DISCURSO DE UM PÃO NA CONTRA MÃO DA VIDA

DISCURSO DE UM PÃO NA CONTRA MÃO DA VIDA.

Eu não tenho costume de falar, fui criado para saciar, qualquer vivente que se apresentasse a mim desfalecido pela fome. Fui obrigado a fugir da minha tão sagrada rotina, para fazer um desabafo. Não costumo escrever nada, nunca verbalizei nada, sempre falei pelo simbólico, falei apenas pelo que sou essencialmente como símbolo. Venho de um antepassado milenar. Posso falar que nasci quase junto com toda criação. Tive belas experiências ao longo do Antigo Testamento. No deserto fui chamado de maná, fui lá sinal da bondade de Deus para os Israelitas no deserto (Ex 16, 13-16). Fui motivo para reunião de tantas famílias que viviam dispersas. Fui partilhado por uma viúva pobre, em tempo de seca, entre uma criança e o profeta Elias, homem de Deus, que me fez permanecer ali por mais tempo, pela Fé em Deus e pela solidariedade da sofrida viúva (1Rs 17, 7 – 24). No Novo Testamento, sendo tão pouco, fui partilhado para multidões de famintos, mas antes fui abençoado pela mão sagrada do Cristo, filho de Deus (Jo 6, 1-14). Jesus fez tantas amizades na minha presença, me partilhando, abençoando! Jesus resgatou a dignidade de tantas pessoas a partir de mim, até me usando para falar da palavra de Deus. Comparando-a comigo, chamando-a de pão. Foi no jeito de Jesus me repartir, que os discípulos reconheceram que Ele estava vivo (Lc 24, 30).

O ponto alto da minha vida, creio que foi e será ponto alto para todo cristão também: foi quando Jesus me transformou, com o poder de seu Espírito, em eucaristia, Jesus me tornou eterno e tomou eterna tanta gente que dele já se saciou, e já partiu para o Pai (Mt, 17, 20).

Confesso: depois de tanta beleza que acabei de narrar, me sinto frustrado, com o peito sufocado. Ao longo dos anos eu percebi também tanta gente me usando mal, querendo desvirtuar-me do meu verdadeiro sentido, querendo destruir a minha identidade, querendo me manipular, tirando o sentido da minha verdadeira vocação. Como dói quando sou usado para manipular os pobres de Jesus. Como dói quando homens públicos responsáveis pela promoção do bem comum, da justiça social, da partilha fraterna, arrancam do pobre a possibilidade de me ganhar com dignidade, pelo suor, pela inteligência, pelos dons, que concedeu a cada um. Os pobres ficam então na miséria, eu fico acumulado nas casa dos ricos; ora mofado, ora nos latões de lixos. Quando não sou vomitado por aqueles que cheios de mim sem precisão enfiam os dedos na garganta, sem contar às vezes que sou transformado em dinheiro e fico estocado nos cofres frios, escuros e solitários. Sou manipulado em campanhas políticas, despertando falsas esperanças nos pobres que me tem como esmolas, sem dignidade nenhuma. Sinto nojo quando deveria ser merenda escolar e sou roubado para mercearias de ricos corruptos. A minha angústia aumenta mais quando obras assistenciais me usam para lavagem de dinheiro, como máscara, não passando de lobos vestidos de cordeiros, acumulando milhões às custas dos mesmos pobres que me mendigam. Não bastando tamanha sujeira, ainda são grandes sonegadores e mandam para fora do Pais, dinheiro que pertence a nossos pobres.

Gostaria de estar falando de esperança de outras coisas boas, como por exemplo do que Jesus fez comigo. Não consigo ser eu mesmo e viver a minha destinação verdadeira com tudo isso que vem me acontecendo. Espero que vocês me entendam. Eu estou usando esta página de jornal para desabafar. Um dia eu gostaria de usar esta mesma página para falar da minha verdadeira felicidade de ser quem sou, falando da conversão da partilha, da consciência social. Gostaria de um dia poder dizer pai Nosso, com toda dignidade para todos e assim seríamos com Cristo uma só comunhão.

Enquanto isso a gente vai andando pela contra mão da vida, vivendo essa contradição que sou sem querer ser. Ora partilhado no altar como Cristo que congrega e chama para a roda da vida e faz todos se sentirem filhos. Ora amassado pelo diabo que divide e me faz de moeda para granjear mais poder e deixar tantos à margem da vida, de mãos estendidas mendigando o pão que o diabo amassou.

Senhor, dai aos homens a graça de serem pão; pela voz, pelos dons, pela presença, pela justa disponibilidade dos bens materiais, para que um dia todos possam viver com dignidade e verdadeira vocação a que são chamados.

Pe. Eliezer Lima da Fonseca