Discurso de posse acadêmica

Em 21.08.2022

DISCURSO DE POSSE NA – ACADEMIA BRASILEIRA DE LETRAS E ARTES MINIMALISTAS

Francisco de Assis Góis

Sr. Presidente,

Sras. e Srs. Acadêmicos,

É emocionado e com muito orgulho que hoje tomo posse de uma cadeira nessa casa de cultura e promotora das letras e artes. Agradecendo a subida honra por ter sido aceito entre vós, dou início ao meu discurso exaltando um dos principais objetivos dessa instituição que é a poesia e as artes minimalistas. Faço isso através de um poema que compus em redonde, estilo poético criado por mim e que já foi referendado por essa Academia como gênero minimalista.

POESIA MINIMALISTA – (redonde)

Poesia minimalista

maximiza conteúdo.

Mantendo a síntese em vista

em seu bojo cabe tudo...

Mesmo com pouco “floreio”

sempre esbanja em recheio.

Valorizando o artista

e o leitor, sobretudo,

poesia minimalista

maximiza conteúdo.

(Francisco de Assis Góis)

Sempre gostei de ler e escrever muito. Desde criança gostava de “viajar” em minhas redações escolares.

Escrever ajuda a me auto conhecer. Escrevendo consigo pôr ordem no caos e no gritante silêncio que existe dentro de mim ao mesmo tempo. O caos tentando explodir, se expor e o silêncio, segurando, velando muito de mim para todos, inclusive para mim mesmo, muitas vezes.

Escrever evita que eu me perca nesse caos ou me precipite no silencioso vazio. Por vezes quando termino um texto e gosto penso: tenho uma infinidade de coisas externas que preciso aprender, porém talvez mais coisas dentro de mim que só preciso descobri-las e ordená-las.

Ler o que escrevo depois de pronto, gostar e imaginar que isso poderá ser útil, somar algum conhecimento ou ajudar no bem-estar e felicidade de alguém me traz uma sensação gratificante.

Como um engenheiro que sempre quis ser médico e poeta que se completa com a vastidão do mundo literário, principalmente com a poesia, complemento a primeira parte desse meu discurso com algumas citações do filme “Sociedade dos Poetas Mortos”:

“Engenharia, medicina, lei e negócios são ocupações nobres e necessárias para manter a vida. Mas poesia, beleza, romance, amor e arte são razões para ficar vivo. É para isso que vivemos.

Não importa o que digam a você, palavras e ideias podem mudar o mundo. Não lemos e escrevemos poesia apenas porque é bonitinho. Lemos e escrevemos poesia porque somos membros da raça humana e a raça humana está repleta de paixão”.

FAREI AGORA UM BREVE RESUMO DA VIDA E OBRA DO MEU PATRONO

Castro Alves cujo nome completo é Antônio Frederico Castro Alves, é patrono da cadeira número sete da Academia Brasileira de Letras e patrono da cadeira número vinte e três da ABLAM – Academia Brasileira de Letras e artes Minimalistas, à qual hoje sinto muito orgulho em tomar posse. Nasceu Castro Alves em Muritiba no estado da Bahia, em 14 de março de 1847 e faleceu, também na Bahia, na cidade de Salvador em 6 de julho de 1871 com apenas 24 anos.

Viveu em uma época em que o Brasil tinha 4 milhões de habitantes dos quais 1 milhão eram de pessoas escravizadas. Havia no país apenas 4 universidades: duas de direito, sendo uma em Recife e outra em São Paulo e duas de medicina, uma na Bahia e outra no Rio de Janeiro. Castro Alves frequentou duas delas: as de direito de Recife e de São Paulo.

Nascido em uma família culta, abastarda e influente na sociedade baiana, sua mãe, Clélia Brasília da Silva Castro tinha educação musical e era filha de José Antonio da Silva Castro que tinha a alcunha de Major Periquitão. Ele lutou na guerra da independência do Brasil como comandante do Terceiro Batalhão de Infantaria, o mesmo em que serviu Maria Quitéria. Esse batalhão usava uniformes na cor verde o que explica o apelido do seu comandante. Comandando esse batalhão o avô do poeta ajudou a expulsar os portugueses da Bahia em 2 de julho de 1823. Em homenagem a essa data Castro Alves compôs um de seus conhecidos poemas: “Ode a Dois de Julho”.

Uma tia do poeta, irmã de sua mãe que era muito bonita, foi raptada por Leolino Pinheiro Canguçu e seu resgate resultou em um drama de violências e lutas entre as famílias do então Coronel Castro, Moura, (uma família aliada) e Pinheiro Canguçu. Segundo o escritor Jorge Amado, essa tragédia viria, mais tarde a influenciar a produção e a vida do poeta.

Seu pai, Antonio José Alves foi um renomado médico cirurgião que lecionou na Faculdade de Medicina da Bahia que é até hoje é uma das mais importantes do Brasil. Foi também um dos fundadores da Sociedade de Belas Artes da Bahia.

