A sabedoria nos olhos

Tem-se, preocupantemente, desprezado ferramenta das mais importantes ao estabelecimento de palpável desenvolvimento humano: o passado. Em tempos quentes como estes, aos menos argutos, o agora ganha um corpo suficiente à geração da falsa noção de que é bastante para que se viva de modo pleno.

Sem percucientes leituras às vivências pretéritas portadas, o ser humano não pode gozar de plenitude, salvo em sendo um desvairado. Deve-se buscar, veementemente, não se tornar um desvairado. Alguns passados, é verdade, importarão muito pouco, mas, todos eles, se analisados às realidades de quem os possui, serão significativamente indispensáveis. Quer-se dizer: por mais medíocre que se afigure uma existência, à mesma, as suas páginas serão ferramentas misteres à tessitura de quaisquer importantes rupturas. E um ser humano que não vive de rupturas não merece ser visto como magistral. Debrucemo-nos, então, sobre outro. Em síntese: não existe passado insignificante, mas, a depender do referencial que se adote, uns importarão mais do que outros.

Existe uma relação de proporcionalidade que urge ser atentada: a importância do seu passado será diretamente proporcional à intensidade com que o mesmo foi traçado. É por isso que se pode julgar tolo aquele que, desnorteadamente tocando os dias que lhe são concedidos, preocupa-se em viver até ficar imprestável de tão velho. A quantidade, outrossim aí, importa menos do que a qualidade. Quem quer ser sábio, engole a existência: assume-a como o que ostenta de mais precioso e, por tal, dispõe-se a degustá-la até exauri-la aparentemente - já que, factualmente, isso não se faz possível.

Fazer o acima mencionado é munir-se de mais substrato para, também mais tarde, viver melhor. É poder aproveitar melhor o passado que, como dito, é de grande importância à fixação de crescimento humano. Ora, quando se analisa o passado e dele se extrai o produto necessário ao prosperar, passa-se a valorizá-lo, independentemente do quão amargo tenha o mesmo logrado desenvolver-se. Chega-se aí ao entendimento fundante da idéia de o passado se associar à plenitude: aprendendo a enxergar positivamente as páginas que se carrega às costas, viver-se-á melhor e, por isso, valorizar-se-á tudo o que já foi vivenciado, nessa ordem.

Nada pode existir de mais precioso do que aprender a amar a si próprio (e que os românticos não digam que mais sublime é aprender a amar o outro, porquanto consegui-lo é consequência do que cá proponho, vale dizer, para amar aos outros, faz-se necessário, primeiramente, amar-se) e, para que tal se dê, é importante aprender amar o que se construiu. Quando não se lança leituras emocionadas e extratoras ao passado, a vida que se tem poderá ser enxergada como composta por trechos felizes, mas nunca como integralmente feliz. O correto estudo sobre o passado, por eliminar a tristeza, permite a visão do que é uma vida completamente feliz; plena.

O passado, com efeito, é uma construção que, para quem a teceu, deve ser encarada com muito respeito. O passado, por vezes, de tão relevante, vem a significar uma construção social, ou seja, importante para além do sujeito ativo, mas, para que se possa verificá-lo, como a questão do amor singelamente retro posta, em primeiro lugar, deve ser significante para quem o ergue.

Para ficar na mente do leitor: amar a si próprio une-se, indissociavelmente, à idéia de plenitude e, para que se construa o referido amor, precisa-se observar o seu passado como importante, independentemente de, para terceiros, o mesmo nada vir a representar. O passado, então, rima com responsabilidade: para quem o porta, e talvez para grande massa, ele sempre consagrará muitos pontos importantes, os quais, bem enxergados, desencadearão outros tantos.

Quando se aprende a amar o passado que tem, ganha-se uma virtude muito necessária: a da prosperidade incessante. Cada vez mais treinadamente, sentir-se-á o passado e uma percepção muito elevada surgirá: o passado não está morto, mas em constante transformação, como o presente. Quanto mais se o estuda, mais aprendizado dele se pode extrair. Em que pese seja árido entender o porquê de, por medo, inibirem-se a desbravar o que intimamente nos antecede, o doce sabor dos frutos de tal exercício só pode mesmo ser conhecido por gente muito sábia.