A POESIA BRASILEIRA NO FIM DO MILÊNIO (Ivan Junqueira)

ACADEMIA BRASILEIRA DE LETRAS.

Conferencista: Acadêmico Ivan Junqueira

31/10/2000

Acadêmico ANTONIO OLINTO:

Meus amigos, boa-tarde. Vamos ter hoje a última conferência do Ciclo sobre Literatura Brasileira Contemporânea. O conferencista é o acadêmico e poeta Ivan Junqueira. Como o presidente em exercício da Academia Brasileira de Letras, o poeta Carlos Nejar, se encontra em Porto Alegre, sendo homenageado pelos quarenta anos de poesia, quarenta anos de sua carreira, convido o decano da Academia, o acadêmico Josué Montello, para presidir esta sessão.

Tenha a bondade, Josué.

Acadêmico JOSUÉ MONTELLO:

Minhas senhoras e meus senhores. Declaro aberta esta sessão, em que teremos a oportunidade de ouvir, com seu saber que é do conhecimento geral, uma das grandes figuras que passou toda a sua vida até hoje, e continuará ainda por muitos e muitos anos, o nosso poeta Ivan Junqueira. Ele vai nos dar a satisfação de ocupar-se na tarde de hoje, entre os mestres da Academia Brasileira de Letras, convocado pelos demais companheiros, para nos proporcionar uma tarde que, de antemão, sabemos que será magnifica, pela autoridade de quem vai apresentar-se a todos aqui presentes, pois é também uma figura que, pelo seu verso, pela sua experiência poética, pelo seu saber por todos reconhecido, tem, naturalmente, uma reserva de lições e de ensinamentos fundamentais para oferecer a todos nós.

Dou a palavra a Antonio Olinto para que faça a gentileza de resumir as glórias e as razões a mais, em virtude das quais temos Ivan Junqueira como uma das grandes figuras da nossa instituição.

Acadêmico ANTONIO OLINTO:

Muito obrigado, Josué. Primeiro, convoco Ivan Junqueira para que venha à mesa. Senhor presidente; meu caro Ivan Junqueira; senhores acadêmicos; meus amigos.

Shelley dizia que só um poeta pode realmente falar sobre poesia, e ele sabia o que estava dizendo porque, além de grande poeta, deixou um dos melhores ensaios escritos em qualquer época do mundo, exatamente sobre poesia, sobre o que é poesia. Temos hoje na Academia Brasileira de Letras um poeta, Ivan Junqueira, que é também um dos grandes teóricos, críticos e analistas de poesia neste país. Ainda o seu livro mais recente, que se chama Baudelaire, T.S. Eliot e Dylan Thomas, é exatamente isso. Ele estuda três dos grandes poetas dos últimos cento e cinqüenta anos.

Baudelaire nasceu em 1821, morreu em 1867, e foi quem abriu uma nova temporada de poesia no mundo. Nesses quarenta e seis anos de vida, de fato, ele renovou não só a força do verso, mas também renovou aquela profundidade de assunto em que ninguém antes dele talvez tivesse chegado.

E ainda mais próximo de Ivan Junqueira, está T. S. Eliot, porque este é outro que, tal como Shelley, grande poeta, Prêmio Nobel de Literatura, também foi um grande analista de poesia. Por um mero acaso, o conheci - meu Deus! há meio século, há cinqüenta anos -, em 1950, quando o Prêmio Nobel fez cinqüenta anos de idade.(O primeiro Prêmio Nobel foi dado em 1900/1901).

Eles convidaram vários premiados anteriores para a festa, e fui convidado, como jornalista jovem, a ir à Suécia assistir a essa festa. Estive com Eliot, conversei com ele, como também estive, dois anos depois, em 1952, em Londres, com Dylan Thomas, o grande poeta galês, que nunca foi um especialista em analisar poesia, mas foi um especialista em julgar a poesia, com muito mais emoção do que técnica.

Então, temos hoje um privilégio. Temos conosco um poeta que, ao mesmo tempo, conhece os segredos da poesia, conhece este mistério que está com o homem desde quando o homem aprendeu o maior dos seus instrumentos, a maior de suas tecnologias: a palavra.

Com a palavra, o acadêmico Ivan Junqueira.

Acadêmico IVAN JUNQUEIRA:

Muito boa tarde, esta é a primeira vez que ocupo a tribuna desta mesa da Academia para me dirigir ao público, e desde já, peço que me perdoem as escorregadelas e as imprecisões.

Fui convidado para falar sobre uma questão imensamente problemática, que é a da Poesia brasileira no fim do milênio. Por uma questão de segurança, resolvi me amparar num texto escrito, preparado durante a viagem que acabo de fazer à Espanha e a Portugal, porque o problema é realmente espinhoso, em razão da falta de distância histórica com relação ao tema de que iremos nos ocupar. Parece-me muito difícil, e se assim o considero, é sobretudo porque, quase quotidianamente, convivemos com o assunto de que iremos aqui nos ocupar: definir o que seja, com razoável exatidão, a poesia brasileira deste fim de milênio, depois de tantas idas e vindas das modas literárias e dos gostos estéticos.