Recebendo da mãe o apelido de Cecéu, Castro Alves era o segundo filho do casal. Tinha um irmão mais velho e mais três irmãs e dois irmãos mais novos.

Aos sete anos, quando seu pai foi convidado a lecionar na Faculdade de Medicina a família mudou-se para Salvador.

No ano seguinte o poeta foi estudar no Colégio Sebrão. Em 1858 juntamente com seus três irmãos ingressou no Ginásio Baiano do célebre educador Abílio César Borges, o Barão de Macaúbas, onde foi contemporâneo de Rui Barbosa. Ali encontrou um ambiente cultural fértil e uma atmosfera literária proporcionada por saraus, festas de artes, música, poesia, declamação e discursos. Isso tudo ajudou a revelar precocemente o seu talento. Aos 11 anos recitou seu primeiro poema em público numa festa da escola.

Quando tinha 12 anos, em 1859, sua mãe faleceu de doença pulmonar, provavelmente tuberculose. Deprimido, seu irmão mais velho tentou o suicídio atirando-se da janela.

Após a morte da mãe seu pai se casou novamente e, desgostosos com isso tudo os dois irmãos mais velhos se mudam para Recife para terminar os estudos e iniciar o curso universitário.

Aos 16 anos teve seu poema “Destruição de Jerusalém” publicado no Jornal do Recife.

Após ser reprovado por duas vezes, iniciou seus estudos na Faculdade de Direito de Recife em 1864, aos 17 anos. Nesse mesmo ano seu irmão mais velho se suicida.

No início de 1866 seu pai também falece vítima de beribéri. Aos 19 anos Castro Alves se encontra órfão e com problemas financeiros, pois não podia ainda exercer o ofício de advogado, porém seu lado poeta e de escritor começava a aflorar.

Na faculdade ele era conhecido por frequentar o Teatro Sta. Izabel tanto quanto a sala de aula. Ali conheceu e se apaixonou pela atriz Eugênia Câmara, 10 anos mais velha que ele.

Castro Alves então acompanha Eugênia para a Bahia e para o Rio de Janeiro onde conhece José de Alencar e Machado de Assis que o apresenta ao mundo literário.

Mudou-se para São Paulo e transferiu seus estudos para a Faculdade de Direito São Francisco no terceiro ano do curso e coincidentemente foi novamente colega de Rui Barbosa. Frequentou juntamente com ele a mesma Loja Maçônica e também a Bucha Paulista, uma confraria secreta de estudantes de direito inspirada em organizações similares da Alemanha.

Como o último grande poeta da terceira geração romântica do Brasil, Castro Alves expressou em suas poesias sua indignação sobre os graves problemas sociais de seu tempo. O poeta defendia em seus versos a liberdade para homens e mulheres, a república, a democracia e a abolição da escravatura.

A sua poesia lírico-romântica não retrata a mulher como um ser distante e intocável como os outros românticos e sim uma mulher forte real, sensual e presente na vida do homem. Descreve em seus versos o poder de sedução e beleza do corpo feminino.

Outra coisa que chama atenção na sua poesia lírico-romântica é que, diferentemente dos outros românticos, principalmente os da segunda geração que enalteciam a morte, Castro Alves, em seus poemas nos fala dela como um algo inevitável, porém deixando claro seu apego e amor à vida.

Como amante da natureza ele enaltece a noite e o sol como símbolo de esperança e liberdade como podemos observar nos poemas “O Baile na Flor” e “Crepúsculo Sertanejo”.

Porém foi na poesia social que ele mais se destacou chegando até a defender a violência para se chegar à liberdade como sugere o seu poema “Bandido Negro”. A sua poesia libertária denuncia a crueldade da escravidão, clama por liberdade e dá ao romantismo um sentido revolucionário aproximando-o do realismo com uma inspiração épica e linguagem ousada e altamente dramática, como podemos conferir nos poemas Vozes d’Africa e Navio Negreiros. Foi por todo esse vigor em defesa da liberdade que ele ficou conhecido como o poeta dos escravos.

Seu primeiro poema abolicionista foi publicado aos 16 anos em maio de 1863. Dois anos depois declamou um poema republicano e por um estado laico na abertura solene do ano letivo da faculdade que atraiu aplausos dos alunos e causou escândalo entre os representantes do governo e os professores. Nesse mesmo ano, 1865 ele compôs o poema “Pedro Ivo” homenageando um dos líderes da revolução Praieira Pernambucana. Em suas defesas do republicanismo, ele frequentemente usava a figura do condor, a ave símbolo das independências na América Hispânica e que se tornou emblema de liberdade. Como voa alto e com visão privilegiada, o condor consegue enxergar a grandes distâncias e isso era usado como metáfora para o papel que os poetas sociais se davam, que era mostrar para a sociedade qual o caminho ao longe a ser seguido. Daí vem o nome Condoreirismo dado a esse movimento romantista.

