PARA QUE SERVE O CORPO, SEGUNDO BERGSON

Henri Bergson é um filósofo francês que viveu no século XIX, de formação como matemático, que adota o método da intuição e propõe uma filosofia calcada no conceito de duração. Seu pensamento tem por base a crítica ao Idealismo e ao Realismo, desqualificando a maioria das teses da psicologia (psicofísica).

O pensamento de Bergson inicia a partir da observação que ele faz do seu próprio corpo e de suas relações consigo próprio e com o mundo ao seu redor. O papel do corpo em Bergson difere do papel que lhe é atribuído por Reich. Para este, é o corpo é o centro de todas as ações que põem a funcionar o universo humano, enquanto que para o primeiro, o corpo é um universo inserido em um outro universo maior e não tem um papel independente e manipulador daquilo que se apresenta no seu entorno.

"Atenhamos-nos às aparências; vou formular pura e simplesmente o que sinto e o que vejo: Tudo se passa como se, nesse conjunto de imagens que chamo universo, nada se pudesse produzir de realmente novo a não ser por intermédio de certas imagens particulares, cujo modelo me é fornecido por meu corpo. Estudo agora, em corpos semelhantes ao meu, a configuração dessa imagem particular que chamo meu corpo. Percebo nervos aferentes que transmitem estímulos aos centros nervosos, em seguida nervos eferentes que partem do centro, conduzem estímulos à periferia e põem em movimento partes do corpo ou o corpo inteiro. Interrogo o fisiologista e o psicólogo sobre a destinação de uns e outros. Eles respondem que, se os movimentos centrífugos dos sistema nervoso podem provocar o deslocamento do corpo ou das partes do corpo, os movimentos centrípetos, ou pelo menos alguns deles, fazem nascer a representação do mundo exterior. Que devemos pensar disto?" (BERGSON, 1990, 10)

Se para Reich o mundo é movido pelas neuroses advindas da repressão sexual: um mundo efetivamente humano e facilmente explicado pela ciência, para Bergson toda a relação do homem com o mundo está vinculada diretamente ao conceito de duração e é o cérebro que faz parte do mundo material. e não o contrário, ou seja, o mundo material não faz parte do cérebro. O paralelismo, a relação entre o corpo e o espírito, não é científico porque origina-se das teorias da Metafísica (Idealismo e Realismo). Bergson (1990) afirma que o seu corpo pode ser chamado de matéria ou imagem, não importa qual dos termos: sendo matéria ele faz parte de um mundo material e existe em torno dele e fora dele; sendo imagem só poderá o que nela for colocado, já que é, por hipótese, uma imagem apenas da qual não se pode querer extrair a imagem de todo o universo: “Meu corpo, objeto destinado a mover objetos, é portanto (sic) um centro de ação; ele poderia fazer nascer uma representação”.

Bergson, de acordo com Azambuja, critica o cientificismo, que procura todas as explicações possíveis pelo viés racional.

"A ciência, para Bergson, procura produzir conhecimento primordialmente a partir de uma perspectiva de tempo ideal ou lógico-matemática na qual seria possível apreender a realidade, mensurá-la e generaliza-la, como se a realidade se repetisse sempre a mesma no decorrer do tempo. É este um dos principais alertas de Bergson: tomar a realidade presa em um espaço de tempo é mortificá-la, é descolar o conhecimento da vida. Já devemos adiantar aqui que a realidade é vir-a-ser, impulso vital, duração." (AZAMBUJA, 2008, 1).

A crítica que Bergson faz ao realismo centra-se principalmente no fato de que para os realistas existe um conjunto de leis imutáveis que regem o universo no jogo em que causa e efeito se concatenam indefinidamente para a reprodução das imagens que representam esse universo. E essas imagens estão inter-relacionadas e vinculadas a uma imagem central, privilegiada, que é seu próprio corpo, a qual serve de ponto de partida para planos diferentes.

"O realista parte, com efeito, do universo, ou seja de um conjunto de imagens governadas em suas relações mútuas por leis imutáveis,onde os efeitos permanecem proporcionais às suas causas e cuja característica é não haver centro, todas as imagens desenvolvendo-se em um mesmo plano que se prolonga indefinidamente. Mas ele é obrigado a constatar que além desse sistema existem percepções, isto é, sistemas em que estas mesmas imagens estão relacionadas a uma única dentre elas, escalonando-se ao redor dela em planos diferente e transfigurando-se em seu conjunto a partir de ligeiras modificações desta imagem central. É dessa percepção que parte o idealista, e no sistema de imagens que ele se oferece há uma imagem privilegiada, seu corpo, sobre a qual regulam as outras imagens." (BERGSON, 1990, 16-17).

A proposta de Bergson é de uma construção de uma filosofia da duração, onde a funcionalidade temporal é uma realidade maior que o espaço. O conceito de duração em Bergson, segundo Azambuja (2008), há uma divisão em duração homogênea e duração heterogênea. Na primeira o tempo real psíquico é reduzido a imagens de espaço físico ou a unidades do espaço lógico-matemático; na segunda o tempo é empregado no sentido de existência, ordem ontológica, que opera no sentido de que uma mesma sensação nunca se repete. A duração, conforme Deleuze, é multiplicidade interna de sucessão, de fusão, de organização, de heterogeneidade, de discriminação, qualitativa ou diferença de natureza, uma multiplicidade contínua e intraduzível sob o ponto de vista numérico.

O corpo para Bergson é uma imagem que ocupa o centro da representação de todas as imagens que gravitam em torno dela. É objeto da percepção. A percepção é uma forma de conhecimento que não depende exclusivamente da atividade cerebral, uma vez que é projetada de fora para dentro, dispondo-se do espaço e da relação do corpo com ele. A imagem do corpo tem uma relação dialética com as demais imagens exteriores: atua recebendo e devolvendo movimentos, com a diferença que este dispõe da consciência para escolher como devolver o que recebe. O corpo é o centro da ação e serve de referência para o sentido.

REFERÊNCIAS

AZAMBUJA, Marcos Adegas. Duração: o tempo e seus entrelaçamentos com a psicologia. Porto Alegre-RS: 2008 (artigo apresentado na III Mostra de Pesquisa da Pós-Graduação na PURS – extraído da tese do autor de doutoramento em psicologia).

BERGSON, Henri. Matéria e Memória. São Paulo: Martins Fontes, 1990.

DELEUZE, Gilles. Bergsonismo. São Paulo: 34 , 1999.