A linguagem de Guimarães Rosa e o sertão mineiro em Sagarana

A linguagem encontrada nos contos “O burrinho Pedrês” e “ A hora e vez de Augusto Matraga” apresenta um verdadeiro desafio ao leitor. Guimarães Rosa introduziu uma grande novidade lingüística para a Literatura. Além de recriar a fala do sertanejo mineiro, Guimarães, recriou a língua portuguesa através de neologismos, empregando palavras tomadas de outras línguas. Rosa também usa em sua narrativa recursos comuns à poesia, tais como o ritmo, as aliterações, as metáforas, as imagens, obtendo dessa forma, uma prosa poética.

Outro ponto fundamental que devemos pontuar é a linguagem desautomatizada e o estranhamento que todo leitor se depara ao ler Guimarães Rosa.

A respeito de sua linguagem literária, o próprio autor assim comenta:

“Escrevo e creio que este é meu aparelho de controle: o idioma português, tal como usamos no Brasil, entretanto, no fundo, enquanto vou escrevendo, extraio de muitos outros idiomas. Disso resultam meus livros escritos em um idioma próprio, meu, e pode-se deduzir daí que não me submeto à tirania da gramática e dos dicionários dos outros. A gramática e a chamada filologia, ciência lingüística foram inventadas pelos inimigos da poesia”.

Neologismo:

Uma das principais marcas de Guimarães Rosa em sua narrativa consiste na criação de neologismos - que são empregos de palavras novas, derivadas ou formadas de outras já existentes.

Analisemos comentando o nome que dá título ao livro “Sagarana” em que temos um neologismo híbrido.

SAGA = radical germânico para designar narrativas em prosa histórica ou lendária.

RANA = sufixo tupi-guarani que significa ao feitio de, `a semelhança de.

Outra forma de neologismo encontrado nos contos analisados consiste em derivação prefixal

Um dos prefixos mais usados nos contos é “des” que vem com sentido negativo

Desgostoso, desassa, desfeliz, desinquieto.

Podemos ainda ressaltar no que se refere à criação de palavras novas a derivação sufixal, recurso estilístico que ressalta a linguagem popular.

Chegadinho, bocadinho, vaqueirama, assinzinho.

Ainda podemos pontuar a presença de neologismos formados de composição aglutinada que consiste na junção de duas palavras de modo que uma perde uma unidade fônica.

Santatônio = santo + Antônio

Santiamein = santo + amém

Nomopadrofilhospiritossantamêin = em nome do pai do filho e do espírito santo amém. Neste trecho sugere-se a rapidez com que Nhô Augusto fez o sinal da cruz naquelas circunstâncias em que se encontrava.

Há também nos contos analisados a abreviação que estabelece e retrata a nossa língua portuguesa.

P’ra em vez de para.

Vá- s’embora em vez de vás embora.

Deix’passar em vez de deixa passar.

Ixe em vez de virgem( interjeição)

Arcaísmos :

Nos contos Guimarães retrata a linguagem popular sertaneja que ainda existe no interior mineiro: arresistir, alembrar, quenta, achamento, agaranto.

Aforismo:

Aforismo é uma máxima, um trecho curto e sucinto que apresenta alguma reflexão, uma moral, que resume um pensamento. Guimarães Rosa é dono de muitos aforismos que ficaram famosos, resultado tanto de sua vasta cultura erudita quanto das experiências colhidas da vida no sertão.

“Joá com flor formosa não garante terra boa”

“É andando que cachorro acha osso”

“Quem vai na frente bebe água limpa”

Epígrafe no conto “O burrinho pedrês”.

Abre “Sagarana” a história do burrinho Pedrês.Na epígrafe encontramos uma velha cantiga, solene da roça “ E ao meu macho rosado,/ carregado de algodão,/perguntei: p’ra donde ia? / P’ra rodar no mutirão.”

Esta epígrafe refere-se no seu plano simbólico `a carga dos homens – fardos de algodão como fardo da vida, peso do mundo, a carga existencial. “ Preguntei p’ra donde ia?.De início, ressaltamos a forma arcaica do verbo a sugerir a ancianilidade do burrinho e o imemorial da indagação, a qual é da própria condição humana. “ Preguntei p’ra donde ia?”- a pergunta condensa a interrogação dos homens, do homem, dos filósofos, dos sábio: para quê? Por quê? De onde? Para onde? A resposta “ p’ra rodar no mutirão.

O sertão de Rosa:

Guimarães Rosa aprendeu essa tal “sabedoria lingüística” dele no sertão, também foi por lá que ele adquiriu sua imaginação literária, ouvindo estórias de vaqueiros, causos de caçada e pescaria e conversa fiada do povo. O próprio autor se orgulha de suas origens.

“Nós gente do sertão, somos contadores de histórias desde que nascemos. Contar histórias faz parte do nosso sangue, é um dom de berço que recebemos para o resto de nossa vida (...) por isso, nos acostumamos desde cedo `a imaginação e ela depois se integra em nossa carne e em nosso sangue fazendo parte de nossa alma, pois o sertão simboliza também a alma daqueles que o habitam.”

O sertão explorado por Rosa não é o sertão nordestino retratado nos romances regionalistas. Trata-se do sertão mineiro, familiar ao escritor marcado não pela aridez, mas pela abundância.

Guimarães Rosa apresenta uma natureza viva. Bicho, planta, morros é ser vivente. A palavra sertão nos contos analisados possui numerosas cargas semânticas, podendo apresentar- a realidade social, realidade política, dimensão folclórica e psicológica conectada com o subconsciente humano, dimensão metafísica apontando para as surpreendentes virtualidades da solidão humana.

Mayanna Davila Velame
Enviado por Mayanna Davila Velame em 21/12/2008
Reeditado em 19/05/2020
Código do texto: T1347263
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