DIPLOMA, PARA QUÊ?
                       (Ou uma conversa que não aconteceu...)
 
     Senhor Ministro do Supremo Tribunal Federal, o senhor está certo, diploma não é sinônimo de qualidade profissional. É fato. Ser diplomado não é garantia de competência. Também é fato. E contra fatos não há argumentos. Certo? Errado. A vossa decisão, pondo fim a exigência do diploma de Jornalismo – para o exercício da profissão – é coerente. Coerente com nossa realidade. Este é um país onde educação nunca foi prioridade, onde o incentivo a leitura é preocupação de poucos e livro é um artigo de luxo. 

     Fiquei pensando na justificava de vosso voto "É fácil perceber que formação específica em curso não é meio idôneo suficiente para evitar eventuais riscos à coletividade ou danos a terceiros, (...) um excelente chefe de cozinha poderá ser formado numa faculdade de culinária, o que não legitima estarmos a exigir que toda e qualquer refeição seja feita por profissional registrado mediante diploma de curso superior nessa área" (...) e me perguntei: será que o senhor pensa a mesma coisa em relação à medicina, à engenharia, à advocacia e tantas outras profissões? 

     Será senhor ministro, que qualquer pessoa bem informada, com facilidade para tomar decisões, fazer julgamentos, pode ser ministro do STF? Será que um apaixonado por anatomia pode exercer a medicina, sem o diploma e o registro no CRM? Ocorreu-me, agora, que os apenados são grandes conhecedores do código penal, portanto, poderiam eles exercer a função de defensores públicos? Meu bom senso diz que não. 

     Uma pergunta não quer calar. Os senhores entregariam suas vidas nas mãos de curandeiros? Seus dentes a um prático? Nada contra estes profissionais, apenas quero lembrar que o exercício de uma profissão, seja ela qual for, deveria ser exercida por pessoas com conhecimento teórico e formação específica. E, não vejo nisso, nada de ‘anormal’. Ao contrário, seria algo bem natural se a educação fosse respeitada, priorizada.


     O senhor afirmou que “O jornalismo e a liberdade de expressão são atividades imbricadas por sua própria natureza e não podem ser pensadas e tratadas de forma separada”. Concordo. Jornalismo e liberdade de expressão precisam caminhar juntos. Entretanto, acredito que a liberdade de expressão, algo tão caro ao exercício do jornalismo e a todo cidadão, não pode, em meu entendimento, ser usada como uma arma contra a regulamentação do exercício desta ou qualquer outra profissão. A liberdade de expressão é, ou deveria ser, intrínseco ao exercício da cidadania. 

     Expressar-se livremente é uma garantia constitucional. Assim como, o direito a educação, a saúde, a moradia, ao emprego e ao lazer. Garantias estas que o Estado não tem conseguido cumprir ao longo da história. Infelizmente. Sabe o que mais me deixou curiosa senhor ministro? A comparação que o senhor fez entre jornalistas e cozinheiros, chefes de cozinhas, para ser mais exata. Seria uma referência ao fato de que neste país tudo, ou quase tudo termina em pizza? Que presença de espírito o senhor teve ao usar esta metáfora! Parabéns senhor ministro por não nos deixar esquecer, nem por um minuto, que neste país há pouquíssimo espaço para quem sonha em construir um país sério, preocupado com a educação, o conhecimento.

     Seus colegas acompanharam sua decisão e foram brilhantes em suas justificativas. Elogiaram o trabalho de muitos profissionais que, sem diploma, prestam relevantes serviços a imprensa nacional. Não posso negar. Eles existem, mas será que a presença de um diploma os tornariam profissionais menos competentes? A teoria não deve negar a prática, a experiência, mas o contrário também é verdadeiro. Sei que nenhuma formação acadêmica deixa ‘pronto’ o profissional, que só a experiência, o fazer de fato vai aprimorar os conhecimentos adquiridos nos bancos escolares, entretanto, negar o valor do conhecimento formal me parece fora de propósito. 

