XVIII - Um dos maiores abalos de sua vida

Saindo de casa, com um fino vestido rosa e sandálias de couro nos pés, caminhava lentamente a velha e, estando a passar pela calçada no mesmo lado de sua residência foi inexplicavelmente atacada por um cão raivoso e feroz que perambulava pelo local tombando latões e revirando latas de lixo e restos de comida, e utilizando-se de suas poderosas mandíbulas destroçou a velha que não teve tempo de pedir socorro ou realizar qualquer tipo de oração de misericórdia.

Quando o socorro chegou, por meio de populares transeuntes que passavam pelo fatídico local, já era tarde.

O cão, com ódio no olhar e grande salivação rasgava toda a carne flácida da sua vítima.

Rosnava ferozmente e somente depois de levar várias pauladas sobre o dorso e cabeça, fugiu do local apressadamente. Algumas pessoas que tentaram perseguí-lo não obtiveram sucesso, já que o cachorro assassino era grande e ágil e estava assustado com tanta gritaria.

Uma densa poça de sangue quente se fazia aumentar pelo local. A pequena velha, descabelada, destroçada e completamente rasgada, jazia no meio da calçada, com os olhos abertos e uma expressão de luta.

Muitos diziam que poderia ser o cheiro peculiar que emanava da velha que causou a raiva e, por conseguinte o ataque do cachorro feroz, que vivia por ali e nunca havia atacado ninguém, apenas corria atrás das bicicletas, das carroças e dos carros que por ali transitavam.

Outros insinuavam que o negro mamífero estava faminto há dias e a observou como presa, devido à tamanha fragilidade por ela expressada.

Alguns argumentavam que, num ato de distração, a vítima havia pisado no rabo do animal, e esse sem pestanejar a atacou instantaneamente.

O povo, argumentativo e buscando respostas plausíveis, aglomerava-se perplexo diante do corpo estraçalhado.

Iniciou-se, naquele dia, uma caçada ferrenha ao animal assassino.

Foram mobilizadas várias pessoas, policiais, crianças e quem quer que aderisse a captura era bem aceito.

Ao final do evento-caça contabilizavam-se umas quarenta e cinco pessoas.

Encontraram-no, dois jovens alunos de Miguel, dormindo profundamente debaixo de um caminhão atrás do eixo traseiro da caçamba vazia, onde se fazia uma gostosa sombra para uma soneca depois da refeição humana que tinha degustado há poucos minutos atrás, o fatídico e enorme cachorro.

Foi um linchamento sem precedentes.

A população em êxtase clamava pela morte do cão assassino de tal maneira que até mesmo o padre se deixou levar pelo ódio e sem pestanejar atirou com toda a sua parca força anciã uma grande pedra contra a cabeça do animal jurado de morte por toda a Cidade dos Miguéis.

Parecia que, de certo modo, todos queriam dar uma parcela de contribuição na desintegração do animal assassino.

Um cidadão que possuía um açougue próximo à casa da velha morta sugeriu que cortassem em pedaços o corpo do animal abatido e levassem as partes para a praça para que lá o queimassem e jogassem suas cinzas no grande rio.

A idéia foi aceita prontamente por todos e iniciou-se assim o esquartejamento do animal sem vida, todo dilacerado por pauladas e pedradas.

Um fato curioso foi que, quando já se fazia morto, sucumbido por pauladas na cabeça, o então delegado do local não se dando por satisfeito descarregou sua pistola automática contra a cabeça do cachorro sem vida de modo que houve tremenda algazarra e gritos de satisfação por toda a caravana de linchamento que mobilizava a cidadela.

O corpo do animal esquartejado foi colocado num latão com gasolina e atiraram-lhe fogo sem dó ou piedade, para que nenhum resto do cachorro assassino da Cidade dos Miguéis fosse enterrado e, por conseguinte, carcomido pelos vermes que viviam na terra roxa do local.

Após o término do espetáculo mórbido que marcou para sempre a história da cidadela e tornou-se lenda inverossímil por toda a região, foi preparado o enterro da velha Maria das Neves.

