Memórias

MEMÒRIAS

Dizem que a memória é um recurso que usamos para manter um imagem, uma situação, um fato qualquer dentro de uma vida, mas ela é mais, traz ao pensamento coisas que alegram, coisas que doem, coisas... É curioso como as pessoas conseguem lembrar de fatos como se fossem fotos, mas dificilmente como se fossem filmes. Podemos criar toda uma história a partir destas fotos, que vêm em ondas, sem ordem, para a superfície do pensamento.

Foi a partir de algumas fotos, reais ou “de memória” que comecei a escrever o que se segue, que tenho a pretensão de que seja a memória da minha vida do início, pelo menos...

Santa Vitória

Eram duas casas enormes, uma em frente à outra, rua deserta, poucos vizinhos, na pequena cidade onde nasci, ali, quase no Uruguai,cercada de águas por quase todos os lados, o mar (pedacinho do Oceano Atlântico), o “arroio”(Chui, que nos separa oficialmente do país vizinho), as lagoas ( Mangueira e Mirim), que envolvem o amistoso povoado de Santa Vitória do Palmar.

Numa das casas, vivia o vô ( a vó também,os “ criados”, os empregados, os “agregados”). Na outra, o pai, a mãe, a Amélia ( que a mãe chamava de filha, a vó, de criada e era um misto dos dois, daquelas que as tias chamavam de “negrinhas”, embora, geralmente, não tivesse nada a ver com a cor da pele, que as mães, mais do que pobres, "davam" para as famílias mais ricas da pequena cidade para que as criassem, pelo menos com um mínimo de dignidade, comida, roupa e, com alguma sorte, estudos). Quando eu vim a este mundo, finalmente e muito mais tarde, tornei-a quase numa “niñera”, uma espécie de babá de luxo, pois tinha status de familiar, obrigações de babá e uma outra família, meio misteriosa, a quem visitava de vez em quando.

A casa do vô, onde todos andavam curto e leve (que a vó era muito braba e, ainda, doente), tinha frutas, tinha doces, tinha o eterno sorriso brincalhão dele, que não se achava importante, mas era, que não se achava rico, mas era, que sempre achava que podia ser melhor, mesmo sendo muito bom. Era uma casa enorme, que tinha lado pra duas ruas, com pátio, jardim e horta, onde se poda ficar por horas brincando, comendo frutas ou, simplesmente, ficando. Era engraçada a casa do vô, por que atravessava toda a quadra e “dava” numa outra casa,com que compartilhava o pátio e que, mais tarde, se tornou a casa deles, esta também enorme, mais clara e com um jardim cheio de flores, pés de hortênsia coloridos e gritos da vó: “cuidado com as minhas plantas!”

A nossa casa, também grande, tinha tudo o que a outra tinha, pátio, horta, muito espaço e, até, uma cacimba, daquelas de tirar água, com corda, balde e perigo. Tinha o Dudu, mais um dos “negrinhos” do pai, este sim, bem pretinho.

Não lembro como funcionava nossa casa, nem sei como era antes de eu nascer, mas lembro de que tudo girava em torno da mãe. Melhor dizendo, flutuava em torno da mãe, que ela mesma flutuava pela casa, como se fosse uma pluma, sem tocar nas coisas nem nas pessoas, mas parecia estar sempre por ali. Dava ordens, supervisionava tudo, mas não participava ativamente de nada. Era bonita, a minha mãe.

Às vezes, visitávamos a "casa do Vovô", pai do meu pai, outra casa grandota, cheia de jardins, pátios e vidros. Tinha um jardim de inverno pra onde todos os vidros olhavam e onde gostávamos de brincar de princesa. Ele era um velhinho seco, numa casa fria, com um olhar fundo, sem sorriso. Homem de poucas palavras, poucas ouvi, sempre de repreensão. Era português, o vovô Pedro, falava um Português carregado, com sotaque de Portugal, que encantava aos netos, nas poucas vezes em que falava. Dizia sufá, durmire, ora pois. E nós, crianças, tentávamos fazê-lo falar só para ouvir o sotaque( sutaque, na verdade).

Apesar dele, a casa era uma festa, com seus jardins bem cuidados, os vidros, os pátios e, principalmente, a cozinha, quentinha e cheirosa. O final da festa era no quarto dos empregados, onde havia calor, cheiro de gente e de feno, onde íamos quase escondidos, pois “não ficava bem”( o que quer que isso quisesse dizer) aos “sinhozinhos” andar nos quartos dos criados. Será que eles podiam nos “pegar” a pobreza, a cor, a ignorância? Ainda que a escravatura já estivesse extinta há quase um século, ainda persistiam alguns conceitos e tratamentos desta época, ali, naquela casa, ali, naquela cidade.

