Pos-modernismo / A poética do caos

Os primeiros passos do Pós-Modernismo soam pelos anos de 1950. A partir dos anos 60, já se podem, além de produtos literários irridentes nos grandes centros de cultura, registrar vagos teóricos como C. Wright Mills, Irving Howe, Harry Lewin, Leslie Fiedler e outros que valorizam não a forma mas a experiência, a auto-suficiência da obra literária, o talento artístico levado ao extremo, o ataque à integridade da obra que se torna complicada, desestru-turada e repassada de ironia - o que já são características do Pós-Modernismo.

De1970 em diante, o Pós-Modernismo torna-se uma realidade. Ensaios de Ihab Hassan, William Spanos, Robert Venturi, Charles Jencks o estudam e fundamentam em variadas áreas culturais. Fundamental para a consolidação do Pós-Modernismo foi a obra The dismemberment of the Orpheus: tow-ards a postmodern literature (1971; 1982) de Hassan para quem o contexto da emergência do pós-modernismo se fazia no âmbito do que ele chama de literatura do silêncio que, mais do que uma ausência de enunciados, aceita: a recusa da forma artística e a transgressão; a alienação da razão; a subversão da linguagem; a busca do êxtase, do transe e da concentração da consciência sobre si mesma. E sempre a vontade de desestruturar, desmembrar, destruir e nesse contexto buscar “uma nova força criativa”, uma recriação heróica, obrigando o silêncio a ser fala. Sempre também uma ironia sacramental diante da criação e tornando-se a “suprema inteligência da antiarte”. Para ele - comenta Steven Connor - “a era pós-moderna é marcada por uma radical decomposição de todos os primcípios centrais da literatura”.

Sendo assim, a experiência, em seu agir dirigido pela vontade da originalidade, fica ante o seu próprio produto que é desordenado ou em estado de caos.

Como, a partir dessa situação, construir o produto literário? Uma das formas é articular essas atitudes opostas e contraditórias, integrando a consciência da alienação e incoerência, o que bem pode fazer-se com o apoio da ironia. Alan Wilde ensina e interpreta essa ironia. Nada de consertar o mundo, antes passar para um mundo além do reparo. Nada também de profundidade ou transcendência. Nenhuma verdade além do visível e do que o mundo é. Vive-se no mundo e nada de ausências desse mesmo mundo no poema ou texto que se escreve. Vive-se no mundo e o que importa é que haja e se cultive a consciência desse mesmo mundo numa interação dinâmica e comunicativa. Que texto e mundo se acomodem.

Daí que o texto pós-modernista é não descritivo mas genealógico ou construído. Tem de movimentar a mecânica da construção. Tem de ser construído. O produto ficará, evidententemente, caótico, vez que foi criado, recriado com a plena consciência de que a realidade é um caos em si. Nada de querer conhecer ou compreender. No produto final cumpre destacar as diferenças, já que foi sobre as diferenças e até contradições que esse mesmo texto foi construído. O texto vale por esses novos elementos diferenciados, que atestam a criatividade. Daí o relacionamento, valendo o texto por esses elementos ou significantes criados. O que se quer é essa floração diferenciada, colorida, variada e não unificada. Jameson aproxima isso da collage:

"a percepção vívida da diferença radical é, em si mesma, uma nova maneira de entender o que se costuma chamar de relações: algo para que a palavra collage é uma designação ainda muito fraca".

Portanto, uma criatividade que se atém ou prende ao presente, ao imediato do presencismo, que faz correr as experiências em cadeia metonímica, dizendo, falando, entrelaçando, amontoando, dispersando, superficializando, criando significantes como um estendal de presentes vividos. Nessa forma de pensar, a memória fica reduzida ao mínimo. A poesia ou arte se regula a si mesma, fica auto-suficiente, sem necessidade e sem nada mais elaborar que a experiência amplamente diversificada e excessiva do momento presente.

Este o sentido do caos. Na base, uma experiência, intensificada, de que a realidade é caos ou desordem. Esta experiência, criando literariamente, também cria o caos. Quanto mais experiência, mais caos se torna possível gerar. Antonio Soares