Delírios de consumo de uma pseudo-intelectual

Não sou uma pessoa fútil. Quando tinha cinco anos, questionei meus pais sobre o que era aquela tal de Diretas Já que tinha acabado de rolar no Brasil. Fui do movimento Caras-Pintadas no Impeachment do Collor, e ainda hoje leio sobre política, mas só até meus nervos começarem a pegar fogo com tanta barbaridade.

Leio as notícias do mundo todos os dias, a não ser que meu tempo realmente não permita. E já li Dostoiévski, Tolstoi e Sartre. E nem me lembro dos tantos da literatura clássica brasileira, pelo menos os que se pode esperar de uma filha de escritora e poetisa. E me alimento de poesia, que para mim é um carinho na alma. Quando estou enfraquecida, é para ela que recorro e ganho um tiquinho de bateria. E também já li a trilogia dos Cinquenta Tons de Cinza, e Dan Brown, e John Grisham, entre outros sucessos comerciais, porque para mim, literatura é literatura, sempre acrescenta, nem que seja para aprender uma nova posição sexual. Não sou uma biblioteca humana, mas tenho lá meu estoque razoável.

Ouço diariamente Bach, Vivaldi, Beethoven, Liszt e meu preferido, Chopin. Não importa quantas vezes eu ouça op. 9 no. 1 Nocturne, sempre me emociono, apesar de achar que um bom rock´n roll também seja cultura. Ah, danço balé clássico! Quer dizer, tento...

Sempre amei arte e minhas “intervenções” começaram com as massinhas no jardim de infância. Aos oito anos, ganhei um concurso de desenho promovido por uma grande empresa na qual meu pai trabalhava como engenheiro. E desde essa época, ficava fascinada com a arte de Leonardo da Vinci e me deliciava ao folhear lindos livros de arte que minha mãe costumava me dar. Meu presente preferido? Caixas de lápis de cor de 36 cores!

Sempre me destaquei na escola com boas notas. Passei em primeiro lugar em um curso de uma universidade federal, mesmo que tenha frequentado outra. Infelizmente, viajei pouco e, portanto, conheci poucos museus, vi de perto pouco da história dos livros, mas ainda quero conhecer todo e qualquer lugar do mundo que me traga aperto no coração. Não o aperto da angústia, mas aquele que se sente quando a gente percebe que vale a pena estar vivo.

E já mergulhei na escuridão, tentando saber a que lugar minha alma pertencia e o que fazer com a sua carcaça enquanto a vida segue seu rumo sabe-se lá até quando. “Mas e daí, sua pseudo-intelectualzinha? Tá falando tudo isso por quê?”

Porque eu também gosto de uma roupa nova, um sapato novo, uma bolsa, um brinco, uma pulseira, um anel, um perfume, um batom...um espelho! Meu lado mulherzinha grita e meus olhos cintilam quando veem uma blusa de fios brilhantes, quando sinto o toque macio do cachmere ou o meu pescoço deliciosamente envolvido por uma pashimina turquesa. Ah, aquele scarpin...com ele senti que poderia conquistar o mundo! Quando aquele casaco de lã caiu sobre meus ombros, foi como a capa da Mulher Maravilha. Eu simplesmente pre-ci-sa-va dele, assim como do ar para respirar. E a bolsa laranja-tom-de-só-existe-na-europa-e-é-coisa-de-rica? Se eu não levar ela hoje para minha casa, nunca mais vou encontrar uma igual e será o fim de uma era.

O coração acelera, as mãos tremem, e, num passe de mágica, a carteira salta da minha bolsa, o cartão de crédito cria pernas e pula, entrando correndo na maquininha. Depois volta, tímido, com o rabinho entre as pernas, como se dissesse “Yrit, não me olhe assim. Eu te amo e sei que você não vive sem mim”. Amor e ódio sinto por este bandido, e mais ódio ainda por esta bandida que vos fala.

No momento estou em remissão. Frequento o VMA (Viciados por Moda Anônimos), inventado por mim. “Boa noite, meu nome é Yrit e estou há 80 dias sem comprar nada no shopping”. Mentira. Hoje comprei uma bota. Eu disse que era bandida.