O pai trabalhava em casa, era dentista e tinha um consultório na frente, para onde “saía” todos os dias de manhã e de tarde. A mãe era professora, trabalhava fora. O tempo todo, eu tinha o Dudu, sempre doce e amável, meu aio, meu anjo da guarda,“filho preto” que meus pais tinham recolhido, que cuidava de mim, mais tarde, do meu irmãozinho e até muito depois, de nós todos. Me fazia as vontades, comia a sopa, que eu detestava, pra o pai não ficar bravo comigo porque eu não queria comer. Tinha também a Amélia pra me embalar. E tinha o pátio, onde tudo podia acontecer (e acontecia). Artes, peças teatrais, brincadeiras, onde eu, atriz, autora e público, misturava, ávida, a vida. Muitas vezes, as crianças da vizinhança, primos, primas e “afins” iam lá em casa, invadiam o meu palco, meu jardim, minhas brincadeiras. Era até divertido poder dividir espaços, ter companhia para os vôos, sonhar junto com outras crianças os sonhos infantis. Sempre durava pouco, porque todos tinham horário, as mães, as niñeras, os pais vinham e levavam meus companheirinhos embora. Mas eu não ficava sozinha, porque sempre havia alguém que lia pra mim, me contava histórias, brincava comigo.O pai, que lia, lia, contava histórias, inventava vidas, interpretava. O vô também, mas as histórias dele eram todas inventadas, tinha cantos, encantos, sons e músicas, caretas, vozes, ele também autor e ator, só que, então, eu era público.

À noite, quando os “grandes” saíam e os outros iam deitar, eu corria pra biblioteca do pai, que era meio que terreno proibido durante o dia e “lia” todos aqueles livros do pai. ( de tanto fingir que lia, aprendi a ler de fato). Depois, quando cansava, corria pra minha cama e ficava ali deitada, tensa, amedrontada, esperando ouvir o barulho da chave do pai na porta. Só então, dormia. Muitas vezes, o Dudu dormia em frente à minha porta, pra eu ficar tranqüila, ou por que estava doente, com medo ou solitária.

Brincava de bola, bolita, boneca de papel, que recortava do “London-Paris” e da revista “ Cruzeiro” que a vó colecionava, com minha prima Tinoca e minha amiga Sandra e com os guris, meus vizinhos. E íamos crescendo, aprendendo a viver, uns com os outros, que aprendiam com outros iguais.

às vezes, muito importante, ia no "seu Silvio" o armazem da esquina, "defronte ao "Selo", comprar bala, ou tamancos, tinha de tudo no seu Silvio...

Um dia, eu, já crescidinha, notei que a mãe sumiu. Ninguém falava muito, mas eu sabia que ela tinha ido buscar meu sonhado e desejado irmãozinho, que estava pra nascer, no hospital. Eu não tinha muita noção de onde nem como sairia, mas sabia que precisavam da mãe pra isso. Esperei muito tempo, que o tempo, para nós, crianças é relativo, não sei bem quanto durou a espera, mas um dia uma das minhas muitas tias disse para me aprontar, que iríamos ao hospital ver o meu irmão, que tinha nascido. Fui. Não vi muita coisa, a mãe meio pálida, cansada, o doutor Flor, correndo pra lá e pra cá, que era o parteiro, o pediatra e o amigo; o pai, que, sorridente, mostrava uma trouxinha que se mexia e chorava;o Vô, gorducho e amável, cheio de orgulho; a vó, séria,mas com os olhos brilhando. Acho que tinha mais gente, ali, pra ver o ‘meu’ guri. Só eu, pequenina, não vi nada.Voltei para casa, frustrada, ansiosa, curiosa. O Dudu só falava no Gordo que vinha, a vó descrevia como a mãe tinha apertado a mão dela, que tinha ficado doendo, no esforço do parto, o que quer que isso pudesse ser. E eu lá, esperando, esperando,imaginando o que viria, já que o que eu queria, mesmo, era alguém para brincar, para me fazer companhia,mas me diziam que eu teria que “cuidar”, que era um bebê (grande coisa, um bebê! (Eu imaginava um bonequinho, quando diziam bebê), proteger e amar (como se eu já não soubesse e contasse com isso).

