ABORTO – AGRESSÃO A VIDA OU LIBERDADE DE ESCOLHA?

 

O que é a vida? Vida é apenas um conceito com numerosas faces? Podemos nos referir  a vida como um processo em curso do qual os seres vivos são uma parte; ao espaço de tempo entre o nascimento e a morte de um organismo; a condição duma entidade que nasceu e ainda não morreu; e aquilo que faz com que um ser vivo esteja… vivo. Metafisicamente, a vida é um processo constante de relacionamentos.

 

Quando começa a vida? Esta parece ser a pergunta crucial para os que defendem e também os que condenam o aborto. Por isso se fala tanto da "questão" da vida humana pré-natal e ela continua sendo muito importante para nossa sociedade, chamada a confrontar-se com os desafios de lidar com temas polêmicos como: aborto, precoces intervenções terapêuticas e diagnósticos sobre o embrião e sobre o feto.

 

Mas quem é o embrião humano? É um sujeito, um objeto, um simples amontoado de células? Que valor tem a vida humana precoce? É lícito manipulá-la nos primeiros estágios de seu desenvolvimento? Que grau de tutela outorgar-lhe? Estas são as interrogações que estão no centro do atual debate sobre o início da vida humana; poder proporcionar uma resposta amplamente compartilhada é fundamental pelas relevantes implicações não só no campo de saúde, mas para toda a sociedade e para o próprio futuro do homem.

 

Estas questões não só interpelam o biólogo, o especialista em bioética ou o legislador, mas cada um de nós, simples cidadãos, chamados a nos expressarmos em matérias delicadas e complexas. O amplo debate, freqüentemente com tons confusos, suscitado por estes temas, revela a necessidade de uma informação cada vez mais clara e objetiva para enfrentar com conhecimento e consciência crítica os novos desafios éticos e sociais do progresso biotecnológico. Por isso é importante esclarecer antes de tudo a natureza biológica do ser humano e das suas origens, o que se torna possível graças à contribuição dos numerosos estudos embriológicos, genéticos e biomoleculares que nos últimos anos permitiram descobrir os mecanismos mais íntimos do desenvolvimento inicial do individuo humano.

 

Para a Filosofia do Direito a vida é o maior valor humano e, portanto o maior bem jurídico (o maior direito). Impõe-se indagar: em que momento a vida de alguém começa? Desde que momento existe o bem jurídico: “o direito humano vida”?   A esse respeito, as opiniões são muito diversas.  Segundo textos talmúdicos, o feto recebe a alma após quarenta dias de gestação. No judaísmo, a vida se inicia a partir da fecundação. Opinião dividida por religiões subseqüentes, como o cristianismo. Segundo Hipócrates, o pai da medicina, opinião compartilhada por muitos geneticistas, a vida humana se inicia ou começa a sua existência na fecundação, posto que neste momento, todos os elementos genéticos para definir o futuro ser humano já estão presentes no material genético das duas células monozigóticas que se encontram.

 

Outros pensadores porém, como alguns neurocientistas, juristas de uma forma geral e filósofos da antiga Grécia, partilhados pela religião islâmica, acreditam que a vida humana demora um pouco mais para aparecer. Seus argumentos são diversos. O islamitas acreditam que a alma só seria incorporada à matéria após doze semanas de gestação. Há ainda quem defenda o início da vida a partir da décima sexta semana, quando o cérebro já está anatomicamente formado e outros mais radicais defendem que só há vida a partir da vigésima oitava semana, quando o feto inicia sua relação com os sentidos.

 

Sérgio Ferraz, jurista, professor e advogado, seguindo o pensamento de alguns aludidos especialistas, assim se expressa: "Uma coisa é indiscutível: desde o zigoto, o que se tem é vida, diferente do espermatozóide e do óvulo; vida diferente do pai e da mãe, mas vida humana, se pai e mãe são humanos. Pré-embrionária no início, embrionária, após, mas vida humana. Em suma, desde a concepção há vida humana nascente, a ser tutelada". Responder esta questão parece ser muito mais uma resposta a questão da legalização ou não do aborto, do que a procura pelo sentido da vida e sua existência.  Que males e/ou benefícios traria a população uma lei que permita a mulher escolher se quer ou não abortar?

 

Supõem os defensores do aborto que seria uma maneira radical de diminuir o número de abortamentos clandestinos e sua morbimortalidade. Admite-se, no Brasil, uma mortalidade materna em torno de 4,5 por 100 mil nascimentos vivos, em abortos provocados, o que representa um fato lamentável e muito grave.  A legalização, portanto, seria uma forma de preservar a vida daquelas mulheres que querem ter a liberdade de escolher se querem ou não ser mães. Para estes a mulher é livre e dona do seu corpo e dele pode dispor como quiser. Estes ainda defendem que a batalha pelo aborto livre resulta numa luta para a liberdade da mulher. É, portanto uma questão de poder. De reafirmação feminina, uma resposta ao domínio secular do homem.

