A MANIPULAÇÃO DA IDEIA DO SAGRADO E SEUS EFEITOS COLATERAIS

Carcereiros e encarcerados dividindo o mesmo ambiente, combatendo inimigos imaginários enquanto protegem e mantém um reino de fantasias

*Por Antônio F. Bispo

Depois de passado o estado de inocência quanto a manipulação da ideia do sagrado nas ditas “casas de deus”, os “obreiros do senhor” podem ter reações diferentes com essas descobertas e a depender do seu nível de consciência e evolução interior, tomar rumos diferentes após “cair o véu”, vindo a se tornar uma pessoa melhor com esse fato, libertando a si mesmo e a outros das fantasias e conflitos desnecessário que viviam anteriormente, ou mergulhar ainda mais num universo de mentiras, manipulações, contradições e ocultações, produzindo e consumindo em si e nos outros os piores sentimentos que o ser humano pode vir a produzir.

Conceitos como “trabalhar para deus”, “fazer a obra do senhor”, “servir ao eterno”, “seguir a palavra de deus” e “buscar ao senhor” perdem seus sentidos ou ganham conotações diferentes à medida que um serviçal voluntário nessas casas tem seus olhos abertos.

O nível de pureza de coração de cada um levará tais pessoas a rumos diferentes. Alguns irão se afastar totalmente desse estilo de vida doentio, enquanto outros irão se afundar ainda mais nele, alegando terem recebido uma missão especial de um comandante celestial para um combate metafísico, contra demônios imaginários. Como Sancho Pança e Dom Quixote, estarão combatendo moinhos de ventos alegando serem dragões alados.

Não é para proteger uma “adorável Dulcinéia” que muitos desses irão se apresentar como escudeiros da fé, antes sim será pensando num repasse eterno de 10% que os seus seguidores farão de tudo que adquirirem desde então, além de submissão total e irracional por uma grande maioria desses, a ponto de se deixarem explorar moral, sexual ou financeiramente sem contestar, bem como ainda reprimir os que intentam se revoltar.

Descobrir pela lógica dos fatos que nunca foi feito se quer um depósito se quer na “conta de deus” dos valores arrecadados em seu nome por aqueles que dizem ser seus representantes, pode fazer com que muitos dos que aprenderam a manusear uma bíblia venham reproduzir esse mesmo sistema de tributação e desejo de domínio e poder sobre territórios e pessoas.

Descobrir por meio da história que o “dinheiro do senhor” tem sido objeto de manipulação, ameaças, mortes e todo tipo de trama sinistra desde a fundação da “santa igreja” faz com que pessoas decentes venham sentir vergonha em um dia já ter contribuído ou incentivados outros a contribuírem para a “obra de deus”.

Qualquer centavo doado por qualquer pessoa numa instituição religiosa que não tenha sido usado para suprir uma necessidade coletiva ou individual de pessoas realmente necessitadas, torna-se praticamente um dinheiro maldito, que será usado para oprimir, manipular ou extorquir ao próprio doador e a quantos todos que forem alcançados pelos “colonizadores da fé.

Que diga isso todos nativos de países onde a “palavra de deus” chegou no período das colonizações. Que diga isso os europeus da idade média que perderam quase 90% de suas terras para uma instituição que exaltava o desapego dos bens material e o juntar tesouros nos céus como sendo algo louvável, enquanto ela mesma se apossava de tudo quanto as pessoas possuíam para conduzi-las semelhantes a escravos posteriormente.

Quem perde sua fonte de sustentabilidade própria, será obrigado a ser servo de quem as possui, nas condições que este ditar. A igreja logo entendeu isso. Piedade e compaixão, estar longe de ser uma característica importante de uma grande parte dos que se dizem ser guias do “rebanho do senhor”.

Quando ainda mergulhado no desejo irracional de “ser vir a deus” nos moldes ditados pelos mercadores da fé, o indivíduo repetirá sem perceber, comportamentos antagônicos a fé que ele mesmo prega. Poderá ser ao mesmo tempo carcereiro e encarcerado ou poderá ser um desbravador, um conquistador, um simples ser humano com atitudes “divinas” que é a de levar seus semelhantes a um estado maior de consciência. Poderá também experimentar o “céu” ou descer ainda mais ao “inferno”, ao descobrir como a ideia do sagrado é gerida na “casa do senhor”. Seu caráter antes e durante o seu “encontro com deus” é quem definirá o rumo a partir de então.

