Quando tudo muda.

Não foi uma ou duas vezes que ouvi pessoas reclamarem das que a rodeiam, divagações a respeito de comportamentos desnecessários, onde o grande amigo já não parecia mais exercer a figura do grande amigo, a namorada exalava um ar distante e os colegas de turma vestiram novas máscaras que não mais cabiam no mundo do reclamante.

Várias das vezes a boca que tecia as infelicidades era propriamente a minha. O ser humano não lida bem com desapontamentos, embora sejamos o ser mais mutável com os pés na Terra, ficamos semi-loucos com situações que movam mais de dois grãos de asfalto debaixo de nossos calçados.

Passei então a perceber que muitas das vezes que me incomodava com o comportamento de uma amiga, familiar ou grande amor (que parecia já não ser tão grande assim), e sem um mínimo de complacência apontava o indicador às suas falhas estava me esquecendo que tudo parecia tão diferente exatamente por eu mesma ter mudado minha essência.

Tendemos a ver as pessoas como espelhos. Queremos ao nosso lado apenas aqueles lustrados e de linda moldura, não toleramos imagens foscas ou pequenas trincas e, ignorando toda lógica, não reconhecemos que muitos dos defeitos alheios carregávamos em nossas próprias almas até alguns instantes.

Os raros que conseguem visualizar ao invés do espelho alheio os seus próprios sofrem com o que vêem, estranham-se e alteram-se. E ao alterar o próprio mundo interno – tarefa das mais difíceis – passa a não tolerar que outros mantenham a característica que de si eliminou. A intolerância cresce, se transmuta em distanciamento, mágoa e saudade a cada instante em que se recorda de um tempo quando a outra pessoa lhe cabia tal qual luva. Mas nunca, em hipótese alguma, somos capazes de recordar de quanto nos custou mudar nosso comportamento. Queremos todos que nos rodeiam únicos, iguais, nunca díspares ou ao menos semelhantes.

Talvez por isso, atualmente seja tão raro contemplar as famosas bodas de ouro, e não digo apenas nos relacionamentos conjugais, mas também nos fraternos. Já não existe o cultivo da tolerância em nossos corações, não entendemos que para amar e ser amados necessitamos reconhecer a beleza do amarelo mesmo que preferimos vestir o azul. Não entendemos que o fato dela não desejar ardentes noites de amor dia após dia nada isso tem a ver com a intensidade do seu sentimento. Amizade e amor não se fazem de intermináveis horas de sexo, noites em claro regadas a bebedeiras e conversas. Amor e amizade se fazem de tolerância, respeito e sutileza pra ler nos olhos do outro alguém o que não se faz necessário expressar em palavras.

Kari Capraro
Enviado por Kari Capraro em 11/02/2006
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