O PAPEL DO CORPO NA VISÃO REICH

Wilhelm Reich é um pensador austríaco que viveu na primeira metade do século XX, de formação como médico e psicanalista; foi discípulo de Freud e depois seu dissidente. Seu pensamento tem por base a idéia de que a repressão sexual é o principal agente causador de neuroses que interferem diretamente nas relações entre os sujeitos; sua proposta é aliar algumas das teorias da psicanálise freudiana à filosofia marxista.

Para Reich o corpo é o centro de todas as relações entre os homens. Porque nele está contida a sexualidade e nele recai, inicialmente, a repressão sexual: que é o principal agente produtor de neuroses. Ora, se a libido é, conforme a visão reichiana, o motor de todas as ações humanas, é no corpo que essas ações se refletem, mesmo as ações que operam apenas no espírito, porque o espírito é vinculado ao corpo.

Reich é realista, para ele não há ações humanas desvinculadas das ações do cérebro, ainda que efetivamente tais ações aparentemente estejam fora do cérebro; o inconsciente está calcado nos conflitos que vão se desvelando entre o ser natural as contradições da sua existência. O mundo é basicamente movido pelas neuroses que são originadas da repressão sexual. Essas neuroses quase sempre começam na infância, reforçadas na ignorância acerca da sexualidade infantil. As neuroses produzem repressores, logo, todo repressor é também um reprimido. A sexualidade que Reich aponta na criança nada tem a ver com a reprodução nem com a sexualidade genital.

Se a libido é o motor da vida psíquica, a vida psíquica é o centro de todas as ações humanas, e a libido é emanada de “fontes corporais”, fica claro que para Reich o corpo é a base de tudo que se refere ao ser humano. A repressão sexual é, como já foi dito, o principal fator ordenador das neuroses que vão estar sedimentando todas as ações humanas.

Reich considera que as necessidades fundamentais do ser humano, que, segundo ele, são as necessidades fisiológicas, de alimentação e o desejo sexual, determinam fundamentalmente a organização social dos homens. As relações de produção, todavia, modificam essas necessidades fundamentais sem, no entanto, eliminá-las. Ao binômio necessidades fundamentais/relações de produção Reich denominou de Economia Sexual. A energia sexual é a mesma energia que move o ser humano para todas as ações que realiza, inclusive o ato de pensar. Como o homem é um ser que produz a sua subsistência a partir da transformação da natureza, implica que tudo aquilo que ele produz tem origem na questão sexual que está vinculada diretamente com o corpo, mesmo quando não refere à sexualidade genital. Os traumas envolvendo a relação com o corpo trazem reflexos diretos à potência orgástica do indivíduo, gera-lhe perturbações genitais que influirão diretamente na sua capacidade de o indivíduo gozar plenamente tudo aquilo que lhe poderá ser prazeroso na vida. A rigorosa educação de limpeza do corpo, proveniente dos hábitos burgueses, podem resultar num instrumento de repressão sexual.

Naturalmente, para Reich, o ser humano é impulsionado pelos prazeres que o corpo lhe proporciona livremente em contato com o mundo. Entretanto surgem uma série bloqueios impostos, primeiramente pelo meio, e depois internalizados pelo próprio indivíduo, sobre o corpo e sobre as ações vinculadas diretamente à questão sexual. A repressão sexual, como a gênese de todas as neuroses do indivíduo e a principal forma de opressão, é a base de todas as demais formas de se obstar a liberdade: é a grande fábrica de tiranos – desde aqueles das relações domésticas até os chefes de Estado. Os neuróticos, em essência, são portadores de impulsos pueris, cruéis e anti-sociais, tal qual descobrira Freud. Reich, entretanto, acrescenta aos fatores apontados por Freud elementos provindos do meio ambiente, da cultura e das exigências biológicas naturais.

Reich afirma que a repressão sexual nas crianças torna-as apreensivas, tímidas, obedientes, "simpáticas" e "bem comportadas" que, na idade adulta se tornam indivíduos submissos, com medo de quem representa a autoridade e, ao mesmo tempo, com anseio de exercer autoridade sobre outrem. O recalcamento – resultado da interiorização da repressão sexual – enfraquece o “eu” porque a pessoa, tendo que constantemente investir energia para impedir a expressão dos seus desejos sexuais, priva-se de parte de suas potencialidades. Para ele o indivíduo sexualmente reprimido tem medo da liberdade. O objetivo da repressão sexual é fabricar indivíduos para se adaptarem à sociedade autoritária, os quais se submetem a essa sociedade temendo a liberdade, apesar de todo o sofrimento e humilhação de que são vítimas.

Uma personalidade orientada para o prazer, segundo Reich, raramente exibe condutas violentas ou agressivas, ao passo que uma personalidade violenta tem pouca capacidade para tolerar, experimentar ou gozar plenamente atividades sexualmente prazerosas. Dentre as várias anomalias originadas da repressão sexual está o narcisismo, que é a atenção exacerbada do indivíduo sobre si mesmo como uma proteção contra a repressão imposta pelo mundo exterior. O narcisismo se traduz sobretudo na vaidade pessoal que norteia as relações desse indivíduo com o mundo. O narcisista é marcado por um egoísmo (manifesto ou não) que o leva a reagir todas as vezes que se sente comparado, enquanto indivíduo, a alguém ele considera inferior a si, ou as suas ações a ações que ele considera inferior às suas. Os tiranos, os ditadores, em geral, são narcisistas: têm verdadeira devoção por si mesmos e por suas ações.

A repressão sexual se dá inicialmente no corpo; começa a partir do momento em que se estabelece quais partes do corpo podem ficar visíveis e quais não podem; o que é permitido com o próprio corpo e o que não é permitido, indo até as condições materiais que determinam como, quando e onde satisfazer as necessidades provindas dos impulsos sexuais, alem, obviamente, das limitações impostas pelas normas legais, pela religião e pelos costumes.

Para Reich, as contradições da estrutura econômica de uma sociedade estão representadas nas estruturas psicológicas da massa dos oprimidos, e como essas estruturas estão alicerçadas na libido, a produção resultante da ação dessa massa de oprimidos é o que se constitui na economia sexual. Em síntese, a opressão, que sustenta a estrutura econômica é calcada em comportamentos doentios provindos da repressão sexual, que se efetiva no corpo, e possui uma tendência político-ideológica voltada para reforçar o sistema que mantém uma sociedade hierarquizada econômica e socialmente.

Referências

REICH, Wilhelm. Psicologia de Massa do Fascismo. Porto: Publicações Escorpião, 1974.

______________. A Revolução Sexual. Rio de janeiro: Zahar, 1968.

______________. Análise do Caráter. São Paulo: Martins Fontes, 1989.