Uma pessoa que precisa de um deus para ser boa e fazer o bem por exemplo, poderá ser tornar um psicopata ou ditador em potencial ao fazer certas descobertas sobre a “justiça e onisciência de deus”. Uma pessoa que entende que não precisa de divindade alguma para fazer o que é certo e que tem controle sobre os próprios instintos animalescos, desfrutará de uma experiência nunca antes alcançada, como se tivesse sido transportada para uma outra dimensão.

A dimensão da lógica, da razão, da responsabilidade pelos seus atos, da compaixão e do amor desprovido de segundos interesses são apenas algumas delas. Pessoas que só fazem o que é certo por que acreditam estarem sendo vigiadas por outros ou por um ser superior, são pessoas com uma probabilidade gigantesca de causar danos individuais e coletivos. Olhos atentos a esses!

Podemos comparar a ideia da manipulação do sagrado a seguinte situação: é como se você, um chefe de comando de um destacamento militar no ápice de uma guerra, num local bem distante da civilização, cuja frente “inimiga” conseguiu desmontar e fez dezenas de prisioneiros de guerras e aguarda ordens de seus superiores para decidir o que fazer com aquele povo.

As pessoas que ali foram presas não eram pessoas boas e nem más, estavam apenas protegendo a própria vida e a de seus conterrâneos no vilarejo. Homens, mulheres, jovens, velhos e crianças estão entre os que foram subjugados. O único meio de contato entre a civilização e todos vocês é um pequeno aparelho de comunicação militar que somente você controla recebendo ordens de seu comandante.

Seu desejo como superior ali é o de exterminar aquelas pessoas o quanto antes para ir conquistar outras terras em busca de fama, glória e poder, mas teme seu superior e o julgamento de um tribunal de guerra caso você venha fazer isso contra civis desarmados. Você é apenas um louco, que recebe e executa ordens loucas, por que foi ensinado a obedecer uma cadeia de comando milenar previamente estabelecida. Todos em seu posto age assim e isso te deixa mais confortável em cometer atrocidades em nome de um ideal imposto pelo seu chefe.

De repente o rádio toca. Seu superior informa que foi decretada o fim da guerra, e que você deve imediatamente libertar os prisioneiros e retornar à base com sua tropa. Você para, pensa, fica em silencio e faz de conta que não estar ouvindo. Sua alegria é maior quando seu comandante informa que provavelmente será levado a um tribunal superior por crimes de guerra. Ele é a única pessoa que sabe da existência e localização do destacamento de assalto que você liderou e se isso vier a público será ainda pior para ele. Se você voltar pode ajudar a criar uma versão diferente dos fatos para amenizar a situação dele. Se você ficar, não virá resgate algum já que essa foi considerada uma missão altamente sigilosa.

Então você ignora o ultimo chamado do seu chefe e como se não ouvisse o que ele ordena, desliga o aparelho de escuta, retira e esconde as pilhas, e não informa a nenhum de seus subordinados nem aos prisioneiros sobre o fim da guerra nem do chamado de retorno da tropa inteira, antes sim, você diz a todos os de sua equipe que a pedido de seu superior ficarão incomunicáveis por tempo indefinido e que você assumirá por completo o controle da missão e da região a partir de então, bem como decidirá o que fazer com os prisioneiros. Ninguém viu, ouviu ou sabe do fim da guerra nem da ordem que lhe fora dada. Apenas você. E toda a maldade escondida em ti florescerá nesse momento.

Você tem um grupo considerável de soldados armados e bem treinados. Você tem homens leais a ti pela imposição de juramentos militares, e agora você tem uma pequena cidadela com recursos indefinidos para explorar além de toda uma população indefesa, armada apenas com ferramentas agrícolas para se defender. Você se sente um deus...coisas sinistras passam pela sua cabeça...

Você poderia celebrar com seus homens e com todos do vilarejo o fim da guerra, dessa loucura que os homens comentem uns contra os outros por coisas fúteis. Você poderia voltar para sua família, para o conforto da civilização, bem como permitir que seus homens fizessem o mesmo. Você poderia libertar todos os prisioneiros e todos ficariam eternamente gratos a ti e retornariam o curso comum de suas vidas.

Mas não...a “síndrome da divindade” percorre cada impulso elétrico de seu corpo. Cada célula de seu ser deseja poder, honra, glória, louvor, adoração e temor...Você foi acometido pela pior doença que pode contaminar um mortal: o desejo irracional de ser cultuado!

