Sempre Que Alguém Nos Faz o Bem
Charlles Nunes

 

Todos nós já nos sentimos sobrecarregados com o acúmulo de tarefas a serem feitas em apenas um dia. Às vezes, parece que temos mais coisas a fazer do que horas no relógio.

Os estudantes, que trabalham num turno e estudam no outro. Os maridos e pais, que servem em seus chamados na igreja e buscam sustentar a família. E em especial as mães que cuidam dos filhos pequenos e da casa – e que às vezes trabalham fora também – todos esses sabem exatamente do que estou falando.

 

Naquelas fases da vida em que a lista de coisas pra fazer nos deixa correndo pra lá e pra cá, é um pouco difícil encontrar algum tempo livre pra buscar os interesses do nosso próximo.

 

Mas se observarmos bem, as oportunidades de servir começam dentro da nossa própria casa, e vão aparecendo ao longo do caminho por todo o dia. Sem treinar nosso olhar, é provável que não identifiquemos a maioria dessas oportunidades.

 

Como podemos então desacelerar e identificar as oportunidades de servir ao próximo?

Vou usar uma experiência familiar para ilustrar minha mensagem.

 

Minha esposa e eu tivemos quatro filhos, num período de seis anos. A famosa ‘escadinha’. Um dia nossa caçula – que tinha uns sete anos na época – estava terminando de tomar banho quando chamou a mãe. A Martha se aproximou e ela disse:

 

- Mãe, você me enxuga?

 

- Poliana, você desse tamanho, não sabe se enxugar sozinha?

 

- Ah mãe, me faz esse carinho?

 

A Martha cedeu ao pedido, e enxugou a Poliana. Ou seja, ela parou o que estava fazendo pra fazer um carinho na filha. Esse simples gesto se tornou uma memória afetiva importante pra nossa família.

 

Parar uma atividade para ajudar alguém pode fazer uma grande diferença na vida de todos os envolvidos. Tanto quem serve quanto quem é servido criam laços importantes.

 

Quando eu era rapaz, ouvi uma mensagem numa conferência de jovens que me marcou profundamente. Lemos em voz alta o capítulo 9 do livro de João. Conta a história de quando Jesus curou um cego de nascença.

 

Ao ponderar sobre a história, ficamos admirados com a coragem do homem que foi curado. Primeiro chamaram os pais dele e o interrogaram, porque a cura havia sido feita num Sábado, e os judeus queriam acusar Jesus de ter quebrado um mandamento. Quando o próprio homem foi interrogado, ele declarou com firmeza que o milagre havia sido feito por Jesus Cristo.

 

O tempo passou, eu reli a história várias vezes, e num dia minha atenção se voltou para as primeiras palavras do capítulo:

 

E, passando Jesus, viu um homem cego de nascença.

Então os discípulos perguntaram a Jesus quem havia pecado, para que o homem nascesse cego. Jesus respondeu:

Nem ele pecou nem seus pais; mas foi assim para que se manifestem nele as obras de Deus.

Tendo dito isto, cuspiu na terra, e com a saliva fez lodo, e untou com o lodo os olhos do cego.

E disse-lhe: Vai, lava-te no tanque de Siloé (que significa o Enviado). Foi, pois, e lavou-se, e voltou vendo.

Essa história tem dezenas de lições, mas quero enfatizar as primeiras palavras: E passando Jesus, viu um cego de nascença.

 

Ele estava indo para algum lugar. Ele não estava fazendo um tour pela cidade. Ele não estava passeando, nem procurando um homem cego para curar. Ao ver o homem, Cristo identificou uma oportunidade de serviço, de cura e de ensino.

 

Como seguidores de Jesus, como podemos utilizar essas duas experiências para aumentar nossa percepção? Eis alguns princípios que aprendi:

 

Princípio Número Um: Precisamos aprender a ouvir as pessoas.

 

Ouvir é muito mais que escutar. É escutar com atenção, sem ficar pensando no que você vai dizer em seguida. É demonstrar real interesse no que a pessoa está dizendo. Quando minha filha pediu à Martha que a enxugasse, o que ela queria mesmo é ganhar um carinho, um cafuné.