     A exigência do diploma para o exercício do jornalismo não é garantia de “cientificidade” nas notícias, não nos assegura reportagens “sem maquiagem”, não assevera jornais comprometidos com a verdade. Mas, como toda profissão, o jornalismo também, deveria ser exercido por pessoas da área, profissionais “formados” para isso, preparados, cientificamente, para este fim. Claro que, mesmo com diploma, continuaria havendo bons e maus jornalistas, como há bons e péssimos médicos, professores, cozinheiros, engenheiros, advogados. A formação acadêmica não é a senha do sucesso e da competência, mas deveria ser caminho obrigatório a ser percorrido em toda profissão.

     Conhecimento nunca foi, ou não deveria ser, entrave para o exercício de qualquer profissão. Eu não acompanhei os detalhes desta luta, mas sei que havia muitos interesses em jogo. Esta não era apenas a luta pela exigência, ou não, do diploma. Não havia apenas jornalistas neste jogo de poder. Infelizmente. Esta decisão, senhor ministro, não foi a derrota, apenas dos jornalistas, mas da educação de um modo geral. 

     Como falar em crescimento, desenvolvimento e, em contrapartida, negar o valor de uma profissão regulamentada e exercida por profissionais habilitados? Vejo com tristeza a forma como as coisas acontecem em meu país. Sabe o que me ocorre, senhor ministro, que em vez de comparar o jornalismo com o ato maravilhoso de preparar alimentos o senhor poderia ter comparado ao exercício da política.


     Esta é a única ‘profissão’, sim, porque política aqui é profissão, que não precisa diploma, qualquer um pode escolher o cargo público que quer exercer, juntar algum dinheiro, fazer uma boa propaganda e usar o poder que o voto lhe confere como bem quiser, inclusive votando leis contra este mesmo povo. E podem cometer crimes, a imunidade parlamentar lhes garante a ‘impunidade’. Alguns chegam lá com a preciosa ajuda dos órgãos de comunicação. Independente do diploma. Mesmo nela há honrosas exceções, graças a Deus.

     É senhor ministro, vossa decisão foi um balde de água fria na categoria, da qual não faço parte, mas acima de tudo foi uma agressão a quem acredita na educação, estou neste rol, na necessidade de uma formação acadêmica e/ou técnica para o exercício de qualquer profissão. Foi um incentivo aos que acreditam que poder e dinheiro resolvem tudo neste país. Lembrei da piada do menino que não queria estudar e respondendo a mãe que perguntou o que ele queria da vida ele respondeu: ser presidente da república. Desculpe a piada de mau gosto.

     Mas, termino nossa conversa senhor ministro, agradecendo sua decisão. O senhor está coberto de razão. Para que mexer numa receita que está dando certo? Quem precisa ler clássicos, estudar grandes teóricos apenas para formar opiniões? Quem precisa perder anos numa academia aprendendo teorias para fazer parte de uma profissão, que de tão influente é considerada o quarto poder? Que já elegeu e derrubou presidente? Quem precisa perder noites de sono para aprender a fazer uma investigação séria em busca da verdade escondida em muitos interesses? Quem precisa de receita para fazer boas reportagens? 

     A experiência está ai mostrando, todo dia, os caminhos. Vou voltar a sua comparação. Fazer uma reportagem de sucesso é mesmo uma questão de saber escolher os ingredientes. Coloca-se um pouco de violência, sexo, incita-se um caso  extraconjugal, uma boa dose de ‘achismo’, algumas gotas de dúvidas sobre a reputação de alguém e para finalizar uma porção de sensacionalismo.  Depois joga tudo no caldeirão dos jogos de interesses, mexe sutilmente com as varinhas do jogo do poder e deixa aquecendo nas chamas da fogueira das vaidades. Agora é servir na dose certa, nos horários indicados. Está garantida a pizza, ops!, a reportagem. E quem precisa diplomar-se para fazer isso? 

     Desculpe senhor ministro, se entendi tudo errado. Pode ser falta de experiência e excesso de zelo com os conhecimentos acumulados ao longo dos anos nos bancos da faculdade.





Ângela M Rodrigues O P Gurgel
Enviado por Ângela M Rodrigues O P Gurgel em 22/06/2009
Reeditado em 16/04/2013
Código do texto: T1661978
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