DISCURSO DE POSSE NA AILE (ACADEMIA ITAUNENSE DE LETRAS)

Caro Presidente Professor Doutor Arnaldo de Souza Ribeiro, caras consórores e caros confreires; digníssimas senhoras e digníssimos senhores presentes que nos honram com suas presenças:

Foi com grande honra que recebi o convite para ocupar a cadeira 19, anteriormente ocupada por Vera Alice Rodrigues dos Santos, cujo patrono é meu tio Guaracy de Castro Nogueira.

Gostaria de prestar uma homenagem à Vera Alice Rodrigues dos Santos e recitar uma de suas poesias.

MEUS DEFEITOS

Sou um amontoado

De sentimentos

Que vão do infinito

Ao indeterminado!

Sou capaz

De sonhar

Com o amor eterno

E ao mesmo tempo

Não ter compaixão!

Sou capaz de me doar

E ao mesmo tempo

Recusar um bom dia!

Sou capaz

De desejar

A perfeição

E ao mesmo tempo

Ter atitudes minúsculas!

Sou capaz de me encantar

Com o brilhar

E me esquecer

Que é preciso

Iluminar!

Mas também

Sou sempre capaz

De amar

E amar!

Quanto ao meu tio Guaracy de Castro Nogueira, tínhamos uma afinidade muito grande. Sempre tive uma admiração enorme por ele; e, com certeza, herdei dele o amor pelos estudos e pela pesquisa. Quando partiu foi uma perda enorme para mim. Senti muito.

Todavia o que gostaria de falar brevemente hoje a noite é algo que ocupa minha mente e minha pesquisa, pois sou doutorando em Ciências da Religião pela PUC Minas. As palavras Ideologia de Gênero já é algo depreciativo e pejorativo. O termo correto é Teorias de Gênero. Não existe ideologia por trás das Teorias de Gênero. O que buscamos é um lugar para as minorias e questionamos o que nos foi culturalmente imposto como algo “masculino” e como algo “feminino”. Quero falar sobre TOLERÂNCIA, DIVERSIDADE e ACEITAÇÃO DA DIFERENÇA. Temos uma tradição de tolerância no nosso país antiga. Nosso primeiro Código Criminal de 1830, influenciado pelo Código Napoleônico de 1804 descriminalizou a homossexualidade. Ela deixou de ser crime e passou para o domínio da psiquiatria e passou a ser tratada como doença. O Código Napoleônico cria que desde que consentida e entre adultos, não poderia ser crime. Para vocês terem uma ideia, a Inglaterra descriminalizou a homossexualidade em 1967 e os Estados Unidos, o país mais rico do mundo, somente descriminalizou a homossexualidade em todos os estados, a nível federal, apenas em 2003! Olhem o disparate se compararmos com o Brasil! Ou seja, nossa tradição de TOLERÂNCIA é grande! Agora, a homossexualidade deixou de ser doença pela OMS em 17 de maio de 1990. Tinha CID. Era a CID-10. Todavia, ainda hoje, nos Estados Unidos, mais da metade dos estados americanos permitem, legalmente, a cura religiosa da homossexualidade! Como curar algo que não é doença?! Isso seria inaceitável no Brasil como tratamento clínico. Não creio que haja amparo legal para isso no nosso país.

Já a transexualidade só deixou de ser doença pela OMS recentemente. Embora essa informação tenha sido divulgada em 2018, somente foi oficializada durante a 72ª Assembleia Mundial da Saúde, em maio de 2019, quando foi adotada a nova edição da CID. No entanto, cada país teve até 1º de janeiro de 2022 para se adaptar à nova norma. E portanto, temos uma grande dívida com os transexuais que foram discriminados por tantos anos! Eles/Elas, as mulheres transexuais, só tinham duas opções: trabalharem em salões de beleza ou se prostituirem. Segundo dados da atual deputada federal Duda Salabert, 90% das mulheres transexuais no Brasil vivem da prostituição. A deputada federal Duda Salabert pretende criar cotas para essas pessoas. Algo bem justo. Apenas recentemente, após a retirada do rol de doenças da transexualidade pela OMS, que vemos alguns sinais de mudança. Perto da minha casa, em BH, num supermercado Epa, vi uma mulher transexual trabalhando como caixa. Fiquei tão feliz! Queria falar com ela que estava feliz por vê-la ali trabalhando decentemente. Mas obviamente não falei. Não quis constrange-la. Vi também uma garçonete num bar na Savassi em BH. As coisas começam a mudar. O que precisamos é justamente disso: DIVERSIDADE, pluralidade. Um lugar para todos na sociedade. TOLERÂNCIA já temos, como já disse, desde os primórdios do nosso império.

Precisamos mais do que DIVERSIDADE, uma ACEITAÇÃO DA DIFERENÇA, como propõe a teoria Queer no raciocínio de Richard Miskolci, professor da Universidade Federal de Santo André, São Paulo, no seu livro "Teoria Queer: um aprendizado pelas diferenças":

"Distinguir entre diferença e diversidade ajuda a compreender mais claramente a proposta queer. Uma perspectiva não normativa pode causar mudanças mesmo dentro de programas que têm o título de diversidade. Se a diversidade apela para uma concepção horizontalizada de relações, em que se afasta o conflito e a divergência em nome da conciliação, lidar com a diferença é incomensurável. Mas as diferenças têm o potencial de modificar hierarquias, colocar em diálogo os subalternizados com o hegemônico, de forma, quiçá, a mudar a ordem hegemônica, a mudar a nós mesmos. A diferença nos convida ao contato e à transformação; ela nos convida a descobrir o Outro como uma parte de nós mesmos" (MISKOLCI, 2012, p. 49).

Ah! Gostaria ainda de dizer que minha mãe doou sua biblioteca que possuía desde criança, que muito a ajudou, para a Academia Itaunense de Letras (AILE). Agora poderá ajudar e servir o povo de Itaúna.

Itaúna, 29 de outubro de 2022.

José Flávio Nogueira Guimarães
Enviado por José Flávio Nogueira Guimarães em 01/11/2022
Reeditado em 13/11/2022
Código do texto: T7640249
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