É que, ao tentarmos fazê-lo, o que desde logo implica assumir que deveríamos nos deter na produção poética da última década deste século, não dispomos de nenhum distanciamento histórico ou crítico-literário, que nos credencie a formular um conceito preciso ou definitivo sobre tão tormentosa e escorregadia questão, pois não há, a rigor, uma poesia da qual se possa dizer que seja específica ou característica do fim do milênio, e sim, uma poesia que é de todos os dias, e de sempre, ou então, não é poesia.

Tudo isso se agrava quando consideramos as dimensões continentais de nosso país, cuja expressiva e pródiga produção poética não se concentra, como ingenuamente se costuma supor, nesse discricionário e quase ditatorial eixo Rio/São Paulo. Penso até, muito ao contrário, que a melhor poesia brasileira que hoje se escreve, não está circunscrita àquela região. Na verdade, esta poesia está sendo produzida no Nordeste, particularmente, na Bahia, em Pernambuco e no Ceará, isto para não falar nos grandes poetas que se encontram no Amazonas, no Pará e no Maranhão, cujas obras praticamente não chegam até nós, ou quando chegam, só o fazem precariamente.

Aqui seria o caso de lembrar os nomes de Luiz Bacelar, Anibal Bessa e Antístenes Pinto, no Amazonas; de Nauro Machado, José Chagas e Luiz Augusto Cassas, no Maranhão; de Francisco Carvalho, Adriano Espínola, Floriano Martins, José Alcides Pinto e Luciano Maia, no Ceará; de Idelberto Barbosa Filho e Sérgio Castro Pinto, na Paraíba; de Alberto da Cunha Melo, César Leal, Marcos Acioli, Edemir Domingues, Lucila Nogueira e Angelo Monteiro, em Pernambuco; e de Rui Espinheira Filho, Ildásio Tavares, Florisvaldo de Matos, Miriam Fraga e Luiz Antônio Cajazeira Ramos, na Bahia.

Há que estudar ainda um outro problema, relativo à continentalidade dessa produção poética. É que no eixo Rio/São Paulo não atuam apenas autores cariocas e paulistas, e sim, uma verdadeira legião de poetas de outras regiões do país, que ali se radicaram e ali vivem até hoje. Como, entre muitos outros, o maranhense Ferreira Gullar; os mineiros Affonso Romano de Sant'Anna e Moacir Félix; os goianos Afonso Félix de Souza e Gilberto Mendonça Telles; o cearense Gerardo de Melo Mourão; a amazonense Astrid Cabral; o alagoano Lêdo Ivo; o piauiense Alberto da Costa e Silva; a paulista Neyde Arcanjo; e os gaúchos Carlos Nejar e Suzana Vargas. Para ficarmos apenas com estes, pois sabemos que muitos outros, procedentes das mais distintas e distantes regiões brasileiras, fincaram raízes no Rio de Janeiro e daqui não mais arredaram pé.

O mesmo já acontecera no passado com outros notáveis poetas, entre os quais, Carlos Drummond de Andrade, Manuel Bandeira, Joaquim Cardoso, Murilo Mendes, Jorge de Lima e João Cabral de Melo Neto. Isso se deve ao fato, como é sabido de todos, de que o Rio de Janeiro, bem mais do que São Paulo, constituiu a mais poderosa caixa de ressonância de que já se teve notícia em nosso país.

Mas é igualmente importante que muitos dos poetas anteriormente aqui mencionados permaneçam em seus estados de origem, apesar do provincianismo que os assola. E a estes, devemos acrescentar alguns nomes de uma importância crucial, como o gaúcho Armindo Trevisan, o catarinense Alcides Bus, os paulistas Augusto e Haroldo de Campos, Mário Chamie, Décio Pignatari, Renata Palotini, Dora Ferreira da Silva e o recém-falecido José Paulo Paes. As mineiras Adélia Prado e Maria Lúcia Alvim, os goianos Gabriel Nascente e Brasigoes Felício, o matogrossense Manuel de Barros, e os brasilianos José Santiago No, Anderson Braga Horta e Fernando Mendes Viana, todos muito ativos nesta última década do século.

Haverá a platéia de perdoar-me essa difusa galáxia de nomes, mas é que ela nos dá bem uma idéia da ciclópica variedade da poesia que hoje se escreve entre nós. Tenho a certeza de que foram muitos, ou mesmo incontáveis, os poetas que, involuntariamente, me esqueci de citar e aos quais, de antemão, rogo que me perdoem.

Na verdade, e para além desses nomes, interessam-nos antes algumas características da poesia que talvez venhamos a escrever, num futuro próximo. Seria pertinente observar, por exemplo, que a poesia dos mais novos, ou seja, aquela que começou a ser produzida na década de 1960 - e que, como pretende o crítico Pedro Lira, alcança agora o seu estágio de cristalização geracional e de reconhecimento literário - já se inclui naquele período que, hoje, reconhecemos como pós-moderno, onde todos os procedimentos poéticos estão legitimados, desde o verso de brismo até o retorno à rima, à métrica e às formas fixas, aos quais se devem acrescentar aqueles que tiveram a sua origem nos ideários das vanguardas que sacudiram os círculos literários brasileiros durante as décadas de 1950 e 1960, como o Concretismo, o Neo-Concretismo, a poesia praxis, o poema processo ou a poesia holográfica.

