Síndrome de Bentinho

Não me julguem por pecados que não poderiam evitar se andassem sobre as minhas patas.

Como um lobo pode ser domesticado, se os instintos cantam a liberdade para a qual ele foi feito? Como um lobo pode controlar seu uivo só por estar cercado de cães presos por correias e coisas escritas?

O meu homem é um homem mau. E eu sou uma garota leviana. Nossas arrogâncias de Zé Carioca com Zé Pequeno se apaixonaram e se entrelaçaram, e nossa chance é que elas travem uma batalha infinita e explosiva. É daí que vem o tesão de sábado à noite com todo o uísque queimando minha cabeça descabelada e inquieta que quer quer quer e nem sabe o quê.

É que eu sou uma garota leviana e louca, quem mais me aguentaria senão um homem mau?

E de repente, ela vira o corredor. Ela tem toda a graça dos sonhos impossíveis.

Ela é brilhante dos pés tipo samba-jazz do Ouvidor ao cabelo cacheado, e eu a vejo sentada na cadeira ao meu lado virando majestosamente shots e shots do que a sorte depositar sobre o tampo descascado. Tem sangue azul, a menina – descendente de Mardou e Capitu e da mais nobre linhagem das princesas morenas de olhos hipnóticos, ela é pura-mestiça, ela é da realeza que desde quando a memória alcança leva crianças coradas como eu a beber e escrever e descobrir as dores deliciosas da vida casmurra.

E eu, pobre de mim, quando é que vou mudar essa minha certeza de conhecer tanto desse mundo perigoso, entender que quem destrona os reis da malandragem não é o bandidinho de esquina de que nossos pais tanto falaram? Bom, meus velhos, o que derruba o chapéu da minha cabeça é uma mulher cheia de classe e esperteza, e foi uma dessa que me mandaram.

Talvez eu tenha achado uma montanha de areia grande demais pro meu caminhão.

Mas eu gosto de morros, e assim eu vou subindo. Ela ri bonito e diz que sou seu demoniozinho cutucando as ideias, vagabundeando como quer não quer nada pelos paralelepípedos pintados de lua do centro velho, pensando que sou Jim, pensando que sou um anjo, insinuando só pra ver o que acontece, língua macia, mãos leves, cabeça pesada.

E assim eu talvez seja uma garota má.

Qual é mesmo a graça dos mocinhos de cabelo penteado e estrela de xerife na lapela? Eu quero um martelinho, uns livros detonados, cigarros partilhados, uma mesa cheia da nata da escória, um sax reclamão e... Talvez eu a queira presente. Então eu cutuco, eu provoco, eu abro a porta e faço um floreio pra ela passar, bem-vinda, volta aqui sempre!

Acorde, pequena, e sem medo, que de onde eu venho o sol brilha mais quente.

Valentina Caligari
Enviado por Valentina Caligari em 27/07/2014
Reeditado em 04/08/2014
Código do texto: T4898884
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