Sobre Felinos

Desde a infância, sempre fui fascinado por gatos: desde os domésticos que vemos nas casas e ruas e ouvimos nos nossos telhados, aos grandes leões, tigres, linces e leopardos que gerenciam os ambientes silvestres em que vivem,o fato de eles serem independentes e eventualmente distantes de espírito me chamava a atenção. Talvez eu possa dizer que me identifico com alguns deles.

Gatos pensam? Se sim, o quê?

Um felino doméstico a dormir e a contemplar o ambiente ao seu redor, somente, refletiria a respeito da movimentação barulhenta da avenida em que a casa de ‘seus’ humanos se localiza, talvez sonhando em algum dia sair por entre as grades do portão, e explorar as ruas que rodeiam a sua zona de conforto?

Talvez este felino já o tenha feito. Ele é um gato, afinal: curioso e de natureza exploradora. Mas se não, esperaria ele que algum ser humano, conhecido ou forasteiro, o afagasse e demonstrasse a importância de sua existência no mundo? Sente ele a falta de algo, ou de alguém?

Um outro felino, de outro local urbano não muito distante, aguarda ansiosa e atentamente a saída de seu companheiro e vizinho de casa humana: ele sabe que juntos, explorarão o ambiente, e exercerão a sua natureza gatuna. Este felino, seja na presença ou talvez somente na ausência de seu amigo, repudia o afago de um ser humano forasteiro que se aproxima dele, esquivando-se da mão carinhosa que se aproximara de seus escuros e secos pelos.

Um leão do zoológico de uma grande cidade humana vive talvez um pouco confuso com sua natureza. Os seres humanos que o observam, o estudam, o alimentam, o fotografam não sabem se ele chegou no pequeno espaço fechado onde vive ainda filhote ou já adulto, não conhecem seu passado; porém, fato é que seus antepassados viveram e reinaram em grandes savanas africanas, a terra original de sua espécie.

Gordo, com a majestosa juba fosca a balançar levemente pelo pouco vento que as paredes de seu espaço permitem entrar, o nosso herói caminha calmamente sob a grama de seu pequeno território, ora refletindo, talvez, sobre suas origens, seu passado, ou sobre o seu ambiente, sobre o fato de não seguir seus instintos predatórios e caçar como faziam seus trisavós. Ele o faz rotineiramente, sozinho, ou ao lado de sua única e fiel companheira, uma leoa também de cativeiro, que compartilha dos sentimentos de seu colega “de cela”.

Um leopardo-das-neves, sentado sob o fofo solo gelado de seu território nas montanhas do Himalaia, reflete, porventura, a respeito de sua próxima ou anterior caça, sobre o frio que o rodeia, o conforto de sua caverna atrás de si. Ao contrário do leão no zoológico, ele teria plena consciência de que sempre fora livre, bem de que como os seus ancestrais também o foram. Ele vive suave e tranquilamente, solitário, sem se preocupar com perigos que não sejam eventuais avalanches, ou talvez alguma presa em fúria.

Os profundos olhos cinzentos do leopardo então detectam, à distância, um brilho leve e pálido entre as montanhas; passando a contemplar o intrigante brilho, sobre o que ele poderia ser, se bom ou ruim, de repente, o nobre gato ouve um forte estrondo, mas não longo: ele não o ouviu por inteiro: assim que o felino o pôde ouvir, sua existência findara. Todas as suas reflexões haviam sido interrompidas e então perdidas para sempre, por uma força distante e desconhecida, que o leopardo jamais pôde conhecer em vida.

Henri Egot
Enviado por Henri Egot em 06/05/2018
Código do texto: T6328866
Classificação de conteúdo: seguro