O que temos agora diante de nós é um notável pluralismo de tendências, de correntes e de procedimentos estéticos, porém nenhuma grande Escola ou Movimento da envergadura literária e histórica do Romantismo no século XIX, ou do Modernismo de 1922, cujos mais talentosos herdeiros começaram a escrever na década de 1930. Essa constatação não chega a ser propriamente um mal ou sequer uma fraqueza, mas antes uma circunstância da época a que pertencemos, ou seja, como já dissemos, a do heteróclito mosaico pós-moderno, adjetivo que pouco ou nada define, vá lá, mas que utilizamos aqui como uma vaga referência conceitual.

É esse, todavia, um problema que demanda certa digressão, já que tanto o Romantismo do século XIX, quanto o Modernismo de 1922, viram-se na contingência histórica de lidar com o legado conservador da tradição e o conceito revolucionário de ruptura, o que não acontece em absoluto com as poéticas de nosso tempo. Sempre que se fala em tradição e ruptura, é comum ocorrer a idéia de uma fratura exposta entre aquilo que pertence ao passado, à tradição, e o que alimenta o novo, a modernidade, em nome da qual se processa tal ruptura. A noção, além de falsa, só pode ser aplicada àquela ruptura que se pratica em nome do nada.

Há uma ruptura sim, e profunda, com os segmentos gastos ou gangrenados dessa mesma tradição, uma ruptura com o que há de cediço, com o que já não vive, com um passadismo cujas fôrmas, por serem formas, já nada contêm sequer de agônico em si. É esse, inclusive, o grande risco que correm todas as vanguardas. Ao romperem indiscriminadamente com toda uma escala de valores, e nada reporem em lugar do que foi destruído, essas mesmas vanguardas nos remetem ao oposto do que pretendiam, tornando-se, não raro, autofágicas e epigônicas. Em certo sentido, as vanguardas se identificam apenas como antíteses reacionais de outras tantas teses, e não como sínteses de processos dialéticos, adquirindo, por isso mesmo, uma irremediável e precoce condição de caducidade.

Entenda-se, entretanto, que não se configura aqui nenhum libelo contra as vanguardas, sobretudo se considerarmos que elas trazem em seu bojo a própria essência da ruptura. A rigor, os movimentos de vanguarda são como que uma necessidade histórica, um fator inerente à própria saúde daquilo que se pode chamar de continuum literário, cuja dinâmica, por uma questão de sanidade intelectual e artística, repele quaisquer formas de estagnação capazes de pôr em risco a integridade do ato criador e a sobrevivência do próprio artista. Mas é preciso chamar atenção para o fato de que, ao contrário do que quase sempre ocorre, ruptura não é demolição pura e simples; se assim o fosse, jamais seria possível entender-se a ponte entre o antigo e o novo. E o papel da ruptura é exatamente de lançar essa ponte, que se resume naquele momento em que se harmoniza e articula todo um processo de transição de valores, de reavaliação estética, relativamente àquilo que não mais interessa, seja porque está morto, seja porque o mau uso o tornou imprestável.

Tome-se aqui o exemplo de um poeta que foi, pelo menos ao meu ver, um dos maiores revolucionários da poesia deste século. Refiro-me a T.S. Eliot, autor, entre outros, de The waste land, poema a partir do qual são lançados muitos dos fundamentos da poesia moderna, inclusive o seu entranhado e difuso intertextualismo, esse palimpsesto através do qual se reescrevem, sobre o texto da antigüidade, as linhas da modernidade.

Se observarmos o mosaico heterodoxo em que se resolve e resume aquele poema, veremos que o novo e o antigo aí se entrelaçam, num convívio desconcertante e harmonioso. O antigo aí permanece como fonte, como expressão viva e matricial de uma cultura literária e filosófica, que constitui a própria herança do homem ocidental. Sem a sua preservação, aliás, seria impossível qualquer emergência do novo, pois estaria destruída toda a tensão existente entre os pólos antagônicos do que já foi e do que está vindo a ser, conforme aquela antiquíssima e, por isto mesmo, sempre nova lição de Heráclito, de Éfeso.

O novo aí nada mais é do que uma outra maneira de dizer as coisas. Um ato de repensar o que já foi pensado, um esforço no sentido de redimensionar um universo, que é, e já não é, o mesmo. Duvido muito que uma consciência poética moderna, ou que se pretenda como tal, possa emergir para o ato da criação, se desconhecer a lição do passado. O poeta brasileiro, sobretudo o jovem poeta brasileiro, costuma incidir nesse tipo de falácia, ou seja, a de ignorar a herança de seus antecessores. Recentemente, ouvi de um desses poetas que Dante Alighieri "não passa de uma múmia". Imagine-se o que não seriam, então, Homero, Hesíodo, Virgílio ou Horácio.

