SOBRE A MENTIRA E OS MENTIROSOS

Críticos de Adolph Hitler afirmam que ele teria dito que “As grandes massas cairão mais facilmente numa grande mentira do que numa mentirinha”. Muito embora não haja dúvidas de que a essência de tal afirmativa fizesse parte do pensamento daquele sanguinário ditador, não se sabe se de fato ele a fez: estrategista habilidoso como o era, dificilmente ele diria algo que, ao se tornar público, pudesse depor contra o seu poder de manipulação. Mas o que é uma mentira? Por que as pessoas mentem? Qual o perfil do mentiroso?

O psicólogo Márcio Garde classifica a mentira em três tipos: o social, o profissional e o doentio. A mentira do tipo social é a que serve para justificar pequenas falhas, atrasos a um compromisso, etc.; a profissional é aquela utilizada por empresas prestadoras de serviços e por comerciantes em geral sobre a qualidade de seus produtos ou para justificar possíveis defeitos destes – também é a mentira dos políticos que manipulam as massas para se perpetuarem no poder. Por fim, a mentira doentia é aquela que alguém utiliza para enganar, manipular e/ou prejudicar alguém para atender à própria vaidade ou interesses pessoais.

A mentira existe enquanto um produto da comunicação humana. Ela não teria outro sentido que não o de fazer alguém crer em algo que não existe de fato – exceto nos casos em que a pessoa mente para si mesmo, convencendo-se de que é aquilo que lhe é mais conveniente. É um comportamento verbal aprendido e mantido pelas conseqüências que produz, ou seja, após contada, a mentira depende de outras mentiras para permanecer com aparência de verdade. Anais Nin, escritora francesa do século XX, ícone da literatura erótica, disse que “A origem da mentira está na imagem idealizada que temos de nós próprios e que desejamos impor aos outros”; eis uma clara definição de mentira patológica.

Ninguém nasce mentiroso. Mentir é um comportamento que se aprende em função do meio ou de um estado patológico em que o mentiroso está imerso. Na grande maioria dos casos a mentira está associada à desonestidade, à falta de caráter. Dentro da Psicologia existe uma área de estudo denominada de “correspondência entre o fazer e o dizer”, cujas variáveis que investiga estão relacionadas ao comportamento de dizer a verdade ou mentira. Para o psiquiatra e pesquisador da Universidade Nacional de Brasília, Raphael Boechat, o hábito de mentir quase sempre é indicativo de distúrbios psiquiátricos.

Entre os casos de mentira doentia, especialistas apontam como principais patologias a personalidade narcisista, em que o indivíduo sente necessidade de supervalorizar suas capacidades, atributos e realizações. Alertam, entretanto, para que não se confunda narcisistas com os portadores de delírios: o delirante acredita na mentira que conta como se verdade fosse. Santo Agostinho já tratara dessa questão: “Quem enuncia um fato que lhe parece digno de crença ou acerca do qual forma opinião de que é verdadeiro, não mente, mesmo que o fato seja falso”. Enquadra-se nessa assertiva, além dos delirantes, os que são levados a crer em fatos falsos que aparentam ser verdadeiros e os divulgam.

Há também duas outras patologias que se destacam pela prática da mentira, segundo os especialistas. Uma é a personalidade psicopática e a outra é a chamada “Síndrome de Münchhausen” ou “pseudologia fantástica”. O psicopata é capaz de mentir olhando nos olhos e com atitude completamente neutra e relaxada; ele não sente remorsos, não se arrepende e reincide sempre. Já o portador da “Síndrome de Münchhausen” caracteriza-se por uma compulsão a fantasiar uma vida fictícia para impressionar outras pessoas. Em ambos os casos o indivíduo busca obsessivamente a admiração dos outros: quer se mostrar sempre mais inteligente, mais bonito, mais capaz, etc.

Definir a mentira apenas como o contrário da verdade é ir de encontro ao seu verdadeiro significado. O ato de mentir está relacionado à intenção de enganar, ludibriar, e não de apenas deturpar a verdade. É a intencionalidade que define a mentira – o mentiroso, patológico ou não, sabe conscientemente que está dirigindo a alguém um enunciado falso e, mesmo assim, o faz, dando a entender que diz a verdade.