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Amelie-Poulain Acordou Florêncio.


Tem coisas que nos acontecem e nos parecem serem dirigidas propositalmente.

Coisas do destino? Ou um simples acaso que faz acordar as nossas lembranças adormecidas?

Não saberei e ninguém nunca saberá me responder.

Só sei que nessas ruas internas do inconsciente, somente cada um pode passear na sua própria história com exclusividade.

Final de semana, um frio gostoso, e lá estou eu deitada debaixo de um cobertor, comendo pipoca para assistir o filme "O Fabuloso Destino de Amélie Poulain”.

Eu jamais poderia imaginar a que viagem este filme fosse me levar.

De repente, estou dentro de uma sala, de uma velha casa, de um velho amigo alquimista.

Meus olhos enfeitiçados percorrem muitos vidros, cuidadosamente enfileirados, cheios de porções coloridas e mágicas.

O alquimista não me esqueceu e me transportou aos meus vinte e poucos anos, me dizendo que não tem como me abandonar.

A jovem agora passeia pela tela da TV e eu posso me ver.

De saia vermelha, botas pretas, blusa verde, cabelos lisos e curtos, sou eu mesma, não tenho como negar.

Não pertenço mais ao presente. Fui abduzida pelo alquimista.

E lá estou eu, totalmente dona de uma invencível curiosidade  e com o coração transbordando de ternura por Florêncio.

Transito livremente entre os cômodos da velha casa, cheia de perguntas sobre aquele mundo encantado e não poupo os ouvidos do velho amigo.

As mãos do mágico não param, deslizam suave e magicamente sobre as folhas do livro sagrado de Tote.

Procura por alguma receita de que não se lembra no momento.

Está sentado numa cadeira enorme e preta e, de vez em quando, me olha por cima dos óculos na tentativa de adivinhar meus pensamentos e não consegue disfarçar sua alegria por eu estar ali à sua frente.

Falo alguma coisa, ele me sorri e continua trabalhando.

Chego mais perto e ele prossegue a sua pesquisa ignorando minhas perguntas incessantes.

- Florêncio, você é um bruxo ou é um louco? Por que você mexe com essas coisas malucas? Posso por a mão?

Florêncio pensa no que me responder. Sua aparente irritação interior transforma-se em doces palavras:

- Menina, você não tem mais o que fazer do que ficar me enchendo de perguntas para as quais eu não tenho respostas?

-Não Florêncio. Não tenho. Eu quero saber e se você bobear, eu ainda vou aprender tudo isso aqui e mais rápido do que você pensa.

-Pobre menina, magia não se aprende. Nasce-se com ela. O aprendizado só é possível quando se é predestinado. Retruca ele. 

O velho Florêncio sai a procura de algo e me chama.
 
-Venha cá, tenho muita coisa para lhe mostrar, mas você me fará uma promessa, não contará nunca nada a ninguém.

- Juro que não meu amigo.

Eu olho para Florêncio e lhe prometo cumplicidade. Afinal, somente eu, além dele, tenho acesso àquele laboratório cheio de mistério.

Florêncio me convida a ver as substâncias se modificando dentro de cada recipiente de vidro à minha frente e me diz:

- Minha pequena curiosa, minha missão é uma missão privilegiada e, infelizmente, não poderei deixar discípulos.

Eu indignada lhe interrompo:

- Florêncio, você não se acha muito petulante? Isso que me diz, parece mais historinha de criança e não faz nenhum sentido.

Ele fica sério e continua:

- Eu ouço vozes internas e secretas. Vozes que brotam do meu coração. Posso ouvi-las com a nitidez com que ouço você agora. Elas me mandam fazer coisas para ajudar o mundo e eu não posso negá-las.

Fico assustada, mas encantada com a confidência e volto a lhe perguntar:

- Florêncio, tudo bem, mas eu também queria ouvir essas vozes, só um pouquinho, para ver como é. Então me diga, o que eu faço e como faço?

- Nada. Você não pode fazer nada. Você tem um coração cheio de confiança na vida, ele é falante e você nem percebe. Um dia, minha menina, você vai entender o que lhe falo agora.

- Mas porque precisa demorar tanto? Um dia....,quem sabe...,talvez........É isso que você tem para me falar.

Florêncio vai até a cozinha e me traz um chá, dizendo-me que esse chá vai me ajudar a conhecer caminhos que eu jamais atreverei conhecer.

Pego a xícara e bebo de uma vez.

Neste instante, já não estou mais na tela da TV, Amelie é quem me sorri.

Olho para os lados procurando meu amigo. Ele já  se foi.

Deixou um recado num bilhete em cima do criado: 

" Minha boa e velha amiga, eu estava com saudade".






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