Discurso de Greta Thunberg na COP25

Discurso de Greta Thunberg na COP25


NOTA (Miguel Carqueija)

Este evento, COP25, ocorreu na Espanha entre 2 e 13 de dezembro de 2019, sendo iniciativa da ONU (por extenso, “Conferência das Nações Unidas sobre as mudanças climáticas”; ignoro o que quer dizer o “P”).
A lembrar que António Guterres, português, secretário-geral da ONU, declarou que é preciso parar com a “guerra contra a natureza” e, pelo que percebi, está dando aval à Greta.
Greta Thunberg, a quem hoje estão abertas muitas portas e que vem sendo apoiada por nomes de peso (inclusive o Papa Francisco, o Bispo Desmond Tutu (anglicano) e o político e ator norte-americano, Arnold Schwazzeneger, além da ambientalista brasileira Marina Silva), vem sendo também sistematicamente atacada por um vasto leque de pessoas, desde os desclassificados “trolls” da internet até líderes da esquerda (Vladimir Putin, Emmanuel Macron, Angela Merkel, gente da OPEP) ou da direita (como Trump e Scott Morrison).
Entretanto seu discurso é límpido, apolítico e, a meu ver, irrespondível. E por isso os opositores desta menina-gênia em geral não analisam o seu discurso, preferindo o caminho do insulto ou, quando menos, o da falácia, deixando de entrar no mérito da questão.
Abaixo darei meus comentários sobre o discurso ora transcrito.

GRETA THUNBERG DISCURSA

11/12/2019

Há um ano e meio, eu não falava com ninguém, a menos que realmente precisasse. Mas depois encontrei um motivo para falar. Desde então, dei muitos discursos e aprendi que, quando você fala em público, começa com algo pessoal ou emocional para atrair a atenção de todos.
Diga coisas como “nossa casa está pegando fogo”, “quero que você entre em pânico” e “como se atreve”. Mas hoje não vou fazer isso, porque as pessoas apenas se concentram nessas frases. Elas não se lembram dos fatos, o motivo pelo qual eu falo.
Não temos tempo para ignorar a Ciência. No último ano, falei constantemente sobre o rápido declínio dos limites de emissão de carbono. Mas como continua sendo ignorado, continuarei repetindo.
No capítulo 2, na página 108, no relatório SR1.5 do Ipcc, publicado no ano passado, diz que, em 1º de janeiro de 2018, para termos uma chance de 67% de limitar o aumento da temperatura global a 1,5ºC, tínhamos 420 Gigatons de CO2 restantes. Esse número, claro, é muito menor hoje, e emitimos 420 Gigatons todos os anos, incluindo o uso da terra.
Com os níveis de emissões atuais, o limite será esgotado em cerca de 8 anos.
Esses números não são opiniões de ninguém ou opiniões políticas, é a melhor ciência atualmente disponível. Embora muitos cientistas digam que esses números são demasiado moderados, são os que foram aceitos pelo Ipcc.
Por favor, observe que esses números são globais. Não há nada a dizer sobre o aspecto da igualdade, que é absolutamente essencial para fazer o Acordo de Paris funcionar em escala global.
Isso significa que os países mais ricos precisam fazer a sua parte, reduzir as emissões muito mais rapidamente
e, em seguida, ajudar os países mais pobres a fazer o mesmo. Assim, as pessoas nas partes menos afortunadas do mundo podem elevar seus padrões de vida.
Esses números também não incluem a maioria dos loops de feedback, pontos não lineares ou aquecimento adicional oculto pela poluição tóxica do ar. A maioria dos modelos pressupõe, no entanto, que as gerações futuras serão capazes de eliminar centenas de bilhões de toneladas de CO2 do ar com tecnologias que ainda não existem na escala necessária e talvez nunca venham a existir.
O limite de 67% é aquele com as maiores chances dadas pelo Ipcc. E agora temos menos de 340 giga toneladas de CO2 para emitir, que deve ser compartilhado de forma justa.
E por que é tão importante manter o aumento a 1,5ºC graus? Porque mesmo com 1ºC, as pessoas estão morrendo devido à crise climática. Porque é isso que os cientistas pedem para evitar desestabilizar o clima, para que tenhamos a melhor chance possível de evitar
reações irreversíveis em cadeia, como geleiras derretidas e derretimento de zonas permanentemente geladas.