Só alguns dias depois, num dia chuvoso, escuro, eles chegaram, finalmente. Da porta do consultório, que era o lugar mais seco, no meio daquela chuva, vi aquele gurizinho, o meu bebê, meu irmãozinho. Parecia mesmo um grande boneco, corado, sorridente, gordinho, me apaixonei naquela hora, para sempre. Nunca mais consegui abandonar meu irmão. A qualquer lugar que fosse, menos ao “colégio” (aula particular com a Ziza, prima da mãe, a quem pedi, por minha conta, pra me ensinar a ler mas com quem aprendi muito mais, desde matemática, história e geografia até uma leve ironia para com a vida), lá levava o guri e sua singular ninhera, que tinha o estranho nome de Ninfa e cabelos rebeldes, sempre despenteados. Não fui a única a me apaixonar pelo Gordo, o vô parecia que nem tinha outros netos (e éramos quatro, com ele) também ficou fascinado pelo sorriso desdentado e bochechudo dele. Era uma criança alegre, com especial talento para ser feliz. À noite, quando todo o mundo dormia, eu rezava para um Deus a quem temia e desconhecia, para que cuidasse do meu irmão e, meio envergonhada ,meio culpada, sempre incluía meus pais, meus tios , meus avós, o Dudu, a Amélia, primos e primas nestas orações, mas queria mesmo era que Ele protegesse o “meu” menininho. Não sabia nenhuma oração de verdade, dessas que se aprende na igreja, por isso, falava com esse Deus como se ele fosse um guardião, um amigo poderoso, quase um feiticeiro, como os que ouvia nas histórias do pai e do vô. Mas sempre terminava minhas “orações” com o mesmo pedido: perdoa se fiz alguma cosa errada, mas dá saúde e felicidade para meu irmão e depois desfiava o nome dos outros todos, como se eu não falando neles estivesse fazendo uma espécie de “traição”.

Eu tinha muitos tios paternos, que eles eram vários irmãos, tinha também muitos primos. Eram muito unidos, todos, se visitavam, se curtiam, discutam coisas, se amavam de uma maneira estranha. Eu nunca os vi se abraçando ou trocando presentes, mas, de certa forma, sempre estavam presentes na vida dos demais, cada um cuidando e ajudando os outros, quando preciso.

A vida correndo vívida, vivida e corrida, era leve e solta. Brincadeiras, férias na praia da Barra, que vai ter um capítulo só dela, a “turma”, que era mais dos guris da vizinhança, os sonhos decorrentes das histórias que, já então, lia, aulas de balé, que eu era “muito talentosa”, segundo a professora. Minhas primas, todas mais velhas que eu, geralmente, não me queriam por perto, que já eram quase mocinhas e eu, pirralha, querendo me imiscuir nos seus assuntos. Mas eu as admirava e tentava imitá-las. Aliás, éramos duas, a Tinoca (só dois anos mais velha) e eu, as primas pequenas, as “desprezadas”. Eram lindas as minhas primas. Parecia que tinham tudo, beleza, inteligência, simpatia (bem, não tudo junto em todas) E eu seguia em frente, vivendo e aprendendo a crescer, crescendo e tentando viver. Brincando, sonhando em, um dia, poder participar das coisas “de moça”, que criança não sabe ou não pode. Na verdade, nunca fui muito criança, mas não deixava que ninguém soubesse das coisas que eu via e entendia.É que quem cresce sozinho, costuma crescer em silêncio e, por isso, amadurece mais depressa. Até “ganhar” o Cuco, meu bebê, era como eu levava a vida, em silêncio. Depois, eu já não me sentia mais só, cantava, contava para ele as história que tinha aprendido com o pai e com o vô . Em minha casa, todos cantavam, meu pai era tenor, minha mãe, soprano , cantavam nos festivais da cidade, tinham vozes lindas, com eles, aprendi a musicar a vida. Tinha também a tia Helena, que tinha uma voz linda e cantava nos festivais,nos casamentos ( a AVE MARIA).

No início, quase não conhecia músicas do Brasil, já que nossa cidade ficava na fronteira e só pegava rádios do Uruguai. Meus pais cantavam tangos, boleros, milongas e outras do folclore hispânico. Só muito raramente, cantavam algumas músicas antigas, brasileiras, de nomes engraçados como Chão de Estrelas,e eu não sabia que tinha estrelas no chão e que tinha estrelas no mar, até entender que se pode ter estrelas até na alma. Minha vida era muito cheia de sons, muitas vezes cheios de chiados, porque o rádio não pegava bem e o pessoal lá de casa, principalmente os empregados, viviam ouvindo.

