Solidão.
embebedada estou de casmurro e suas dores.
assim, dedico meu tempo a esses versos falhos.
não sei o que tu, ó leitor.
poderá conhecer sobre mim a partir deles.
apenas saberá de minha solidão constante.
e por fim, exclamará:
- ela é alguém que sofreu.
ou não.
remoendo lembranças, cá estou.
lembranças de meu futuro desejado, devo dizer.
é incrível a piada que a vida fez para mim.
de mim.
agora, parece não ter a mínima graça.
e lá está a solidão - aquela debochada - rindo-se:
- lhe disse que não te abandonaria.
não me abandonou.
ao contrário dos demais.
nunca fui daquelas pessoas atentas.
apesar de observadora.
não eram só os detalhes que me escapavam.
escapava-me tudo.
a vida.
não me dava ao luxo - ou a fraqueza - de desmonstrar a minha dor.
cinicamente, eu sorria.
acenava.
o mundo evancescia-se de mim, e eu mal notava.
- acho que eu evanescia do mundo também.
só notava quando a solidão debochava de mim.
novamente.
mas era tarde.
era muito apegada.
talvez, para recompensar o desapego a minha própria pessoa.
mas não eram todas as coisas que mereciam meu carinho.
na verdade, nem sei lhe dizer como era feita a escolha.
provavelmente, era por conta do acaso.
devota-me a aquela coisa sem valor.
e nela me espelhava.
acabava por me desapegar.
a inconstância da minha vida era o que a solidão mais gostava em mim.
sentia-me uma propaganda enganosa.
daquelas que prometem um final de semana feliz na praia.
e - por fim - acaba contemplando-lhe uma segunda-feira entediosa, num rio sem peixes.
nunca soube onde em mim morava esse slogan falso.
talvez, no sorriso que eu entregava a todos que por mim passavam.
viam-se encantados por esse sorriso que refletia o desespero.
com ele, eu gritava - enlouquecida - "me ame".
a minha vontade de trair a solidão era imensa.
embriagadas pelo desespero camuflado em encanto.
as pessoas aproximavam-se.
apaixonavam-se.
com todas as forças, lutava eu para adiar ao máximo a contemplação.
era só adiar, mesmo.
por que, mais cedo ou mais tarde, a segunda-feira entediosa chegaria.
e acabaria com tudo.
novamente, a solidão estava lá.
ria-se.
sussurava pequenos mal-dizeres ao meu ouvido.
nada que eu poderia fazer ou dizer.
ela tinha razão.
não vendo outra alternativa.
resolvi procurar-me.
enquanto a solidão segurava-me o pulso.
andei e andei.
por vezes, consegui encontrar-me.
meu eu estava tão choroso que eu preferia não lhe perguntar nada.
assistia a minha dor.
outras vezes, fugia.
tinha medo de me encontrar.
e descobrir-me.
o problema não está em descobrir-se.
mora no que será descoberto.
perguntava-me:
- e seu eu não gostar do que sou?
a dor estava em descrobri-se diferente do que és.
- diferente do sonha ser.
e saber que aquilo está tão intríseco.
tão ligado à essência.
que não pode ser mudado.
é matar-se.
fiquei na dúvida.
que também é mortal.
porém, esta é mais benevolente que a descoberta.
mata partes menores.
em intervalos de tempo maiores.
chorei no colo de minha companheira.
enquanto ela fazia o que mais gostava.
debochar-se de mim.
contando-me trivialidades ou mesmo lembrando das segundas-feira alheias.
uma vez, ela contou-me.
olhando para o teto como se falasse de um reprise na tv:
- o problema é que você se odeia.
nunca havia pensado nisso.
reflexições que você só pode fazer quando se está sozinho.
- com a solidão.
olhava com espanto para o chão:
- por que eu nunca havia notado isso?
então, foi que ela completou:
- foi minha culpa, é claro. levo as pessoas ao egocentrismo, já que só ficam em minha companhia. lhe ceguei. como fiz com tantos outros.
não levou-me só ao egocentrismo.
levou-me à loucura.
e quando não havia me restado mais nenhuma gota de sensatez.
entregou-me aos braços do fracasso.
sendo este o responsavel por me enterrar.
em vida.