DITADURA EM PORTO ALEGRE

Porto Alegre,

madrugada, 4 de outubro, 2012

Resumindo a história, sabemos que a capital gaúcha está sofrendo repressão por parte da prefeitura. A cultura está sendo privatizada, o povo não pode fazer arte nas ruas. Quando digo povo, me refiro ao artista que faz seu trabalho empírico, também o artista de formação acadêmica. Independente disso reconhecemos que o fato é que estão fechando os bares que possuem programação cultural, para a juventude isso é inaceitável.

Penso também nos colegas artistas que perderam seus trabalhos, o ganha pão. Hoje presenciei algo terrível, parecido com ditadura. A manifestação de muita gente indignada, cantando e dançando em frente a prefeitura. Todo o tipo de arte, todo o tipo de gente. Acontece que no final das contas, lá pelas tantas, resolveram quebrar o boneco da coca-cola que a prefeitura havia colocado para a copa.

Provavelmente os jornais dirão que foram marginais que depredaram patrimônio. Apesar de não participar do ato de derrubada do boneco, penso que o mesmo é símbolo de tanta coisa errada que está acontecendo. A resposta foi a repressão, brigadianos puxando os cabelos das mulheres, gente apanhando, tiros de borracha, algo covarde. Digo covarde porque reconheço que manifestantes esboçaram reações agressivas... reconheço que do milhar de pessoas, algumas poucas tentaram se defender das armas. Realmente não sei se concordo com a derrubada do boneco, mas minha vontade era essa e me coloco no lugar de tanta gente que perdeu seus empregos por causa dessas privatizações culturais.

Fico feliz de cantar com meus companheiros, reconheço que amigos apanharam e estão presos. Não acho justo, penso que a violência foi covardia. Covardia da forma mais grotesca possível. Mas consegui cantar “Pra não dizer que não falei das flores” ao microfone. Meu amigo Josué Santos Farias cantou “Cálice”, depois quase apanhou. Estou com meus olhos cansados do gás lacrimogêneo, tive que correr. Estava só cantando com a multidão, sou professor e não merecia ser chamado de vagabundo. Gritei alto: sou professor, sou universitário! Meus ouvidos estão doendo da bomba que estourou ao meu lado, dos tiros. Tudo desnecessário? Depende do que formos fazer agora. Sugiro que façamos nossa Arte! Só a arte pode vencer a chama cruel e indizível do tempo, só a arte pode ser mais forte que um cassetete.

Não preciso dessa prefeitura que agride nossos companheiros artistas, que me chamam de vagabundo, eu professor. Não quero mais esse prefeito. Ressalvo que escrevo isso cansado, um pouco chocado e abatido, português fraquejando. Não obstante a gana e indignação que me faz escrever durante a madrugada, vagabundo que sou (segundo a brigada militar). Vagabundo que sou para dar aula no outro dia, vagabundo que sou para cursar minha faculdade no outro dia. Companheiros que estão nessa situação, um professor foi preso, muitos foram agredidos. O que faremos?