O que se viu entre nós antes de 1922 não pode ser considerado, a rigor, como nosso, no sentido de próprio, de autônomo, de diferenciado. Não pensemos aqui nas exceções dos casos isolados, nem em vertentes premonitórias. Um Machado de Assis, por exemplo, é episódio raro, talvez único em nossas Letras, e sua contribuição nos parece, em certo sentido, mais moderna do que o próprio Modernismo. O movimento modernista de 22 tinha diante de si uma paisagem de fato desoladora, a do triunfo parnasiano, isto é, o triunfo da fôrma sobre a forma. Isso porque deitara suas raízes nas entranhas de um ideário estético inteiramente importado, e além de importado, empoeirado, gasto, cediço.

O estranho no Brasil, inclusive, é que o Simbolismo antecede o Parnasianismo, ao contrário do que aconteceu em todas as literaturas européias. E o Simbolismo foi aqui infinitamente mais criador do que o Parnasianismo, embora ambos tenham sido frutos de importação algo passiva. Mais estranho ainda é que, enquanto isso ocorria, o Modernismo já lançara as suas sementes na França, na Espanha, nos países de língua inglesa, na literatura russa e mesmo na América Hispânica. Nosso atraso era, então, letárgico.

Em 1920, pouco menos de um século depois de Poe e Baudelaire haverem instaurado os fundamentos da poesia moderna, os poetas brasileiros se consagravam ainda ao cultivo de formas, que já haviam sido banidas da literatura ocidental. Foi talvez por isso que a ruptura promovida pelo Modernismo de 1922 adquiriu tamanha violência, uma violência indiscriminada - é bom que se lembre -, com óbvios prejuízos, como se veria depois, para tudo aquilo que se iria cristalizar nas décadas posteriores.

O furor iconoclástico do grupo de 22 era de tal ordem, que os seus integrantes chegaram a proclamar que não sabiam bem o que queriam, mas sabiam perfeitamente o que não queriam. É claro que, nessas circunstâncias, o movimento modernista incorreu numa série de rupturas que não se justificavam, em absoluto, mas que, afinal, tiveram lá a sua utilidade, pois, na pior das hipóteses, conseguiram tirar nossa literatura do marasmo e da subserviência em que se encontrava. A maior prova de que tais abusos não procediam é que os beneficiários do Modernismo de 22 não foram propriamente seus líderes, e sim, aqueles que o apoiaram a distância ou, mais ainda, os que começaram a produzir alguns anos mais tarde, pois que dispuseram de tempo para digerir o que então se propunha.

Nos primeiros livros de Drummond, de Vinícius e de Murilo Mendes, por exemplo, já se percebe uma nítida separação entre o joio e o trigo. O mesmo acontece com Manuel Bandeira e Dante Milano, poetas de formação clássica e que, como tais, devem muito pouco ao Modernismo, e isto para não falar de poetas como Cecília Meireles ou Henriqueta Lisboa, cuja formação simbolista opera como um anteparo ao influxo modernista de linha oswaldiana. Mas é bom deixar claro que todos esses poetas só se tornaram mais ou menos viáveis do ponto de vista editorial, graças à ruptura preconizada por Mário de Andrade e por todos aqueles que realizaram a pulhenta e memorável Semana de Arte Moderna. O problema é que não podemos, e mais grave ainda, não devemos estar a todo instante reinventando a língua e a linguagem, sob o risco de jamais conseguirmos consolidar uma e outra enquanto realidade literária.

No momento que nos encontramos, vale dizer no limiar do terceiro milênio, tanto as grandes Escolas ou Movimentos, quanto as vanguardas do século XX, já cumpriram o seu papel. Cabe agora aos poetas e a todos os artistas, de um modo geral, meditar sobre o que se alcançou em termos de renovação e cristalização estético-doutrinária, e propor os parâmetros, se acaso for isso possível, da poesia que, eventualmente, se escreverá no futuro. Como sempre acontece nesses quiasmas cruciais de encruzilhada, a poesia vê-se ameaçada por uma série de riscos e perigos. Um dos mais assíduos na época em que vivemos é o da jubilosa unanimidade que se ergue contra a noção de gênero literário, como se tal atitude trouxesse algo de novo à prática ou à teoria da poesia. Bastaria que nos lembrássemos aqui de Novalis ou de Croce, para compreender a impertinência pueril dessa ambição.

A própria insistência em proclamar o naufrágio dos gêneros literários revela, nem que seja pelo avesso, a necessidade constante de exumar o fantasma para, através da oposição ao que hoje se escreve, assegurar a todos que não mais nos assusta. É como se o poeta precisasse dizer: vejam como eu rompo com a noção de gênero, e a partir daí, implicitamente, esperasse o aplauso do seu interlocutor.

Parece-me que duas questões se infiltram nessa atitude enganosamente libertária. A primeira, como sabiamente observa um crítico de nosso tempo, Antônio Carlos Secchin, é que o tal escritor, muito provavelmente, estaria batendo em conceito morto, pois tantos foram os que romperam a barreira dos gêneros, que hoje, cinicamente, se poderia argumentar que um gesto posterior ao pós-moderno seria de tapar as fissuras que fizeram ruir o edifício monolítico do gênero.

Mas acautelemo-nos diante dessa hipótese conservadora, porque ser crítico do contemporâneo não implica o endosso da ordem que o antecedeu. Segundo o mesmo crítico que acabei de citar: "Estamos todos cansados do agora e já comprovamos a exaustão de seus truques mais visíveis, mas o ontem não nos serve de guarida".