Cada fração de grau é importante. Então, aí está novamente. Esta é a minha mensagem. É nisso que eu quero me concentrar. Então, por favor, diga-me como reage a esses números sem sentir pelo menos algum nível de pânico? Como reage ao fato de que basicamente nada está sendo feito sem sentir o mínimo de raiva?
E como falar sobre isso sem parecer alarmista? Eu realmente gostaria de saber.
Desde o Acordo de Paris, os bancos globais investiram US$ 1,9 trilhão em combustíveis fósseis. 100 empresas são responsáveis por 71% das emissões globais. Os países do G20 representam quase 80% do total de emissões. Os 10% mais ricos da população do mundo produzem metade de nossas emissões de CO2, enquanto os 50% mais pobres representam apenas um décimo.
De fato, temos algum trabalho a fazer, mas alguns mais que outros.
Recentemente, alguns países ricos se comprometeram a reduzir suas emissões de gases de efeito estufa em aproximadamente tantos por cento nessa ou naquela data. Ou tornar-se neutro em termos de clima e com emissão líquida zero em tantos e tantos anos.
Isso pode parecer impressionante à primeira vista, mas mesmo que as intenções possam ser boas, isso não é liderança. Isso não é liderar, isso é enganar. Porque a maioria dessas promessas não inclui aviação, transporte marítimo, importação e exportação de bens e consumo. No entanto, incluem a possibilidade dos países compensarem suas emissões em outros lugares.
Essas promessas não incluem as taxas de reduções imediatas anuais, nem para os países ricos, que são necessárias para permanecer dentro do limite existente.
Zero em 2050 não significa nada se as altas emissões continuarem mesmo por poucos anos. Até lá, o limite restante se esgotará.
Sem ver o cenário completo, não resolveremos esta crise. Encontrar soluções holísticas é o objetivo da COP, mas, pelo contrário, parece ter dado algum tipo de oportunidade para os países negociarem brechas e evitarem aumentar sua ambição.
Os países estão encontrando maneiras inteligentes para não tomar medidas reais, como contar em dobro as reduções de emissões, mudar suas emissões para o exterior, voltar atrás em suas promessas de aumentar as ambições ou recusar-se a pagar por soluções, perdas e danos. Isso tem que parar.
O que precisamos é de cortes drásticos nas emissões na fonte. Mas é claro que apenas reduzir as emissões não é suficiente. Nossas emissões de gases de efeito estufa precisam parar. Para estabilizar em 1,5ºC, precisamos ser neutrais nas emissões de carbono. Apenas estabelecer datas distantes e dizer coisas que dão a impressão de que a ação está em andamento causará mais mal do que bem, porque as mudanças necessárias ainda não estão à vista.
As políticas necessárias não existem hoje, apesar do que você possa ouvir dos líderes mundiais.
E ainda acredito que o maior perigo não é a inação. O verdadeiro perigo é quando políticos e diretores de empresas fazem parecer que uma ação real está acontecendo quando, na verdade, quase nada está sendo feito além de contabilidade inteligente e propagandas criativas.
Tive a sorte de poder viajar pelo mundo e, na minha experiência,
a falta de consciência é a mesma em todos os lugares. Não menos presente entre os que foram eleitos para nos liderar. Nunca existe um senso de urgência. Nossos líderes não estão se comportando como se estivéssemos numa emergência.
Em caso de emergência, você muda seu comportamento.

Se houver uma criança parada no meio da estrada e os carros se aproximando com velocidade total, você não desviará o olhar porque é muito desconfortável. Você sai imediatamente e resgata a criança.
Sem esse senso de urgência, como podemos fazer as pessoas entender que estamos enfrentando uma crise real? E se as pessoas não estiverem totalmente conscientes do que está acontecendo, não pressionarão as pessoas no poder para agir.