 

Princípio Número Dois: Precisamos acreditar que nosso serviço faz alguma diferença.

 

Existe um hino que tem a seguinte letra:

 

Sempre que alguém nos faz o bem, reflete o Seu amor, ó Deus.

Gratas lembranças ficarão, mais junto a Deus a nos levar.

 

Para nós, uma ação de serviço pode ser bem simples. Como por exemplo, dar uma carona. Mas para quem ganha essa carona, pode ter um grande significado. Imagine uma mãe com uma criança no colo, e bolsas pra carregar, embaixo de sol ou chuva... Uma carona pra essa pessoa é um verdadeiro alívio.

 

Princípio Número Três: Precisamos confiar que Deus pode responder a oração de alguém através do nosso serviço.

 

Eu tenho um amigo que perdeu um filho e uma filha. O filho, para as drogas. A filha, num acidente de carro. Na madrugada em que a filha dele faleceu, ele me chamou. Eu fui ao encontro dele imediatamente, e ficamos o dia inteiro juntos. Só voltamos pra casa depois do sepultamento.

 

Naquele primeiro momento, ele me pediu uma bênção de conforto. Enquanto me preparava para dar a bênção – eu de pé e ele sentado ali na cadeira – fechei os olhos, pus minhas mãos sobre a cabeça dele e antes de proferir a bênção, consegui sentir uma boa parte do que ele estava sentindo.

 

Anos antes, eu também havia perdido uma filha. Aquela, que a minha esposa enxugou como forma de carinho. Ela partiu aos nove anos. Depois da bênção, nos abraçamos e choramos juntos. Um bom tempo depois, ele comentou:

 

- Na hora em que fiquei sabendo do ocorrido, senti algo na minha mente: “Liga para o Irmão Charlles.” Não falei com o bispo, nem com os irmãos que me visitam. Obedeci e liguei logo.

Ao ouvir essa experiência, fiquei pensando sobre algo que eu já desconfiava: Deus sabe que eu existo. E Ele sabe que cada filho ou filha Dele que está aqui na Terra existe também. Inclusive você.

 

Irmãos e irmãs, nós precisamos ficar um pouco mais atentos ao que se passa ao nosso redor. Precisamos ouvir as pessoas, acreditar que nosso serviço importa e que Nosso Pai Celestial pode nos chamar a qualquer momento para consolar ou confortar alguém.

 

Depois que nossa filha faleceu, fiquei meditando sobre a vida dela – o quanto ela nos ensinou – e sobre os talentos que Deus me deu. Entendi que precisava escrever um livro. Escrevi um livro chamado Simplesmente Poliana. Desde 2010, eu envio esse livro em PDF como presente a quem o desejar. Ele é gratuito, e a mensagem do livro já serviu pra trazer um pouco de consolo a centenas de pessoas que enfrentaram o desafio da perda em diversos aspectos.

 

Que todos nós possamos aproveitar as oportunidades que temos para servir. Que possamos utilizar nossos talentos para parar, ver e ajudar aqueles que trilham conosco a jornada da vida. Eu testifico que ‘gratas lembranças ficarão’ entre nós e aqueles que servirmos.

 

Em nome de Jesus Cristo. Amém.

 

Lauro de Freitas – BA, 01 de janeiro de 2023.

 


 

Letra

  1. Sempre que alguém nos faz o bem,

    Reflete o teu amor, ó Deus.

    Bênçãos derramas sobre os teus

    Pelas bondosas mãos de alguém.

  2. Que dom maior se pode achar

    Que bem maior a vida tem

    Do que amizades que nos vêm

    Mais fé trazer e amparo dar?

  3. Se a vida um dia nos forçar

    A longe estar de um bom irmão,

    Gratas lembranças ficarão

    Mais junto a Deus a nos levar.

  4. Pelos amigos, cujo amor

    Proclama o nome de Jesus,

    E à nossa vida trazem luz

    Graças te damos, ó Senhor.

Letra: Karen Lynn Davidson, 1943–2019. © 1985 IRI

Música: A. Laurence Lyon, 1934–2006. © 1985 IRI