VALE A PENA AMAR ?

VALE A PENA AMAR?

Josa Jásper

Vale a pena amar? Não deveria haver a menor dificuldade em responder afirmativamente a esse tipo de pergunta, mas parece crescer o número dos que a respondem com sérias reservas, e não é raro obtermos, mesmo, uma ou outra situação em que nos pareça sensata a correspondência de uma resposta negativa. Contudo, com pouca hesitação, posicionei-me frente ao tema. A hesitação corre por conta de diversos fatores. Primeiro, porque, numa sociedade caótica como a que vivemos, imersa em crises de toda a espécie - onde têm-se a impressão do império da violência em seus multiformes matizes e o franco desrespeito a tudo o que en envolve o patrimônio alheio, inclusive a vida, que é o maior de todos os patrimônios - falar do amor pode soar como idiotice ou até mesmo hipocrisia. Afinal, num contexto assumido de "cada um por si", quem poderia introjetar minhas palavras, por mais belas que fossem, quando é submetido constante-

mente ao exercício das emoções mais execráveis do ser, quando o contexto circunjacente só clama por vingança e só respira o desespero? Confesso, assim, um quê de pessimismo e desânimo, pois nada fere mais à minha lógica do que desnudar verdades impraticáveis ou lançar palavras ao vento .

O segundo receio deste tema vital é constatar, enquanto amo, o peso crescente da ingratidão dos meus amados. Também vejo outras pessoas que amam carecerem da dose mais ínfima de retribuição por parte do objeto de seu amor, seja ele qual for! Cônjuges trídos, pais desrespeitados, filhos desassistidos governos egoístas, políticos corruptos, religiosos hipócritas, povo rebelde, autoridades prepotentes são alguns dos itens desta galeria de aberrações ingratas que contribuem para desacreditar o amor como estilo aprovado de vida. Como dizer que vale a pena amar a quem não restou alternativa senão "caotizar-se" para sobreviver ao caos? Não seria melhor renunciar ao objeto de um amor que, não satisfeito em centralizar nossa vida em torno de si mesmo, ainda nos impõe a toda sorte de constangimento, seja ele meu pai, minha mãe, meu irmão, meu filho, meu próximo, minha Pátria ou até o meu Deus? MIL VEZES NÃO, diria eu, porém mesmo com este sincero e decidido "NÃO", sou forçado a admitir que o amor é mais uma atividade de risco do que um investimento, pelo menos em termos dos padrões de hoje.

Além do contexto social adverso e da rentabilidade incerta dos nossos atos de amor, há um terceiro motivo - talvez o principal - para que eu me atemorize em garantir que vale a pena amar: é a minha própria insuficiência ante a magnitude do tema! Todo homem é uma obra de amor, surgido do amor e voltado para o amor. Só será útil quando estiver a serviço do amor. Mas não é fácil transmitir tais coisas para um leitor de Século XXI, condicionado, diria eu, mesmo a contragosto, mais à postura do que escarra do que à daquele que beija, conforme sugere a metáfora empregada em um dos mais famosos sonetos de nossa língua (Augusto dos Anjos).

Pesados os riscos, sentir-me-ia, contudo, o mais covarde dos escritores, se não me alistasse entre os debatedores do presente tema! Mesmo que mais prudente me fosse a omissão, fugindo, assim, às dificuldades inerentes ao assunto, eu quero garantir-lhes que amar sempre valeu, vale e valerá a pena!

Para demonstrar-lhe, leitor, o quanto vale a pena amar, reproduzirei a história de uma mulher nativa, de nome Sarita, que não possuia expressão corporal nem graciosidade alguma! Andava cabisbaixa e vencida pela síndrome da deficiência de auto-estima. As mulheres de sua tribo eram entregues para casamento mediante o pagamento de dotes aos pais, invariavelmente representados por cabeças de gado vacum. Em geral, o pacto do noivo com o pai da donzela envolvia duas ou três vacas gordas e saudáveis, mas havia uma respeitável campeã, em toda a tribo, que fora cedida ao marido por cinco vacas. Onde essa afortunada mulher passava, os nativos não continham seus comentários do tipo: "Ali vai nossa mulher de cinco vacas!". Para Sarita, porém, o simples fato de alcançar ela própria um pretendente, já seria considerado um desempenho além das expectativas, suas e dos demais.

Isso perdurou por um bom tempo, até que surgiu na tribo um estrangeiro, chamado John Lincoln que, apaixonado por Sarita, resolveu, segundo os costumes tribais, pedi-la em casamento, dirigindo-se ao pai da moça para combinar o dote. Os amigos aconselharam ao pai da jovem a aparentar certa intransigência na postulação de seu interesse por duas vacas, para, na pior das hipóteses, receber, pelo menos, uma vaquinha esquálida, já que tinham por certo que, na própria tribo, ninguém seria capaz de oferecer por Sarita um mísero bezerro! Qual não foi, entretanto, a surpresa de todos, quando Lincoln antecipou-se à proposta paterna, oferecendo oito vacas por Sarita! Intrigado, o pai de Sarita questionou-o à parte sobre a razão de um investimento tão elevado em uma nativa tão carente de atrativos. O rapaz respondeu apenas que a amava. Insatisfeito, o pai da moça perguntou-lhe: "Mas vale a pena amar tanto assim?" A sábia resposta de Lincoln tornou-se proverbial entre os nativos: "Sim, porque eu estou certo de que uma pessoa se torna aquilo que julgamos que ela vale."

O rapaz estava certo! Nem preciso dizer que foi o casamento mais festejado na tribo! O mais surpreendente foi a transformação experimentada por Sarita, simplesmente porque alguém resolvera investir nela. Agora, onde Sarita passava, o povo dizia: "Ali vai Sarita, a mulher de oito vacas, orgulho de nossa tribo!" . Foi assim que Sarita passou a adotar um porte mais gracioso, a andar de cabeça erguida, a vestir-se com elegância e a encarar as pessoas nos olhos, como convinha, afinal, a uma dama de primeira categoria, a uma mulher de oito vacas... a única em sua tribo!

Vale a pena amar? Sem dúvida! Eu creio no poder trnasformador do amor! Não é pelo desajuste social que nos tornamos carentes de afeto, mas é pela carência de afeto que nos tornamos desajustados. Depois, é claro, forma-se um circulo vicioso...

Eu amo! Amo porque o amor é a maior de todas as virtudes; amo porque o amor é a maior força do Universo; amo porque Deus é amor! O reconhecimento das virtudes depende, é claro, de estarmos familiarizados com elas. Por isso não ouso calar-me, mesmo perante um contexto social que perdeu essa familiaridade, porque podem estar precisando de mim para readquiri-la... Para isso nasci poeta e para isso me fiz escritor. Que venham as críticas, as agressões, as feridas dos brutos e dos ingratos deste século! Deixo que o amor me absorva e triunfe sobre sobre a pretensa justiça dos meus juízos. O sofrimento é mínimo, quando se tem por bálsamo a paz da consciência. Vale a pena amar! Escrevo porque amo. Amo as letras! Amo as pessoas! Amo quem me escreve. Amo quem me lê!