E sem a pressão do povo, nossos líderes podem ficar impunes sem fazer basicamente nada, que é onde estamos agora. E isso acontece de novo e de novo.
Em apenas três semanas entraremos numa nova década. Uma década que definirá o nosso futuro. No momento, estamos desesperados por qualquer sinal de esperança.
Bem, estou lhe dizendo que há esperança. Eu já vi isso. Mas não vem dos governos ou corporações, vem do povo. As pessoas que desconheciam estão começando a acordar. E uma vez que tomamos consciência, mudamos. As pessoas podem mudar. E as pessoas estão prontas para a mudança. E essa é a esperança, porque temos democracia. E a democracia está acontecendo o tempo todo. Não apenas no dia das eleições, mas a cada segundo e a cada hora.
É a opinião pública que governa o mundo livre. De fato, todas as grandes mudanças em nossa história vieram do povo. Não precisamos esperar. Podemos começar a mudança agora mesmo. Nós, as pessoas.
Obrigada.

Comentário:
Reparem como não tem consistência alguma a alegação de que Greta Thunberg está contra a Ciência, por existir um manifesto assinado or 500 cientistas de diversos países (inclusive brasileiros) negando o efeito estufa e o aquecimento global. Essas pessoas já estão sendo conhecidas como “negativistas”.
Alegar que no remoto passado, quando a humanidade não existia e o planeta estava em acomodação, esfriando, aconteceram mudanças mais radicais, parece-me ilógico. Nós temos de nos preocupar com o que está acontecendo agora. E um número bem maior de cientistas já reconhece o aquecimento global. Aliás como explicar o aumento de temperatura em lugares como Belo Horizonte e Rio de Janeiro? Por que são grandes cidades, cheias de prédios em número crescente além de automóveis, e tudo isso causa aquecimento local? Ora essa, grandes cidades existem em todos os continentes, exceto Antártica, e todas elas, ou mesmo as menores, são foco de aquecimento. E ainda existe o caso escandaloso da Austrália. Mas vamos ver o que Greta Thunberg falou.
Percebam que a menina é culta e tem estilo próprio, muito sábio e direto, sem papas na língua. Seu discurso não é ideológico, é basicamente ecológico e capeado na Ciência, cujos dados ela sempre traz, e atualizados.
A Ciência não se engana, quem se engana são os centistas. Séculos atrás negavam que pedras caíssem do céu e zombavam dessa ideia. Hoje, há cientistas que negam o aquecimento global e zombam da ideia. Ora, pedras caem do céu (os meteoros).
Em vermelho, grifei alguns trechos mais importantes do depoimento de Greta Thumberg.
Ela faz questão de frisar que os dados apresentados não são opinião de ninguém, mas o melhor que a Ciência tem a apresentar atualmente. Esta constante preocupação de Greta Thunberg com a Ciência deveria servir de cala-boca aos seus detratores, entre os quais se incluem, aliás, esses desclassificados “trolls” ou odiadores de internet.
A quem a acusa (?) de ser sueca e rica (rica mesmo? Ou apenas membro de uma família bem situada financeiramente, nada de Rockfeller ou Rotschild ou de Sílvio Santos?) convém ler o que ela fala (grifo em vermelho, não esqueçam) sobre as partes menos favorecidas da humanidade.
Acusam-na de ser alarmista, e ela pergunta como falar de assuntos tão graves sem parecer alarmista. E, com sagacidade, ela ironiza: “Eu realmente gostaria de saber”.
Ela lembra ainda a necessidade de mudar o comportamento em casos de emergência, e tem ainda a sabedoria de defender a democracia: “É a opinião pública que governa o mundo livre”. No discurso de Greta (esse e outros, além de entrevistas e declarações várias) pode-se notar a neutralidade ideológica, aliás qualquer forma de totalitarismo está implicitamente rejeitada no discurso dessa menina genial.
É hora de esquecer os preconceitos (por ser branca, por ser jovem ou qualquer outra coisa) e ouvir o que essa criança tem a dizer.
(Miguel Carqueija/17/1/2020)