ESTUPRO: Um Crime Contra a Feminilidade...

 

As discussões que envolvem a violência sexual e, em especial, o estupro (em minha opinião o crime mais violento cometido contra a mulher), foram historicamente recortadas por vários fatores: a cultura machista, o recrudescimento do medo, a reforma dos códigos, os pedidos de agravamento das penas, os tratamentos para criminosos potenciais etc.

Assim, a verdadeira história do estupro – uma violência sexual mais comum do que imaginamos – ainda não foi escrita, dificultando o entendimento de seus limites e o sentido do crime, bem como a maneira de defini-lo e de julgá-lo. É impossível precisar e comparar quantitativamente o estupro, assim como apontar a primeira e/ou última vítima.

Por ser um tipo de violência de caráter complexo, pois envolve o corpo, o olhar, a moral e os sentimentos o estupro é mascarado em estatísticas imprecisas e maquiado por um falso moralismo. Na perspectiva de gênero, é uma ordem social de tradição patriarcal, na qual a mulher tem um papel “passivo” na relação social e sexual entre os sexos. É uma intimidade imposta que humilha e envergonha a vítima, cuja publicidade, paradoxalmente, é necessária para identificar o estuprador e é ultrajante para a vitimada – são poucos os casos em que a vítima seja um homem.

A violência sexual do estupro é uma prática social secular típica de um “mundo machista” que assegura aos homens o direito de agir através de uma brutalidade surdamente aceita e compartilhada por suas vítimas. De modo geral, o estupro – fenômeno sociocultural – é uma forma de violência sexual que se efetiva através de uma prática não-consensual de sexo, imposta mediante o uso ou ameaça da violência contra mulheres, homens e crianças – pessoas na condição de incapazes de consentir o sexo.
         
         No Brasil, as estatísticas e observações sobre essa violência sexual cotidiana são cada vez mais evidentes e estarrecedoras. Mas, como quase tudo que não ameaça diretamente o “mundo dos homens-machos”, tende a ser vista como algo que faz parte da normalidade da nossa hipocrisia social.


Contudo, contrariando a cultura machista, as transformações positivas nas relações de gênero, mesmo lentas, estão acontecendo. Nos últimos anos, tem aumentado o número de queixas, prisões, condenações e a visibilidade, provocado, principalmente, pelo rompimento do silêncio relativo que as mulheres mantinham com os atos atrozes dos agressores, que misturam o sangue ao desejo e à sexualidade.

Atualmente, a imagem do estuprador inverteu de posição – numa espécie de deslocamento do horror –, no imaginário social, com a imagem do assassino torpe. De acordo com o Código Penal Brasileiro, o estupro é uma violência sexual que se caracteriza pela penetração (ato sexual consumado) sem o consentimento da mulher ou quando esta é drogada intencionalmente para a prática sexual.

      Todavia, para além da ambigüidade terminológica e da complexidade do fenômeno da violência contra a mulher, é preciso tentar compreender os estereótipos de gênero e a condição feminina no âmbito das relações sociais de sexo que condicionam a sexualidade da mulher à passividade e à reprodução.


As estatísticas, entretanto, revelam quase sempre, apenas os estupros acontecidos fora da convivência familiar, mas se entendido em seu sentido mais amplo há muitos casos de estupros entre casais que coabitam, onde o “macho” para garantir seu papel submete a “fêmea” aos seus caprichos, seus desejos.

         Nestes casos, quase sempre a mulher silencia e sofre, não apenas no corpo, mas na alma, as marcas deixadas por uma tirania que substitui o que deveria ser um momento sublime, pleno. Quando a mulher é invadida por um agressor, todo o seu mundo parece ficar negro: sua alma sangra e seu corpo, agredido, passa a abrigar um mundo de medo e terror, os sonhos desmancham-se no ar e o desejo, tão natural, passa a ser algo sujo, reprimido, suplantado pela vergonha.


O estupro é uma forma de negação da feminilidade. É a atrocidade substituindo o carinho, a barbárie agindo contra a ternura, a fúria assumindo o lugar da doçura, o terror chegando onde deveria haver apenas encanto. Mulheres vítimas de estupro tendem a fechar-se em seu mundo e negar sua sexualidade. Claro que isso não é regra. Há casos e casos. Os problemas sexuais são de muitas ordens, mas as seqüelas deixadas pela violência são feridas que demoram a cicatrizar, pois mais que na carne elas ficam expostas na alma.

 

* Da Série: As Muitas Faces da Violência. 


 

Ângela M Rodrigues O P Gurgel
Enviado por Ângela M Rodrigues O P Gurgel em 08/08/2008
Reeditado em 25/11/2012
Código do texto: T1118441
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