Como dissemos há pouco, combater a concepção da impermeabilidade dos gêneros não chega nem mesmo a ser uma conquista de nosso século, cujas fronteiras se encontram desguarnecidas, como diria o jovem poeta Alberto Pugil. Mas, se as desguarneço, é porque admito que, de alguma forma, elas existem, no mínimo, para serem contestadas, maleabilizadas, postas em risco. Poder-se-ia até dizer mais, ou seja, talvez eliminar essa fronteira, seja o horizonte extremo de uma linguagem da total indiferenciação, e talvez também a literatura pareça cindida entre o desejo de chegar lá, nesse lugar, onde inclusive a noção de lá perderia sentido, pois não há um lá onde não há fronteira, e a sensação de que alcançara a plena indiferenciação seria como que decretar seu próprio suicídio, enquanto linguagem portadora de uma diferença.

Quanto à segunda questão, diz ela respeito à expectativa de endosso que os textos transgressores esperam obter do público. Neste caso, a estratégia é mais ardilosa. O que é simplesmente um procedimento técnico, a mistura de prosa e verso, por exemplo, ou a utilização do registro parédico, passa a ser veiculado como valor estético. Daí à elaboração de certos sentenciosos mandamentos, a tentação é grande e a distância, muito curta. Os temerosos aprendizes de poesia são levados a usar tal e qual procedimento, se não quiserem ser taxados de reacionários ou conservadores, e a jurar, em nome do papa, que jamais cometerão um decassílabo ou muito menos um soneto.

O leitor confuso finge que gosta de um texto, que finge ser poético. E como não poderia sê-lo, se os passos da cartilha foram todos seguidos? E não o é, remata o nosso crítico, exatamente por isso. Contra a catequese do politicamente correto, contra manifestos e mandamentos, a poesia é o espaço do desmandamento, território que desmonta toda a previsilidade, inclusive aquela que se disfarça em antinormativa. Sim, porque o antinormativo é o imprevisível com hora marcada.

Esta não é a primeira vez, e nem será a última, que a poesia se vê ameaçada por esse tipo de falácia. E isso acontece por quê? Desguarnecidas as fronteiras escolásticas que, eventualmente, impõem os Movimentos e mesmo as vanguardas, é a própria palavra que passa a correr risco. Talvez nesses momentos de indefinição, o discurso mais efetivo e consistente seja aquele que, recusando-se a repetir algo, não se contenta em soletrar o seu oposto, mas consiga criar-lhe um avesso não simétrico, deslocando o seu ponto de percepção e enunciação, como ainda uma vez sustenta Antônio Carlos Secchin.

Noto, na poesia que hoje se escreve entre nós, aspectos positivos e negativos. No que entendo como aspecto positivo, gostaria de salientar o talento, quase inato, do poeta brasileiro de qualquer época, sua espontaneidade de expressão, seu agudo sentido de ritmo e de melodia, o luxuriante cromatismo de suas imagens e metáforas, características essas que me parecem seminais, desde que se começou a escrever poesia neste país. Mas é daí, talvez paradoxalmente, que se espalham as nossas mais flagrantes deficiências, isto é, a do relaxamento formal, da adiposidade expressiva, do mau conhecimento da língua e de sua própria índole, do desprezo àquelas tradições que nos permitiriam ascender à condição de uma paidea, e da carência quase lancinante daquilo que os alemães definem como Weltanschauung, ou seja, uma visão de mundo.

Sentimos isso de forma particularmente aguda, quando cotejamos os poemas de nossos autores com os dos grandes poetas do Ocidente, como nos casos de Dante Alighieri, Leopardi, Virgílio, Baudelaire, Poe, Yeats, Eliot, Guillén ou Borges, além de tantos outros. Há neles uma vertente de universalidade, que os torna compreensíveis e estimados em qualquer quadrante da Terra. Há neles uma visão do mundo e dos destinos humanos, que qualquer leitor será capaz de captar, enquanto aqui nos atolamos numa espécie de regionalismo estreito e orgulhoso, que jamais nos levará a parte alguma, a não ser o umbigo de nós mesmos. Não é todo dia, muito a propósito, que se consegue urdir o regionalismo transcendente e universalista de um Guimarães Rosa ou de um Graciliano Ramos. O escritor brasileiro, sobretudo o poeta brasileiro, deve aprender a renunciar a esse maldito e enfezado exotismo dos trópicos, destes tristes trópicos, aliás.

No que respeita ao transbordamento verbal da alma cabocla, essa praga que nos vem desde os românticos, é bem de ver que o poeta brasileiro, ao se dar conta de seu ciclópico engenho e de sua infinita prestidigitação rítmica e melódica, julga que já sabe tudo e que é capaz de tudo, transformando assim a dura e severa prática da poesia numa estúpida e efêmera banalização. É muito comum entre nós esse solene desdém pelos frutos que possam advir de uma sólida formação literária e intelectual, mas, para tanto, é necessária uma dose de humildade, que os jovens não têm.

