Aula 14 - Formulações Originais de Autores Brasileiros

In: MALANOVICZ, Aline Vieira. "Safári de T.O: o Percurso de uma Estudante Exploradora pela Diversidade das Teorias Organizacionais". Revista Pró-Discente: Caderno de Produções Acadêmico-Científicas do Programa de Pós-Graduação em Educação - UFES, v.27, n.1, 2021. Disponível em: https://portaldepublicacoes.ufes.br/prodiscente/article/view/28547 Acesso em: 31 ago. 2021.

Autores Brasileiros e a Crítica nas Teorias Organizacionais

A maioria das teorias e abordagens para o estudo das organizações que trabalhamos têm uma utilidade para a administração e a obtenção dos melhores resultados nas organizações, o que parece comprometido com os interesses e os valores da lógica hegemônica de mercado e, conseqüentemente, das pessoas que administram. Se isso é verdade, então as teorias e abordagens para o estudo das organizações estão cheinhas de ideologia, que às vezes está até perversamente disfarçada...  Glup! E agora, quem poderá nos ajudar? Também para não cair nessa conversa, é importante ser capaz de contextualizar as teorias ao estudá-las, de tomar consciência dos condicionamentos sociais e políticos que levaram à sua formulação, de usar a racionalidade substantiva, aquela que tem por base os valores, e de refletir “lógica, filosófica, ética e epistemologicamente” sobre elas, percebendo as falhas e acertos, os defeitos e qualidades, de cada conjunto de formulações teóricas proposto para o estudo das organizações. :-)

Por um lado, a burocracia, o corpo administrativo-funcional das organizações, é de fato o modo mais eficiente de organizar pessoas para atingir um propósito determinado, de acordo com a racionalidade instrumental. Mas também é o modo com que se estabelece a dominação racional-legal, pela legitimidade conferida à autoridade das leis e regras, que servem à lógica do mercado, e conseqüentemente, às pessoas que ocupam cargos diretivos, de comando e controle. Assim, a partir de uma necessidade de se organizar pessoas de modo eficiente, que surgiu lá na revolução industrial, parece que se estabeleceu um tipo de relação, aquela em que uns mandam e outros obedecem irrefletidamente, que se tornou a única aceita e autorizada, e se desautorizou qualquer outro tipo de relação entre as pessoas que, na verdade, compõem e produzem coletivamente a organização.

Por outro lado, as definições de homem econômico, social, administrativo, organizacional, funcional e tudo mais, todas entendem o indivíduo como acrítico, como apenas uma peça não-reflexiva dentro do conjunto de engrenagens da organização. Mesmo as características de algum grau de complexidade que cada definição determina para o indivíduo (habilidades, objetivos, necessidades, adaptação, trabalho em equipes) geralmente são voltadas à conformação dos interesses do indivíduo aos interesses da organização. A própria formação dos pesquisadores em organizações também permanece construída sobre bases acríticas, pois o ensino também é moldado para formar “peças de engrenagem”, pessoas que acatem as teorias, as técnicas, o “modo como as coisas funcionam”, e não tanto pessoas que reflitam a respeito dos acertos e falhas dessas teorias.

Mas os autores brasileiros que estudamos esta semana elaboram uma visão crítica do conjunto das teorias organizacionais, e com isso um modo diferente de conceber o indivíduo e o pesquisador em relação às teorias. O homem parentético é um elemento integral, não um conformado nem um ingênuo, pois tem identidade própria, age em nome de motivos próprios reais, faz uso de sua racionalidade substantiva para agir de modo ético e responsável, é livre para examinar o mundo externo e refletir conceitualmente sem ficar preso às crenças do senso comum, é capaz de formular um pensamento crítico sobre sua própria condição, seus valores e suas premissas, dentro e fora da organização.

E o teórico das organizações também deve agir assim: precisa ter capacidade de criticar, de estudar sempre criticamente as teorias organizacionais já elaboradas, e de tentar construir um “entendimento compreensivo” delas, segundo o contexto em que foram elaboradas, considerando a que interesses serviram, e aplicando a redução sociológica. Ao considerar a racionalidade substantiva, os valores e premissas do indivíduo na organização, o trabalho do pesquisador vai permitir uma abordagem substantiva da organização, consciente de que o indivíduo tem necessidades que não são satisfeitas pelo sistema social da organização de trabalho. E essa mesma consideração de valores e premissas se aplica à condição do pesquisador em seu estudo, para formular uma “teoria das organizações reflexiva”, que perceba dialeticamente as falhas e acertos das teorias propostas, suas contradições, e todas as possibilidades de “verdade” existentes nesse campo do saber.

Uma questão que poderia incentivar o debate sobre o tema seria:

Que maléficas forças sociais permitem à visão errônea do indivíduo como ser acrítico permanecer hegemônica nos estudos organizacionais por mais de um século?

29/06/08