Tratado - Espelho

Na paz da minha guerra

A bondade me cansa como um monótono relógio
Minha compreensão se tornou incompreensível
Minha paz resolveu questionar tanta tranqüilidade
Num revés veio-me o que há de irracional em mim
Interrogo a cada instante a aceitação do formidável
Uma transtornada calmaria após um vendaval inquieta-me
Um cansaço de aceitação me parece mais um abandono
Já não sei se é pacífica ou passiva tanta permissividade
Transbordei minha taça de tolerância abstrata e inútil
Qual a verdade da calmaria senão que o lago congelou?
Mas o fogo está e queima, inquietas labaredas são contidas
Tal quietude me traz um leve, quase imperceptível terror;
Terror do que será e no que será que explodirei num instante
A qualquer instante, sem que haja sinal, serei mil partículas
E daí? Um tremor vago, mudo como um grito fotografado
E daí? E daí?

Não sei realmente o tamanho da catástrofe que me serei


Apresentando as armas*

Vou expor apenas o meu avesso.
A forma que utilizarei pode não agradar a ninguém.
Mas é um avesso.
E todo e qualquer avesso
é um emaranhado de nós
de desvios
de interrupções.
Um vulcão em erupção não seria um exemplo
Nem um maremoto traria à tona todo o meu tormento
Não quero compreensão e nem conselhos vãos.
Não. Quero algo que exponha o risco de uma ebulição
em que o sangue, a carne, músculos e vísceras
azulassem o porão.
Porão de arquivos esquecidos
e no entanto, nunca eliminados.
Quero berrar a ira
fazê-la partículas do pior de mim
Há um pior em mim
que eu mesma não reconheço a legitimidade.
Mas há.
Então. Deixa-me urrar o sofrimento
até torná-lo aceitável
Preciso desgastar a impotência
ante o escândalo da verdade.
No porão, há o verso
No verso, há o senão
No senão, há o inverso
E do inverso surgirei
até explodir como vulcão.


Sei exatamente o tamanho da catástrofe que serei.

Rose Stteffen / VestidadeÁgua