SER “PAI” DE UMA CRIANÇA NÃO SIGNIFICA SER O PAI DE UM FILHO

O Conselho Nacional de Justiça, utilizando os dados do censo escolar, afirmou que, no Brasil, cerca de 5,5 milhões de crianças não possuem o registro paterno. É um dado altíssimo e só escancara, mais uma vez, a irresponsabilidade que muitos de nós, homens, estamos acostumados a praticar.

Quando dizemos que “existem milhares de filhos sem pai”, parece ser uma frase natural e de fácil compreensão, justamente por expressar uma realidade. Agora, se eu afirmar o mesmo dado de uma forma inversa, parece contraditório, errôneo ou impossível, mas sim, se existe crianças sem pai, também podemos afirmar que “existem milhares de pais sem filhos”.

Esse conceito do que é ser “Pai” e “Mãe” sempre me instigou, incomodou. Em qualquer dicionário de língua portuguesa é possível encontrarmos a definição de “Pai” e “Mãe”. Em sua maioria, compreendem que ser pai é ser o homem que gerou um filho, assim como, ser mãe, é ser a mulher que deu a luz a um filho.

Adotar esse conceito como uma realidade generalizada, ao meu ver, é insensível e injusto. Por meio desse conceito, é possível que todas as pessoas possam afirmar, sem se questionar, que possui um pai e uma mãe. Assim, o censo escolar pode ser interpretado não como uma denúncia de que existem filhos sem pai ou pai sem filhos, mas como crianças que possuem um pai, porém, sem registro dele – é como se pudéssemos entender que está tudo certo, porque eles [pais] existem, só não botaram seu nome em um documento.

Essa não é nossa realidade. Esses “Pais” não estão inexistentes apenas nos registros, eles estão inexistentes, também, na vida dos filhos. E é por isso que questiono o direito de dar a esse homem que deu a possibilidade da existência de uma criança, o título de PAI.

Ser pai é muito mais além do que conceber uma vida. Ser pai é dar as condições para que uma vida possa viver e sobreviver em uma sociedade que lhe puseram sem pedido de autorização ou solicitação para isso. O verdadeiro conceito de “Pai” não está nos dicionários, está no senso comum ao afirmar, como um ditado popular, que “pai é quem cria”. Essa definição trazida pelos dicionários diz sobre ser genitor, não necessariamente sobre ser um pai.

Há uma diferença entre ser o pai de uma criança e ser o genitor dela. Genitor é aquele que, em determinado momento, deu uma parte das condições necessárias para que a mulher pudesse gerar uma criança em seu ventre. Pai é aquele que em todos os momentos dá as condições necessárias para que uma criança possa existir em vida.

Quando um genitor abandona sua paternidade, também abandona o seu dever e função de ser pai, portanto, é injusto o tratarmos como um pai pelo simples fato de existir uma relação sanguínea, genética. Agora, quando um homem acolhe uma paternidade, ele abraça o dever e a função de ser pai, portanto, é justo que o tratamos como o verdadeiro pai de uma criança.

O pai pode ser o mesmo genitor ou não. O que tento expressar é que, o fato de gerar uma criança não faz do homem, automaticamente, ter o direito da titularidade de Pai. A sua dedicação, criação e cumprimento dos deveres paternos é que o faz poder ter o direito de também ser o Pai de uma criança, além de ser seu genitor.

Pensar assim, é conceder a justa titularidade àquele que é digno dela. Se o homem é aquele que gerou ou adotou a criança gerado por outro, está em suas atitudes o crivo para compreendê-lo como pai ou não.

Esse jogo entre “fazer e não criar um filho” e “criar o filho do outro” é comum em nossa sociedade. Temos definições enraizadas sobre isso, mesmo a entendendo como errada a tratamos como verdade.

A exemplo, podemos pegar uma criança que foi gerado por um homem e criada por outro. Mesmo com a criança tratando o homem que a criou como “pai”, quando se indaga, a qualquer que seja, quem é pai da criança, temos como resposta que o pai é o fulano que a gerou, mas que foi criada pelo beltrano, ou, que o pai é o beltrano, mas o verdadeiro pai é o fulano. Essas terminologias de “pai adotivo”, “pai biológico”, “pai de criação”, “pai verdadeiro” é um tanto quanto injusta, na maioria das vezes em que é utilizada.

É incompreensível a insistência de querermos dar ao homem que gerou e abandonou a paternidade o título de pai e retirar, ou menosprezar, a titularidade de pai daquele que, de fato, cumpriu o dever da paternidade.

A lógica da discussão serve também para as mulheres e o sentido que atribuímos para ser mãe e ser genitora. Com as mulheres o processo é um pouco diferente por ter a dificuldade de esconder a gestação e fugir das suas obrigações com a maternidade, mas não é impossível e muito menos incomum.

Talvez o índice de crianças com registro materno seja altíssimo, quase que cem por cento, mas isso não exclui a possibilidade de uma criança ter em registro o nome de um mulher que, em vida, cumpre apenas sua função como genitora (gestação, amamentação), enquanto as responsabilidades de uma mãe são entregues às avós, tias, irmãs e às "ruas".

Pode parecer uma discussão irrelevante, mas é preciso que nós, sociedade, possamos repensar os conceitos que atribuímos ao que é ser “Pai” e “Mãe”, diferenciando o papel de genitores/genitoras para o de pai/mãe. O conceito pode parecer pequeno diante do problema, mas é a partir dele que podemos repensar e atribuir novas compreensões sobre o assunto, mudando nosso jeito de lidar e melhor nos entendendo enquanto pessoas, família e sociedade.

Ruy Tadeu
Enviado por Ruy Tadeu em 09/05/2018
Reeditado em 09/05/2018
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