Cinco laudas: mate-as ou as leia

Cinco laudas. Não matarás. Não matarás cinco laudas. Não, cinco laudas matarás. Veja! Isto É o que quero dizer: por que lutar pela sobrevivência das cinco laudas? Sim, por quê? O que representarão as cinco laudas quando deixarem de ser essa parte dessa uma lauda para serem cinco, cinco laudas? Um palpite: elas serão cinco laudas.

Pois bem, as cinco laudas poderiam ter qualquer personalidade! Sim, personalidade! Se posso matar as cinco laudas é porque elas têm vida. Mas, caso eu não possa matá-las... Não, as laudas não têm personalidade, elas têm formas. Sim, as laudas podem assumir quaisquer formas. Mas como podem assumir quaisquer formas se estão limitadas a este papel? Não, as laudas não podem assumir quaisquer formas (embora tenham forma). Digamos então que as laudas não podem nada. Sim, elas não podem nada, afinal, quem manda nas laudas é quem as escreve. Mas e quem as lê? As cinco laudas não seriam cinco laudas se não houvesse o leitor. As laudas seriam, sem o leitor, um papel de presente discreto, sem muitas cores (dependendo das cores utilizadas por quem escreve, claro). Ou poderiam ser um tapa-buraco nas portas sem vidro das casas. Poderiam ser também uma proteção para o piso das casas que estão sendo pintadas. Poderiam ser barquinhos de papel, chapéus de soldados, papagaios, enfim. Poderiam ser muitas coisas, mas não seriam cinco laudas. Então, elas continuam não podendo nada, afinal, quem escreve e quem lê determinarão o que será das cinco laudas.

Como afirma’ Marcelo Coelho, escrevendo no jornal Folha de São Paulo a respeito de um documentário chamado “Vocação do Poder”, “de perto, ninguém é mal-intencionado; de perto, ninguém é hipócrita ou cara-de-pau” . Considerando-se que de perto ninguém é mal-intencionado, quem escreve e quem lê devem lutar pela sobrevivência das cinco laudas. Entretanto, se ninguém é hipócrita, quem escreve não deve esconder seu desejo de lutar pela morte das cinco laudas. Sim, uma morte súbita, uma parada cardíaca fulminante das cinco laudas, longe de qualquer Pronto Socorro de Laudas, de qualquer UTI de laudas. Mas, se ninguém é cara-de-pau e quem lê apóia a sobrevivência das cinco laudas, quem escreve deve lutar por isso também. Afinal, o que seria de Quem Escreve se não fosse Quem Lê? Quem Escreve não seria mais Quem Escreve, seria Quem Fala, Quem Mostra, Quem Grita, Quem Explica ou até Quem Nada (claro que este nada refere-se ao fazer-nada de quem não faz nada). Portanto, com a licença de Marcelo Coelho, a questão continua, continua muito.

Vejamos o que diz Danuza Leão, também da Folha de São Paulo, quando discorre sobre a felicidade: “Só através da memória você aprende, adquire sabedoria, experiência, cultura; sem ela não há história, nem civilização, sem ela os livros não existiriam” . Pois bem, se só através da memória é que se aprende, adquire sabedoria, experiência e cultura, há que se descartar a utilidade das cinco laudas, basta-nos a memória. Parece simples, mas não é. Se Danuza Leão complementa dizendo que sem a memória não existiriam os livros, seria razoável considerarmos que os livros são conseqüência da memória. E de onde se originam os livros?

De laudas, muitas delas. Brancas, amareladas, rasuradas, numeradas, desenhadas nas margens, machucadas, sujas de gordura, com pegadas de animais, de qualquer jeito, mas laudas. Ou seja, as laudas estão para a memória como as formigas famintas estão para aquele pequeno inseto morto que não foi tirado do chão. Ninguém as vê nos seus esconderijos secretos. Mas elas existem e isso é fato comprovado pelo simples ato de matar um inseto, pequeno como seja, e esquecê-lo no chão. Elas surgem, rápida e famintamente. Assim são as laudas. Se há memória, logo um “faminto” ou outro inventarão de produzir as laudas. E elas podem ser sobre qualquer coisa: saúde, família, educação, história, bichos, casas, roupas, livros, homens (mulheres também), carros, pedras, átomos, elétrons, neutros e tudo mais que houver dentro da memória. As laudas comem tudo, puxam tudo para fora e expõem os intestinos da memória para quem estiver de passagem por elas.

Com tudo isso, a questão persiste: Matar ou não matar as cinco laudas? Há luz no fim do túnel. Bernardo Carvalho, do mesmo jornal (‘para variar’) escreve:

“Não é raro, nos grandes romances, o leitor deparar com um universo que ganha existência e se desdobra infinitamente pela leitura, em vez de se esgotar nela” .

Está aí uma grande frase! Observou, leitor? Através da leitura de grandes romances seu universo será infinitamente desdobrado. Já imaginou o que isso significa? Cada vez que você ler um grande romance, o fará com diferentes olhares, sua capacidade cognitiva será ampliada, sua memória será ativada, seu universo de significados se expandirá cada vez mais. Isso lhe trará benefícios físicos, já que seu cérebro estará sempre ativo e você correrá menos riscos de ter, por exemplo, o mal de Alzaimer (brasileiramente escrevendo Alzheimer). Trará também benefícios sociais, já que você nunca estará sem assunto nas conversas, devido à gama de informações adquiridas na leitura e releitura que você já fez de todos os grandes romances. Você será uma pessoa popular, conhecida e admirada pela sua erudição.

Viu aí, leitor? De que servem as cinco laudas, se você tem todos os grandes romances à sua disposição? E se você, leitor, já leu todos os grandes romances, não esqueça de fazer a releitura dessas obras. Lembre-se do desdobramento infinito do seu universo, proporcionado por essas releituras.

Portanto, leitor, pese com precisão a real validade das cinco laudas e decida, por si só, o que fazer com elas. Mataremos ou não mataremos as cinco laudas? Ora, o destino delas está em suas mãos.

Tathiany Andrade
Enviado por Tathiany Andrade em 02/11/2008
Código do texto: T1261843
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