O de numero Cem,

Sento-me na poltrona do ônibus, e reviro pensamentos, tento escrever algo que capitule esse blog. Na verdade, nada vem à cabeça, e isso me assusta um pouco. Queria disparar feito metralhadora ambulante, sentindo a sensação de liberdade das palavras que se vão. Mas nada, as palavras estão presas, ou perdidas em um canto qualquer. Pretendia capturar algumas palavras soltas, um flagrante por aqui ou ali e preparar assim algo memorável, algo que mais tarde eu lembraria assim do numero cem e nada. Enfiei a mão no bolso e me pus a caminhar pelo primeiro de março, rumo ao terminal Menezes Cortes, saltando do ônibus que me transportava à primeira metade da minha volta para casa.

Ao largo, sentados na beira da calçada, duas crianças de rua, brincam alheia as confusões neurônicas de meu ser. Uma delas rabisca em um papelão sujo e rasgado, com um toco de giz de cera azul, algumas linhas desconexas, enquanto a outra, com um carrinho de pau, quebrado e sem rodas, desvia-se dos obstáculos imaginários que ali se encontram. Fico parado, alguns instantes e me ponho a imaginar a despreocupada alegria, ante ao toco de nada, dentro do caco e caos de existência ínfima que se aloja na minha cachola.

Uma delas, olhos tristes e molhados, olha para mim e me mostra um desenho feito em giz azul, onde linhas tortas e insinuantes, entre os borrões de sujeira e rótulos do papelão. Rio, e recebi de retorno um sorriso incompleto, e essa com seus olhinhos pequeninos, levanta e mostra o desenho inacabado eu presumi. Retornei o sorriso e fiz um sinal de positivo, dando a entender que estava muito bonito. Ela olha o desenho e me retorna o olhar e volta a rabiscar um olho ou uma perna, e novamente me mostra e diz, "- é você!", dou um sorriso amarelo e tento me imaginar naquele monte de rabiscos confusos. Afasto-me sorrindo, e imagino-me entre meus próprios rabiscos, catando uma coerência, onde poderia estar uma linha, buscando uma lógica, onde o melhor seria apenas uma estrofe ou a simplicidade inocente. Sigo meu caminho, pensando nos noventa e nove Post´s publicados e em qual seria o de numero Cem.

Atravesso a rua, com outros tantos, que devem estar pensando outros números, a da Mega Sena talvez, ou de outros tantos que nos chegam, bombardeando os trezentos e sessenta dias que nos rege, nessa luta e nesse caos, rabiscados dentro de cada um e pintados no azul inocente de uma criança. Amanha é outro dia, talvez o de numero cem de outro alguém, perdido nas entrelinhas de um texto qualquer, ou na tumultuada e atarefada rotina de ir e vir.

<<Post de numero 100 no blog do autor: www.cantosecontos.wordpress.com>>