Naquela situação, ninguém sabe da verdade além de ti! Você usa a autoridade de sua patente e começa a explorar a todos, abusando moral e sexualmente de quem deseja, impondo a todos trabalhos forçados, intermináveis e exaustáveis, exigindo respeito e adoração desnecessários a sua figura, passa a controlar os recursos naturais disponíveis para criar a sensação de escassez e dependência.

Meses e anos vão se passando e todos sofrendo, inclusive seus homens com a solidão e com todo aquele ambiente hostil criado e mantido por ti. Você transformou uma ilha paradisíaca em um inferno mas é o único que se considera como sendo um deus.

Alguns poucos que raciocinando juntaram as peças do quebra cabeça, descobriram a verdade e te questionou você deu duas opções: se juntar a ti e ganhar também poder e autoridade sobre todos, ou morrer!

Muitos destes que não aceitaram ficar do seu lado desapareceram sem deixar rastro. Você contou uma outra versão, dizendo que foram invasores que vieram à noite, invadiram o acampamento e os raptaram. Surge então nesse momento a figura do inimigo que até então não havia naquele isolado recanto do globo.

Um “diabo” é algo valioso para desviar a atenção do povo e esconder as reais intenções de um líder aproveitador. A partir dali esse inimigo será a causa de todo o mal inexplicável que acontecer no vilarejo, incluindo as mortes misteriosas que ocorrerão a partir daí com todos que tenham entendido como as coisa realmente aconteceram. Todos que percebem seus planos são exterminados. Os que se aliam a ti crescerão.

Os anos passam, as pessoas se acostumam nessa vida onde prisioneiros e carcereiros dividem a mesma ilha, como anjos e demônios, a população cresce a dinastia do mal se perpetua. A seu pedido(ordenança), sua história será contada como sendo a de um deus que surgiu do nada e trouxe “fogo aos homens”, sendo que na verdade tu foras apenas um imbecil, um déspota, vencido pelos próprios instintos, opressor de milhares e mantenedor do caos.

Consegue ver alguma semelhança com o sistema religioso da maioria dos povos? Alguma semelhança com a maiorias das igrejas que encontramos em quase toda esquinas dos países subdesenvolvidos “cujo deus é o senhor”, cuja constituição desejam substituir pela bíblia? Lutam contra um inimigo invisível, terceirizam suas responsabilidades, esmagam todos que se levantam contra eles, dizem ser o chefe supremo da missão de conduzir e abrigar os povos contra um diabo enquanto o resgate vem, quando na verdade, de proposito cortaram a comunicação com seus “comandantes” e assumiram o destino da missão por conta própria enquanto usam os seres do imaginário coletivo como subterfúgio.

Um dia, pessoas subordinadas a esses a esses “homens de deus” terão a capacidade de entender como tudo isso funciona, como tudo é mantido e como todo “mistério sagrado” é criado e difundido para o povo em função de mantê-los prisioneiros em sua própria consciência ou em um estado de letargia eterna, sem reação alguma.

Alguns irão se juntar com as lideranças e negociar a divisão dos lucros e dos territórios dominados por esses, como se fossem grandes chefes do tráfico moderno pela grandiosa descoberta que fizeram. Não irão contar a ninguém para que ambos possam desfrutar das benesses que só líderes como esses podem desfrutar. O material bélico que eles possuem capaz de dominar seus subordinados é apenas INFORMAÇÃO. Obtendo-as, todos serão livres, ocultando-as, todos serão escravos.

Outros obreiros ou pessoas comuns, quando percebem como tudo é esquematizado na “casa de deus”, decidem abandonar sorrateiramente esse ambiente a fim de não ser exterminado pelo “diabo” que vem a noite ao acampamento.

Desde o início da história da igreja que acidentes, doenças, ou emboscadas misteriosas acontecem com algumas pessoas que desejaram alertar ao povo que o inimigo é imaginário e que a liberdade estar na própria consciência. Enquanto “deus” falha na sua onipresença em proteger os seus, o “diabo” não dorme, a fim de silenciar os que descobrem sua verdadeira face.

Hoje, além da opção de bater de frente com as lideranças para abrir a mente das pessoas, existem várias outras que podem silenciar ou enfraquecer qualquer pessoa ou movimento considerado opressor. Sempre em todas as épocas quem desejasse tirar pessoas desse conflito imaginário, mantido apenas para gerar lucro, poder e domínio. Alguns foram acusados de sedição, outros aconselhados a tomar cicuta e morrer rapidamente.

