A Compreensão Ecológica para Nossa Vida em Sociedade

Segundo Guatttari (2003), “O que está em questão é a maneira de viver daqui em diante sobre o planeta, no contexto da aceleração das mutações técnico-científicas e do considerável crescimento demográfico. Em virtude do contínuo desenvolvimento do trabalho maquínico, redobrado pela revolução informática, as forças produtivas vão tornar disponível uma quantidade cada vez maior do tempo de atividade humana potencial. Mas com que finalidade? A do desemprego, da marginalidade opressiva, da solidão, da ociosidade, da angústia, da neurose, ou a da cultura, da criação, da pesquisa, da reinvenção do meio ambiente, do enriquecimento dos modos de vida e de sensibilidade?”

Essa reflexão relaciona-se, de maneiras indiretas, com aquela de Celso Furtado apresentada pela professora Sueli a respeito do conceito de Desenvolvimento, no sentido de buscar o desenvolvimento da sociedade para a sociedade, e não para uma minoria. A visão naturalmente global da ecologia permite perceber que “a natureza não pode ser separada da cultura e precisamos aprender a pensar "transversalmente" as interações entre ecossistemas, mecanosfera e Universos de referência sociais e individuais”. Essa ecologia generalizada que Guattari (2003) preconiza “tem por fim descentrar radicalmente as lutas sociais e as maneiras de assumir a própria psique”.

A idéia dialoga muito proximamente com a visão de Nancy Unger sobre o (des)encantamento do humano que ocorre em nível subjetivo e que exige de nós uma “parada para reflexão” no sentido de perceber que “a busca sempre crescente de estabelecer um controle e dominação sobre a Natureza, sobre os outros homens e sobre os próprios ritmos da vida, leva-nos a perder a dimensão essencial da experiência humana (...) e sem a reapropriação de nossa humanidade, continuaremos a devastar o planeta, sujeitos a uma busca insaciável de segurança e controle, como ego-sujeitos que são a medida de todas as coisas” (Unger, 1991).

Essa postura do ser humano de tomar-se como referência para a “utilidade” da existência dos outros seres vivos, componente dessa lógica de dominação, a própria introjeção do poder repressivo por parte dos oprimidos é problematizada por Guattari, Unger e Paulo Freire. Somente a percepção dos discursos das ideologias que não se comprometem com o desenvolvimento da sociedade e de cada ser humano poderá iniciar a possibilidade da luta para promover a ética via o compromisso da solidariedade (Freire, 1988). Isso configura o princípio da ecologia social de Guattari (2003), que diz respeito à promoção de um investimento afetivo e pragmático em grupos humanos de diversos tamanhos.

Nesse sentido é que a proposta de Guattari consiste em “desenvolver práticas específicas que tendam a modificar e a reinventar maneiras de ser no seio do casal, da família, do contexto urbano, do trabalho (...) para reconstruir o conjunto das modalidades do ser-em-grupo”. Sua ecologia social trabalha na “reconstrução das relações humanas em todos os níveis, do socius. (...) Longe de buscar um consenso cretinizante e infantilizante, a questão será, no futuro, a de cultivar o dissenso e a produção singular de existência”. Nancy Unger também anuncia que temos que assumir que “nossa vocação existencial não é de subjugar as coisas, mas de deixá-las se manifestarem enquanto tais, e não enquanto objetos cujo valor reside em como podem servir a algum objetivo humano (...) pois a transformação da sociedade tem de estar vinculada a uma transformação interior, pessoal”.

E para Guattari (2003) são as “novas práticas sociais, novas práticas estéticas, novas práticas de si na relação com o outro, com o estrangeiro, como o estranho: todo um programa que parecerá bem distante das urgências do momento! E, no entanto, é exatamente na articulação: da subjetividade em estado nascente, do socius em estado mutante, do meio ambiente no ponto em que pode ser reinventado, que estará em jogo a saída das crises maiores de nossa época”.

Referências

• GUATTARI, Félix. As três ecologias. 14.ed. Campinas/SP: Papirus, 2003.

• FREIRE, Paulo. A pedagogia do oprimido. 18.ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1988.

• UNGER, Nancy. O encantamento do humano: ecologia e espiritualidade. São Paulo: Loyola, 1991.

07/12/2008