 

A questão da interrupção voluntária da gravidez (aborto), hoje é um problema com dimensão política, porque de saúde pública. Para estes a proibição não faz com que a mulher que não pode (ou responsavelmente não quer) ser mãe aceite o filho indesejado. Tudo isto apenas a empurra para o aborto clandestino. A consciência tem o seu espaço de respiração na liberdade e na responsabilidade. Se o aborto for legalizado, então, de fato, levar adiante uma gravidez indesejada ou aceitar, livre e responsavelmente, dar vida passará a ser um problema de consciência, de escolha pessoal.

 

Os que defendem a não legalização argumentam que tal tipo de raciocínio reflete não somente uma maneira de se entender as relações mãe-filho, mas de modo mais amplo, todo um estilo de viver a sexualidade. Com a liberação total da prática do abortamento, o “consumo do sexo” ficará associado a todas as demais formas de consumo porque então tudo se reduzirá à busca egoísta do prazer. A banalização do aborto tem como premissa e conseqüência a banalização do ato sexual. Estes não acreditam que o aborto oficial vai substituir o aborto criminoso. Ao contrário, vai aumentar. Pois o aborto criminoso continuará a ser feito por meio secreto e não controlado, pois a clandestinidade é cúmplice do anonimato e não exige explicações.

 

Estes até admitem uma discussão ampla do problema, convocando-se todos os segmentos organizados da sociedade para esse debate com vista a uma possível alteração dos códigos. O que não aceitam é instigar ou aplaudir, por razões ditas “humanitárias” e “ideológicas”, o simples desrespeito à lei e a pregação à desobediência civil. Para eles uma coisa deve ficar bem clara: indiscutível é o direito inalienável de existir e de viver; outro, de limite discutível, é o direito de alguém dispor incondicionalmente da vida alheia. 
 

No direito brasileiro e na codificação ética vigente, o aborto deixa de ser ilícito apenas quando feito pelo médico, para salvar a vida da gestante ou para evitar o nascimento de uma criança gerada por meio de estupro. Reconhecem-se, portanto, duas formas de exclusão da antijuridicidade desse delito: a indicação médica salvadora e a indicação piedosa ou sentimental. No entanto, algumas decisões judiciais, em locais diferentes, autorizaram recentemente o aborto em casos de anencefalia. Mesmo não sendo considerados eugênicos nem suficientes para criarem uma jurisprudência, isso certamente será um precedente quando outros magistrados se pronunciarem em casos semelhantes.

 

Cabe, portanto, questionar aos que são contra a legalização: nestes casos o aborto deixa de ser crime? Por quê? Não continua sendo uma vida arrancada do útero materno? Seria legítima defesa (no caso de colocar em risco a vida da mãe)? Eugenia (nos casos de má formação)? E nos casos de estupros? Se abortar é crime, porque não se pode matar um ser indefeso, não entendo como possa deixar de ser nos casos acima mencionados. Temos o direito de decidir apenas quando se trata de vidas saudáveis? Isso é mais humano? Pessoas especiais valem menos? Frutos de relações violentas não devem nascer? E o que fazer com milhões de gravidez que surgem assim, mesmo vindas de famílias legalmente constituídas? 

 

O aborto sempre será um trauma para quem o pratica, não é fácil jogar fora parte de você, mas há quem jogue no lixo os filhos indesejados, quem os coloque em caixas e abandone nas estradas, em rios, etc., quem faz isso não está preocupado com o que a lei pensa. Quer “livrar-se” de um problema. Leis não vão mudar suas vidas, simplesmente porque elas não as têm. E quem tem recursos, vai para uma clínica e faz seu aborto a revelia da lei. No processo de abortamento - tanto no liberado como no clandestino - a mulher sai dilacerada, ofendida, ultrajada. Com seu útero vazio, mas com seu coração cheio de dor e ressentimento.

 

Deixo um último questionamento: Se a morte ocorre com a interrupção da função cerebral, a vida começa com o início da função desta? Ou a vida é mais que um cérebro em funcionamento?

 

 

Da Série: Artigos Sobre os Temas CF 2008, escritos para o Caderno Expressão da Gazeta do Oeste.

 


* Imagem: http://www.fotosearch.com.br/DGT090/42-17334119/

 

 

 

Ângela M Rodrigues O P Gurgel
Enviado por Ângela M Rodrigues O P Gurgel em 15/07/2008
Reeditado em 19/02/2012
Código do texto: T1081520
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