Desde muito cedo Castro Alves tinha sintomas da tuberculose. Durante a guerra do Paraguai ele tentou se alistar e foi reprovado por causa disso. A tuberculose era muito comum entre os poetas românticos e foi causa da morte de muitos deles. A perspectiva de uma morte ainda jovem, a morte dos pais, do irmão e as histórias de fantasmas que ouvira na infância motivaram alguns de seus poemas. Um outro grave problema que teve foi a amputação do pé esquerdo em função de um acidente de caça quando levou um tiro no pé. Os problemas respiratórios faziam com que ele se refugiasse frequentemente em fazendas de familiares para melhorar a saúde. Isso explicitou a ele a violência da escravidão e também o inseriu no contexto de brigas de famílias influentes da região baiana. O caso mais famoso e já citado acima, foi o rapto de sua tia, a bela Pórcia de Castro que é referenciado na literatura por José Valter Pires como “O Rapto de Pórcia de Castro, a Helena Sertaneja, por Leonino Canguçu”, que, segundo Jorge Amado diz em seu “ABC de Castro Alves”, marcou profundamente o poeta, e essa marca estaria refletida nas paixões de Castro Alves e também em parte de sua obra.

Seu relacionamento com Eugênia Câmara inspirou a peça “Gonzaga” que ele fez especialmente para ela. O término do relacionamento com a atriz, motivou ele a organizar suas poesias numa antologia: “Espumas Flutuantes” que foi sua única obra publicada em vida.

Enquanto se recuperava da cirurgia no pé, escreveu o poema “Os Anjos da Meia Noite”, uma referência a várias mulheres que conheceu.

Já ao final da vida, se apaixonou pela cantora italiana Agnese Trinci Murri que o admirava, mas não correspondeu à sua paixão.

Morreu jovem, com 24 anos, em Salvador aos 6 de julho de 1871, junto a família, vitimado pela tuberculose.

A maior parte da sua obra foi publicada postumamente, como é o caso do poema “Os Escravos” que contém 34 cantos e foi considerado por Rui Barbosa como a maior obra escrita por um brasileiro.

Há muito mais que se falar sobre a vida e obra de Castro Alves, porém se tentássemos fazê-lo isso tornaria esse discurso extremamente longo, motivo pelo qual fico por aqui e encerro essa minha exaltação a esse grande poeta brasileiro, pelo qual me sinto honrado em ter como patrono nessa academia, lendo alguns trechos marcantes de obras suas e terminando com o lindo poema “Horas de Saudade”, um dos meus prediletos:

Não importa! A liberdade

É como a hidra, o Anteu.

Se no chão rola sem forças,

Mais forte do chão se ergueu...

Oh! Bendito o que semeia

Livros à mão cheia

E manda o povo pensar!

O livro, caindo n'alma

É germe – que faz a palma,

É chuva – que faz o mar!

Auriverde pendão de minha terra,

Que a brisa do Brasil beija e balança,

Estandarte que a luz do sol encerra

E as promessas divinas da esperança...

Tu que, da liberdade após a guerra,

Foste hasteado dos heróis na lança

Antes te houvessem roto na batalha,

Que servires a um povo de mortalha!...

HORAS DE SAUDADE

TUDO VEM me lembrar que tu fugiste,

Tudo que me rodeia de ti fala.

Inda a almofada, em que pousaste a fronte

O teu perfume predileto exala

No piano saudoso, à tua espera,

Dormem sono de morte as harmonias.

E a valsa entreaberta mostra a frase

A doce frase qu'inda há pouco lias.

As horas passam longas, sonolentas...

Desce a tarde no carro vaporoso...

D'Ave-Maria o sino, que soluça,

É por ti que soluça mais queixoso.

E não Vens te sentar perto, bem perto

Nem derramas ao vento da tardinha,

A caçoula de notas rutilantes

Que tua alma entornava sobre a minha.

E, quando uma tristeza irresistível

Mais fundo cava-me um abismo n'alma,

Como a harpa de Davi teu riso santo

Meu acerbo sofrer já não acalma.

É que tudo me lembra que fugiste.

Tudo que me rodeia de ti fala...

Como o cristal da essência do oriente

Mesmo vazio a sândalo trescala.

No ramo curvo o ninho abandonado

Relembra o pipilar do passarinho.

Foi-se a festa de amores e de afagos...

Eras — ave do céu... minh'alma — o ninho!

Por onde trilhas — um perfume expande-se.

Há ritmo e cadência no teu passo!

És como a estrela, que transpondo as sombras,

Deixa um rastro de luz no azul do espaço ...

E teu rastro de amor guarda minh'alma,

Estrela que fugiste aos meus anelos!

Que levaste-me a vida entrelaçada

Na sombra sideral de teus cabelos! ...

(Castro Alves)

Obrigado a todos.

Acadêmico: Francisco de Assis Góis

Cadeira número 23

Patrono: Castro Alves

ABLAM – Academia Brasileira de Letras e Arte Minimalistas

ABLAM e Francisco de Assis Gois
Enviado por ABLAM em 21/08/2022
Código do texto: T7587533
Classificação de conteúdo: seguro
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