Na casa do Vô, onde todas as novidades chegavam primeiro, tinha eletrola, um precursor do toca-discos, num móvel enorme, num quartinho junto ao deles, onde se podia ouvir discos. Algum tempo depois, tínhamos eletrola em casa também, mais moderna portátil.

Tinha uma única tia, por parte de mãe, a quem chamava de Tititi, que era mãe da minha madrinha, que era a única prima materna, de quem eu gostava muito, embora fosse mais velha que eu,me tratava como igual, me ensinava a me vestir “de mocinha”, a me “pintar”,conversava comigo, muitas vezes. O tio, marido da Tititi, era dono de uma padaria, ela, professora, como a minha mãe. Tinha o “Binho”, meu outro primo do lado materno, pouco mais velho que eu e que era quase como meu irmão, nas brincadeiras, nas festas, na casa do vô .Eu também gostava muito dele, brincávamos, trocávamos confidências, veraneávamos juntos.

Natal, Ano Novo sempre na casa do vô, com arvores coloridas, naturais, enfeitadas de algodão e velinhas, presentes só no dia seguinte, mas as festas, com a comida de natal, eram demais.

De vez em quando, íamos, no dia seguinte, na casas uns dos outros.

Um dia, minha tia foi embora para uma cidade distante, perto de Porto Alegre, chamada São Leopoldo, de que eu nunca tinha ouvido falar, levando meus primos com ela e também a paz da nossa casa, por que minha mãe também queria ir. O pai, não. Ela dizia que era melhor para todos, por que Santa Vitória, sendo tão pequena, não nos daria oportunidade de crescer. Eu não consegui entender bem o significado disso de crescer, por que minhas primas eram “grandes” e moravam lá. Mas a mãe insistia que o pai também tinha que “crescer”, morar em uma cidade maior, ser mais importante, sei lá. Eu ficava pensando que ele já era tão grande, tão forte, tão importante que não ia fazer diferença o lugar onde estivéssemos, por isso, podíamos ficar onde estávamos. Mas não fui consultada e a mãe usou tantos argumentos que, um dia, fomos todos morar em São Leopoldo. Todos não, que tinha o Dudu, a Vó, o Vô, as outras primas, os tios, amigos e mais um montão de gente que não ia. Só nós quatro éramos o “todos”. Os argumentos da mãe eram engraçados, dizia que não gostavam dela por que era bonita, que a invejavam porque era inteligente, que nunca seríamos escolhidos(sabe Deus pra quê.), por que ela não era querida, amada. a linda fada, que era minha mãe, tinha muito medo de que não gostassem dela, aliás, tinha certeza de não gostavam, nunca descobri por quê.

Junto com a mudança, foi-se também a alegria do pai. Durante quase todo o tempo, eu o ouvi reclamar de saudade, da falta que faziam os irmãos, os amigos, o futebol. Que, lá, ele era presidente do Vitoriense, (técnico e ditador, até chamavam ele de Perón), do clube, que aqui ele não era nada, era mais um.

Enquanto a mãe florescia, o pai definhava na sua luta por “crescer”, conquistar seu lugar neste novo lugar que a mãe sonhou pra si. Da velha terra, sobrou a lembrança, a saudade e as férias na Barra no verão e na cidade( que sempre vai ser "a cidade" no olhar de todos ...), no inverno, que eram o melhor da minha vida, povoavam os meus sonhos, meus desejos, me impulsionavam, tinha que "passar de ano", logo, cedo, pra poder ir pra Santa Amada e Sonhada Vitória.

Muitas vezes, de ônibus, outras com o pai, que ia nos levar e "passar o ano novo". Depois, a gente ficava lá, com a vò, com os primos, e eles voltavam pra trabalhar, "crescer."..e nós,crescendo, felizes naqueles dias mágicos, de férias. Ah! também tinham as férias de julho, que eram quase um mês inteiro, no ar gelado dos minuano e das bacias que amanheciam com gelo, no jardim da vó.

Dias de "ligar a lareira", em várias casas, na tia Ida, na tia Helena...

de muito agasalho, de ir ao Chui, comprar dulce de leche, arroz soplado,

roupas de lâ uruguaias, calças vaqueiro ( que hoje depois "viraram moda, calça Lee").

na cidade, tinha o clube... perto da praça, da igreja, do cinema

na Barra, também, no início, era bem ao lado da casa do vovô Pedro, depois mudou lá pro início da carreteira, quem ia pra Barra Uruguaia.

Como era bom "ir ao clube"... baile infantil, ping-pong, depois os bailes "de adultos", que já éramos quase...