A maneira mais eficiente ainda é pela apresentação de um discurso polido, desprovido de ódio, com base na história, na filosofia, na biologia, antropologia e várias outras ciências que relatem nossa história e estadia aqui nesse planeta.

O pior de tudo para os que intentam alertar aos “prisioneiros de guerra” é saber que os encarcerados é quem financiam de bom grado sua própria prisão e abusos cometidos a eles mesmos, que separam 10% de suas reservas para seus dominadores e que ainda compram com alegria todo o material “ungido” que esses mercadores da ingenuidade produzem a fim de se protegerem do “inimigo que ataca a noite” como na ilustração feita a cima. Compram amuletos e bugigangas benzidas a fim de se proteger de inimigos e maldiçoes e imaginarias quando na maioria dos casos o inimigo estar bem na frente destes...

A descoberta mais dolorosa que uma pessoa de boa-fé que vive na “casa de deus” pode fazer, não é a de que precisamos ser salvos do “diabo”, antes sim é a descoberta de que precisamos ser salvos de nossos “salvadores” que nos incomoda e na maioria das vezes não queremos admitir para não parecermos idiotas ou para não sermos reprimidos publicamente, ou para não sermos levados pelo “inimigo que vem à noite ao acampamento”.

Para os que sempre tiveram boas intenções ao se juntar a um grupo religioso, descobrir como tudo funciona na “casa de deus” pode causar no individuo dores, desconfortos, ânsias de vômito, crises existência, vontade de suicídio, desejo de vingança contra os manipuladores e dezenas de outros efeitos colaterais até possuírem a sensação de liberdade real.

Para os oportunistas e os que só fazem o que é certo se estiverem sendo vigiados, essa mesma descoberta trará uma imensa vontade de abrir uma igreja, de subjugar pessoas, de abusar delas (principalmente dos indefesos pela posição que ocupam), de construir impérios e de pôr a culpa no diabo toda vez que forem pegos em flagrante delito. “ Se ninguém viu, ninguém filmou e ninguém fotografou, então não é pecado”...Já dizia rotineiramente um certo “ungido do senhor” cada vez que algum tipo de ato deplorável.

Existe ainda uma terceira equipe nesse meio, a de pessoas bem intencionadas, que entenderam como tudo funcionam e acreditam que há solução para um sistema que foi feito para funcionar exatamente desse jeito. Muitos desses acreditam que há um dono espiritual da igreja, enquanto outros já perceberam que o dono mesmo é quem registrou o CNPJ no cartório.

Dizem que quando alguém é mordido por um vampiro(conhecimento), passa 3 dias agonizando. Se essa pessoa sobreviver terá os instintos alterados e várias habilidade corporais amplificadas além de vida longa, quase eterna. Poucos sobrevivem a mordida de um vampiro, até por que, quando a “santa igreja” fica sabendo que alguém foi “mordido” e está resistindo, sobrevivendo, em processo de metamorfose, ela se encarregam de jogar “agua benta” (ignorância, má fé), nessa pessoa para “curá-la”! Esse serviço será feito por meio de seus inúmeros discípulos e voluntários espalhados em vários locais onde a há um líder religioso ditando as regras.

Como nas lendas de vampiros, essas pessoas transformadas se alimentam de conhecimento serão eternamente caçados, pois sua presença é incômoda para os que vendem água benta e bugigangas ungidas. Como nas lendas, eles serão demonizados, enquanto os que comercializam a fé, produzirão as “armas da luz” que os combaterão. Como nas lendas, estes renascido agirão de modo sorrateiro e invisível, viverão centenas de anos por meio do que ensinou a outros e estarão sempre presente por meio de seu legado cultural e filosófico deixado. “Os caçadores de bruxa” morrerão logo e nada deixarão de útil aos seus seguidores, a não ser uma história fictícia recontando própria história como se fosse um herói.

Entre ser uma metamorfose ambulante e já ter uma opinião formatada sobre tudo, a primeira opção é mais prazerosa aos que estão saindo do “casulo da fé”.

Saúde e sanidade a todos!

Texto escrito em 26/5/18

*Antônio F. Bispo é graduando em jornalismo, Bacharel em Teologia, estudante de religiões e filosofia.

Ferreira Bispo
Enviado por Ferreira Bispo em 26/05/2018
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