De um modo geral, o jovem poeta brasileiro não leu os grandes poetas da tradição ocidental, e o que é pior, quando o faz, não os lê no original. Embora este problema esteja hoje muito mitigado pelas boas traduções que passaram a circular no mercado, a verdade é que tais limitações acabam por configurar uma condição de amesquinhamento de nossas inesgotáveis possibilidades poéticas. O grande poeta em qualquer língua, em qualquer literatura - e há que se ter esse lema como fundamental - será sempre um poeta literariamente bem-nutrido, conhecedor de seu ofício e exímio usuário do idioma em que se expressa, como o foi, talvez mais do que qualquer outro entre nós, esse homo qualunque que se chamou Manuel Bandeira, que sabia rigorosamente tudo o que toca à arte poética e aos segredos da poesia.

*

O primeiro aspecto a ser salientado, na última década deste século em nosso país, é uma rigorosa retomada da produção, da publicação e da discussão da poesia, em contraste com a entressafra dos anos 80. Se já se tornou lugar-comum sublinhar a autonomia dos novos autores, com relação à tutela dos caciques do verso, é bom destacar que existem múltiplos modos de exercer essa liberdade. Ademais, convém examinar as condições materiais que favoreceram o aparecimento dessa polifonia poética dos anos 90, e no âmbito de sua estrutura, atentar para as vozes, ou mesmo os coros, que se fizeram ouvir com maior nitidez. Para tanto, colaboraram não apenas as revistas dedicadas exclusivamente à poesia, mas também os suplementos literários dos quatro principais jornais do Rio e de São Paulo.

Cumpre aqui destacar o papel de Poesia sempre, revista semestral de circulação nacional, publicada pela Fundação Biblioteca Nacional, e cujo fundador foi Affonso Romano de Sant'Anna, quando presidente daquela instituição; mantida pelo atual presidente da Casa, o acadêmico Eduardo Portella, a publicação completa agora oito anos de existência. Há que se lembrar também o papel de editoras como a Nova Fronteira, Nova Aguilar, Sete Letras, Iluminuras, Record e Top Books, que sempre mantiveram a poesia em seus catálogos. Mas a verdade é que, como já acontecera no passado, o índice de vendas é ainda bastante modesto. Assim, se houve incremento de publicações, nada indica, na outra ponta do circuito, que a isso correspondeu um aumento significativo de público leitor.

A década de 1990 traz também duas outras contribuições ao reino da poesia: os CDs gravados pelos próprios poetas e os cada vez mais concorridos recitais de poesia ao vivo. Enfim, a poesia jamais mostrou tanto a sua cara, e os poetas não têm muito do que se queixar, no que toca à circulação do que estão produzindo. Mas teria tudo isso contribuído para que a poesia melhorasse de nível? Alguns acham que sim, enquanto outros julgam apenas que ela se banalizou.

É claro que não se pode aqui dar conta de tudo o que se produziu nos anos 90, pois se assim o fosse, teríamos que considerar a obra de autores que amadureceram antes da década atual, o que não é o propósito desta conferência. Porém não se pode esquecer, no âmbito cronológico desse período, os nomes de Alexei Bueno, Antônio Cícero, Wally Salomão, Carlito Azevedo, Donizete Galvão, Lu Menezes, Regis Bonvicino, Nelson Archer, Cláudia Roquete Pinto, Rita Moutinho e Paulo Henriques Brito, entre muitíssimos outros.

Como é grande a lista de omissões, seria talvez preferível salientar algumas tendências dominantes da poesia da década, como, por exemplo, aquela de que partilham os autores cujo traço comum é o resgate da noção do literário, como componente fundamental do discurso poético, em oposição ao registro distenso ou informal, que constituía a tônica da poesia alternativa que se escreveu na década de 1970.

Eis-nos aqui diante de um grupo predominantemente culto, oriundo em grande parte do meio universitário, estudioso das técnicas do verso, e amiúde poliglota, o que deu origem a uma plêiade de poetas-tradutores. Mas, se quase todos parecem ambicionar um texto explicitamente caudatário do literário, a diferença já se estabelece a partir da pergunta inicial: - De que literatura se está falando? Daquela que dialoga com a tradição da alta literatura ocidental, e reconhece no século XIX raízes que ainda hoje podem ser recicladas, ou daquela que se pretende permeável a outras manifestações da arte contemporânea numa assimilação do intercâmbio de processos? Tais poetas acreditam no poder mítico da palavra, e sua obra - como é o caso das que já nos legaram Alexei Bueno e Bruno Tolentino - se tece como uma espécie de herdeira ou defensora da linhagem romântico-simbolista em seus desdobramentos no século XX.

Além da qualidade intrínseca de seus textos, sabe sublinhar a persistência quase pedagógica desses poetas, ao denunciar o que, segundo eles, consiste numa usurpação do Modernismo às expensas da modernidade. A crença de que só haveria uma única boa versão do moderno, ou seja, a que se funda na paródia, no ludismo, no humor, na valorização do efêmero e do precário, em oposição ao eterno e ao monumental.