Barra do Chui

Ah! Os verões na Barra! Terminar o colégio em São Léo e correr pra casa da vó, que era na cidade, na grande cidade de Santa Vitória, orgulhosamente a cidade mais ao sul do imenso Brasil. A expectativa, o carinho do vô, que sempre esperava com doces, comidas, surpresas. A carranca benevolente da vó, que era quem mantinha a ordem das coisas por lá, (que o vô era um pândego). E o dia da viagem, que era o máximo de excitação, iam galinhas, rádio, lampião,(a luz só ia até a meia noite, às vezes mais cedo). E a família toda, quer dizer, os mais velhos, que podiam, o vô, que era rico, ia quando queria, e nós, as crianças que estávamos de férias, ia triunfalmente e alegremente para a praia, a nossa Barra do Chui.

Entre areias, “barrancas”, árvores, o arroio e o mar estavam contidas todas as aventuras, todas as alegras, todos os encontros, todas as descobertas. Tinha também o “riacho”, onde se ia fazer travessuras, tomar banho de água doce, na saída do mar, lavar os cabelos, que a água era limpinha e procurar o “poço do tio Guilherme”, que era escondido e fundo, tinha “buracos” enormes, diziam que tinha até cobras, mas eu nunca vi.

Tinha o encontro dos primos, na casa do outro avô, o vovô Pedro, que morreu com noventa anos ‘passados’e depois virou a casa da tia Sarinha, que também morreu com noventa “passados”, há bem pouco tempo. Era a casa mais central da família, ficava na beira da praça, ponto certo de todas as tardes. Lá se jogava vôlei, se cantava, se ficava de “bobeira”, só pra o tempo ir passando, “de tardezinha”. Lá se aprendia também o amor e a união de família, que alguns de nós já esqueceram ou senão, já desrespeitaram de vez. As primas, todas bonitas e os primos, tão charmosos, iam pra o clube de noite, (custamos tanto pra poder ir, nós , que eramos os menores), jogar pingue-pongue, conversar ( que sempre tinha assunto).

Na Barra, aprendi a namorar, tive as minhas primeiras aventuras “sexuais”, que não continham sexo, propriamente, mas parecia. Eram encontros “escondidos”, nas barrancas, onde a gente cantava, contava piadas “sujas” e até fumava escondido, aprendia palavrão, que depois era repetido e repreendido em casa; brincava de namorar, dava beijo “selinho” e achava que podia engravidar por isso.

Às vezes, depois de “grande”, recebia serenata, dos guris, que emocionante! Em pequena, eu ouvia sempre as serenatas que minha prima mais velha recebia,”despierta dulce amor de mi vida”, depois, acho que de pena, os rapazes ofereciam pra mim também, que nós dormíamos no mesmo quarto, quase sempre, naquele grande casarão que ficava na beira da barranca de frente para o mar. Ainda era a casa do vô. Tinha cacimba, árvore grande no meio do pátio, rede, tinha o Dudu, nosso “aio” e “pau-prá-toda-obra” da família.

As manhãs na beira do mar e do arroio eram cheias de risadas, mate doce, que as “Cava” levavam, os primos e primas sempre juntos, se procurando, se cuidando. O mar, sempre furioso e gelado, era uma festa, o arroio, com os passeios na barranca alta eram aventura pura.

Tinha baile de rainha, baile disto e daquilo, baile de carnaval, com bloco e tudo, fantasia, alegria. Todas as primas rainhas, no seu tempo, e eu também. Até hoje as Estrela são eleitas., que as filhas já vão pra Barra.

Não dá pra esquecer da grande aventura, as noites na Barra Uruguaia, às vezes escondido dos pais, que não achavam “próprio”. Tomar “calahuala”, mistura de gim com pomelo, só pomelo, nada, ou, que ousadia, tomar cerveja.

A turma, composta de primos, amigos e simpatizantes, tinha membros “efetivos” (os primos, que podiam ser de primeiro, segundo ou qualquer grau, é claro!) e os “flutuantes” (amigos mais chegados eram quase primos, mas também tinha namorados, quase namorados, amigos de verão). Pessoas que só queriam estar juntas, curtir a vida e a música, que era muito presente, que se amavam, se criticavam, se divertiam.

Passavam os anos e todo o verão era a mesma coisa, Barra, festa, ver a turma.

Mas os anos passavam rápido, a turma foi casando, tendo filhos formando novas turmas, com os seus. Esquecendo a fraternidade, a amizade, o carinho que havia e rolava solto. Esquecendo os momentos preciosos dos verões da Barra.

nadiaestrela
Enviado por nadiaestrela em 29/01/2009
Reeditado em 24/06/2021
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