesar de ver só destruição. Pois bem, se somos habitantes de Nova Friburgo devemos nos comprometer com ela. Não podemos sair daqui e achar que assim vamos resolver nossa situação.

Hoje Nova Friburgo está doente, e me diga uma coisa: Você nunca ficou doente? Você já abandonou alguém que amasse e estivesse doente?

Friburgo precisa de cuidados agora, precisa ser medicada e amada por todos nós. Eu não tenho a intenção nenhuma de deixar Nova Friburgo, pelo contrário, se preciso for eu construir essa cidade inteira colocando apenas um pequeno tijolinho eu quero fazer a minha parte.

Não podemos abandonar a nossa origem, abandonar as ruas que tivemos momentos maravilhosos com nossos amigos, pessoas queridas.

Não podemos virar as costas para quem amamos. Não podemos abandonar quem amamos. Isto inclui a nossa querida cidade.

Embora esteja cansada de ver tantas coisas ruins, eu quero lutar pela minha cidade.

Reconstruir será a primeira palavra para todos nós, porque quem está aqui sabe o que digo! Não sabemos o dia que vamos recomeçar a trabalhar, não sabemos o dia que voltaremos a rever aquele nosso amigo especial, aquela senhora que dávamos bom dia, ou até mesmo o cachorrinho que sempre fazia parte de nossa rotina. Não será fácil ter que ter que sentir ausências de pessoas queridas que trabalhávamos juntas, estudávamos juntas ou fazia parte de nosso dia a dia no comércio, nas ruas ou estradas da vida. Não será nada fácil saber que aquele amigo nosso do peito teve que partir. Não será nada fácil perder alguém que amávamos, mas devemos continuar, devemos ter fé!

Não existe mais nenhuma classe econômica em nossa cidade, todos são iguais. Dizem que todos nós sofremos iguais, e isto eu comprovo cada dia mais aqui, não experimentando este sofrimento tão de perto, porque pela graça de Deus minha família não sofreu nada, mas sentindo de perto essa dor, essa angústia sem quase não poder fazer nada!

Somos nada diante de Deus, não temos nada gente!

Tudo é passageiro! Ninguém mais está se importando neste momento com o melhor carro, com a melhor roupa para sair, o melhor tênis para tirar onda que comprou e nem mesmo as vaidades do nosso dia a dia, e tudo porque não temos nada e não somos nada diante de Deus!

Na realidade quem não mudar depois dessa tragédia, não mudará mais mesmo! É hora de colocarmos realmente pra fora a pessoa boa que existe dentro de nosso ser, se éramos egoístas, agora precisamos ser mais caridosos, se éramos vaidosos, precisamos ser mais simples, se éramos insensíveis, precisamos sermos mais amáveis e amar mais as pessoas.

Eu assim como todo friburguense sabe o que estou dizendo quando houve o boato da repressa que tinha vazado água. Pessoas desesperadas correndo pelas ruas, doentes sendo levados para o alto das ruas, crianças chorando, adolescentes perdidos, pais e mães preocupados com seus filhos...Foi terrível a sensação de morte, ter perdido meu pai naquele tumulto todo, ter por um momento acreditado que eu poderia perder a vida de pessoas que eu amava e tudo que construí em Nova Friburgo. Fico imaginando essa sensação para aqueles que perderam seus parentes, filhos, pais, mães e as casas nestes desabamentos que ocorreram em nossa cidade e que foi real e não apenas um boato.

É bom também tirar as máscaras e ajudar as pessoas que tanto necessitam de cuidados. Doar amor para os desabrigados através de minha profissão. Sou recém-formada em fisioterapia e me sinto útil ao doar pouco de meu tempo para aqueles que precisam. Ouvir suas histórias de medo, anseio e pavor, ajudando-os a descobrir a vida e o quanto eles são corajosos por terem enfrentado águas tão intensas em regiões onde milhares de pessoas morreram. Quando me levanto para olhar essa realidade e sei que irei cuidar daquelas pessoas, percebo o quanto somos pequenos e não vale nada nenhuma atitude desumana que já praticamos com alguém. É preciso ainda fazer mais por essas pessoas, e estou disposta a me doar a elas, pois me devolvem fé, esperança e a pessoa quem sou. Essas pessoas que perderam tudo mostram que existe ainda sorriso e brilho no olhar para dar a todos nós. Como é bom estar perto delas e sentir a presença viva de Deus!

Tão bom acordar e saber que mesmo fraca, desanimada e cansada eu estou VIVA!

Agradeço a Deus pela minha vida hoje! Agradeço pela vida de minha família e os amigos que tenho notícia e estão bem.

Agradeço a Deus pela água não ter entrado em minha casa!

Agradeço muito a Deus por tudo, mas peço a Ele a misericórdia por tantas famílias que perderam filhos, pais, parentes e amigos.

Peço a todos vocês orações não somente também pela minha cidade, mas todas as pessoas que estão sofrendo pelas chuvas, enchentes, perdas, desastres em nossa região serrana.

Oração a todos vocês que se interessarem em ler meu texto tão simples e pequeno diante de tantos autores melhores do que eu.

Peço a Deus neste momento que ampare o coração das vítimas das enchentes da Região Serrana do Rio de Janeiro! Que o Senhor possa nos dar coragem, ânimo, forças, fé, amor, luz e dignidade para reconstruirmos nossa cidade, e que não nos falte Senhor alimento, água e mantimentos para sobrevivermos a essa maior tragédia do Brasil!

Obrigada e Deus abençõe vocês!"

Roberta Mendes de Araújo
Enviado por Roberta Mendes de Araújo em 16/01/2011
Reeditado em 24/01/2011
Código do texto: T2732357