Em vertente oposta à dessa ritualização do verbo, que corre o risco de diluir-se em verborragia tardo-parnasiano, situam-se aqueles que se encontram sob a ameaça de fórmulas excessivamente facilitadas. Foram incontáveis, como se sabe, as contrafações minimalistas que assolaram a poesia brasileira ao longo desta última década. Sílabas recortadas ao arbítrio do dono, ausência de pontuação, referencialidade imperscrutável, e mais um poema saía pronto do forno. Os poetas dessa vertente se acreditam a um tal ponto modernos, que qualquer suspeita erguida contra o modelo que elegeram é, sumariamente, desqualificada como conservadora. Ora, se o estético não é claramente revelado, o politicamente correto insinua-se, de imediato, para assumir-lhe o lugar. E combatendo o cânone, propugna um anticânone que, ao cabo, aspira à mesma legitimação daquilo que combate.

O pior que se pode fazer a um poeta é reconhecê-lo através da versão edulcorada, que dele fazem seus epígonos. Como hoje ocorre com João Cabral de Melo Neto, cujo vigor e rigor criativos se transformaram em tiques clonados à exaustão, desvinculados de um modo intransferível de representar a realidade, para se deixarem copiar em suas mais óbvias e anêmicas exteriorizações. E o problema desse epigonismo é tanto mais grave, quando se pensa que toda uma legião de poetas talentosos nele naufragam, e se tornam ventríloquos de uma voz que não lhes pertence, acrescentando assim mais ruído do que som à profusa e confusa partitura da poesia que hoje se escreve no Brasil, e cujos parâmetros analíticos cada vez mais se complicam, em razão da pouquíssima distância histórica de que dispomos para avaliá-la.

A poesia, a verdadeira poesia bem o sabeis é pouca e para poucos, e foi isto muito provavelmente o que levou um poeta como Juan Ramón Jiménez a inscrever, em todos os seus livros, esse lema aristocrático: A la minoria siempre. Ao relembrar esse lema, lembro-me também de uma outra coisa, que me preocupa muitíssimo na atual poesia brasileira, e sobre a qual já nos detivemos em parágrafos anteriores. Refiro-me aqui à inacreditável, quantidade de novos títulos que se publicam entre nós, ou seja, num país que, sabidamente, não lê ou o faz muito pouco.

Temos hoje alguns milhares de poetas, ou que julgam como tais, e alguns milhões de postulantes à condição de poetas. Será que todos se esqueceram de que, na avassaladora maioria dos casos - e essa observação se aplica a qualquer literatura -, é necessário que decorra todo um século, para que surjam dois ou três poetas dignos desse nome? E por que essa frenética e quase obscena pressa de se publicar, a qualquer preço, toda a tolice que se escreve, sem o mínimo compromisso com a maturidade artística ou mínima qualidade literária? Haveria público leitor para toda essa galáxia de mediocridades, ou os autores desejam apenas que o seu nome figure em uma lombada qualquer, ainda que condenada ao pó do esquecimento?

Convém aqui lembrar o que dizia a respeito um poeta da estirpe de Dante Milano, segundo quem a missão do poeta não é tanto a de publicar o que porventura escreva, mas antes, a de lutar para que a poesia não morra. Sim, esse Dante Milano, esse gênio esquecido - como o chamou Carlos Drummond de Andrade em sua última entrevista à imprensa - esse poeta que só publicou o seu primeiro e único livro, quando beirava os cinqüenta anos de idade, e esse livro está vivo até hoje. A poesia não é uma aventura qualquer e muito menos um passatempo de ociosos, mas antes, uma aposta de vida ou morte, o supremo risco que se corre sem nenhuma recompensa, sem nenhuma promessa de glória ou de reconhecimento póstumo.

A poesia é apenas uma escolha e uma destinação fatais; se dela privado, o autêntico poeta corre risco de vida, pois jamais terá como justificar sua existência diante dos homens e de Deus. Por mais que busquemos identificar as matrizes da poesia que hoje se produz no Brasil, e perscrutarmos que poesia poderá ser lida nos primórdios do terceiro milênio, chegamos sempre à conclusão de que nos defrontamos com uma incógnita.

Foi muito o que herdamos do Simbolismo, do Modernismo de 22, da contra-revolução promovida pela geração de 45, das vanguardas que eclodiram na segunda metade do século XX, da poesia alternativa da década de 1970, da entressafra dos anos 80, da poesia virtual e do site na Internet. E no entanto, essa incógnita permanece e se instaura como um desafio, num século cujos avanços científico-tecnológicos foram espetaculares, dando origem a um período histórico algo carente de grandes preocupações e conquistas filosóficas, o que mais ainda compromete nossa capacidade de compreender o momento em que vivemos.

Quanto a nós, poetas, a quem T. S. Eliot chamou, um dia, de "guardiões da palavra", deveríamos sempre exercer uma irrestrita e severa vigilância sobre tudo aquilo que, porventura, viermos a publicar. E seria de todo aconselhável que, antes de escrevermos mais um poema talvez inútil, nos lembrássemos desse aforismo esquecido, que Aníbal Machado deixou inscrito em seus imortais Cadernos de João: "Se todo o teu corpo não participa do que estás escrevendo, rasga o papel e deixa para amanhã".

Muito obrigado.

Acadêmico JOSUÉ MONTELLO:

Dou a palavra ao acadêmico Antonio Olinto, para o comentário da magistral lição que acaba de ser proferida nesta reunião.

Acadêmico ANTONIO OLINTO:

Senhor presidente, comentário é uma boa palavra, porque quando enfrentamos um poeta como Ivan Junqueira - e nós hoje o enfrentamos - ele nos enfrentou com não só a sua devoção e inteira entrega à poesia, como também o seu religioso fervor, quase de Jesus Cristo no templo diante dos vendilhões, perante aqueles que se aproximam da poesia, sem que nada possam dar a ela. Existe mesmo isso, esperamos que a poesia, sim, é que nos dê alguma coisa. Chegamos a ela e queremos ser transformados por ela, santificados, beatificados. Isso é o que queremos todos, e creio e digo isso a Ivan Junqueira, que todas pessoas que fazem poesia e não são poetas, e fazem poesia e jamais serão poetas, estão prestando uma homenagem àquilo que os poetas fazem. Eles sabem, no fundo, que a poesia é muito importante; então, querem também participar.

E ela é importante porque nos salva. Claudel achava que a poesia é uma oração, o poema é uma oração, e que a única coisa que salva o homem é a poesia, a poesia é uma religião. Proust, mais do que ninguém como escritor, sabia disto: estamos nessa religião. Talvez por isso as Academia e a Academia Brasileira de Letras sejam um grande templo, uma grande Igreja, uma grande tendência defendendo essa religião.

Meus amigos, que beleza ouvir falar em poeta como Ivan Junqueira, não só pela sua unção, pela unção com que fala, pela defesa em que ele não quer que haja a menor conspurcação. Que não se conspurque a poesia, isso é uma beleza! No fundo, ele está nos defendendo a cada um de nós e nos ensinando a respeitar a poesia. Como escritor, agradeço a Ivan Junqueira por me ter dado essa verdadeira lição de que, sem a poesia nossa ou dos outros, nós não vivemos. E como são poucos os que fazem uma verdadeira poesia, dependemos deles até para entendermos a nós mesmos.

Muito obrigado.

Acadêmico IVAN JUNQUEIRA:

Uma coisa que queria acrescentar, e foi uma coisa para a qual Josué Montello me havia chamado atenção, é que é impossível agüentar tanto louvor.

Acadêmico ANTONIO OLINTO:

Desejo, no final desde Ciclo, agradecer o apoio da Folha Dirigida, na pessoa do seu presidente, Adolfo Martins, e de seu diretor de relações externas, Afonso Faria.

Na próxima terça-feira, começaremos um novo Ciclo de Conferências sobre Machado de Assis. O primeiro conferencista será exatamente o nosso decano, Josué Montello, que falará sobre Machado de Assis como cronista. Depois, nas terças-feiras seguintes, teremos Cláudio Murilo Leal, César Leal, Ildásio Tavares, Mario Chamie, todos poetas, falando sobre Machado de Assis como poeta, como cronista, como escritor, não de ficção, como escritor que se dedicou a esses dois outros gêneros com todo o seu empenho.

Acadêmico JOSUÉ MONTELLO:

Antes de encerrar essa sessão, gostaria de assinalar aquilo que me parece absolutamente pertinente quanto ao trabalho aqui lido pelo nosso companheiro Ivan Junqueira, e acentuar o fato de que acabamos de assistir à segunda parte do seu discurso de posse nesta Casa. O magistral discurso que ele aqui proferiu, recompondo o itinerário poético de João Cabral de Melo Neto, acaba de ser realmente desenvolvido de uma maneira objetiva e mesmo polêmica. Aquilo que ele não teria tido a oportunidade de dizer no seu discurso de posse, ele o disse hoje, transformando o problema de debate em torno do ato poético, numa indagação, que se estende a todos nós, para que possamos compreender que, mesmo na singularidade de um verso aparentemente obscuro, o excessivamente claro, encontramos, na verdade, estas duas coisas fundamentais.

De um lado, a comunhão do poeta com a vida que lhe coube viver, e do outro lado, a singularidade de seu entendimento, para que nós outros possamos também encontrar, nos poetas, não há apenas o homem que faz o verso, mas sim, uma sensibilidade que está voltada, integralmente, no sentido de estabelecer uma percepção nova para aquele fenômeno que passa diante dos olhos de todos nós, e só os poetas verdadeiros sabem, como Ivan Junqueira, captar, compreender e transmitir.

É esta a lição fundamental desta aula realmente magistral, proferida por uma personalidade que, além de ser um dos grandes poetas da sua geração, é também - e isto ficou provado mais uma vez por esta magistral lição que acaba de ministrar - e sobretudo, um captador do fenômeno poético, capaz não somente de fazer o verso perdurável, mas também de fazer com que esse verso perdurável tenha o entendimento necessário, para que mereça o nosso aplauso. Aplauso com que encerro esta sessão, reiterando a Ivan Junqueira que a lição magistral, que ele acaba de proferir nesta oportunidade, completa esplendidamente o seu discurso de posse nesta Casa, louvando João Cabral de Melo Neto.

Está encerrada a sessão.