Praticamente todos na cidade a conheciam, pois durante anos trabalhou no colégio e, deste modo, quem estudava ou havia estudado no colégio Capitão Mário Cunha, tinha tido algum contato com a auxiliar de limpeza, por menor que fosse.

Miguel das Neves Alves não chorou, o que de certo modo causou estranheza e constrangimento das pessoas que velavam a velha morta.

O caixão estava lacrado e Miguel olhava atentamente para ele, ou através dele, não se sabe ao certo.

Não usava óculos escuros, típicos dessas solenidades familiares, apenas trajava um belo terno negro e tinha um chapéu de feltro em sua cabeça.

Todos o olhavam atentamente, mas Miguel se mostrava anestesiado.

Era como se estivesse indiferente ao fato, não tinha a real noção do que acontecera e se mostrava frio.

Parecia que não tinha sentimentos pela genitora que jazia agora num caixão de madeira brilhante e coberto por uma coroa de flores brancas e vermelhas.

Mas Miguel, sem dúvida, amava sua mãe, tinha por ela extrema admiração e gratidão por tê-lo criado de maneira tão peculiar e eficaz. E possuía aquele amor particular que emanam dos parentes mais próximos, aquele tipo de amor companheiro, amor de quem cuida, amor com ternura e eterno em seu coração.

Mas não o expressava à comunidade, de modo que gerou um mal estar nas pessoas que acompanhavam o velório.

Por dias, ouviu-se dizer que Miguel das Neves Alves era um insensível, uma pessoa sem sentimentos e frio em essência.

Ao seu lado, seus dois amigos Douglas Hernesto Sanoj e Ramires José de Freitas, acompanhavam-no solenemente.

Douglas cabisbaixo, e lhe falando sorrateiramente ao pé do ouvido, disse para não incorporar a personagem principal do livro O Estrangeiro de Albert Camus.

Miguel, então, deixou-se dar um leve e discreto sorriso, relembrando tal livro que lera há anos atrás e que se tornara verossímil por um efêmero instante.

Não que Miguel fosse insensível como já disse anteriormente nessa narrativa, mas encontrou na indiferença um escudo, uma forma de se proteger de tão nefasto episódio.

No livro de Camus, a personagem em questão não tinha contato com sua mãe há anos. Ela já não fazia parte de sua vida cotidiana e nem ele na dela.

Mas no caso de Miguel, era a única companhia de sua vida.

A mãe que lhe criara com amor e afinco lhe dera leite ralo nas primeiras horas de vida, lhe cuidara com ervas e ungüentos na infância, lhe trazia livros da biblioteca escolar escolhidos por ela mesma, assim sendo, seus primeiros passos literários vieram por escolha dela, ela lhe fazia refeições e as compartilhavam juntos, dissertando sobre a efemeridade da vida e seus deveres celestiais, e sempre unidos dia-a-dia.

Miguel era todo lembranças.

Só lembranças e muito carinho. Adeus e lágrimas.

De súbito, Douglas ressaltou que também perdera um tio estimado há anos atrás e Miguel e Ramires se lembraram dessa mórbida história veraz:

Indo ao outro lado do grande rio, já iniciando a travessia da ponte que passa em frente à hidrelétrica, o irmão de Douglas, vindo visitá-lo cordialmente, o então deputado e escritor infanto-juvenil Patrick Augusto Sanoj, provinha da capital em direção ao norte do estado para a realização de um trabalho político de seu interesse; e como era caminho entre os dois pontos a percorrer, a Cidade dos Miguéis passara, brevemente, para visitá-lo e atualizarem jurisprudências, colocarem assuntos em dia.

Ao ir embora, na manhã seguinte a chegada breve, tentando desviar de um cachorro enorme que transitava na pista, sofreu um capotamento girando no ar com seu carro por diversas vezes, de modo que seu corpo ficara preso às ferragens retorcidas do veículo acidentado.

Sozinho, no meio de quantidades significativas de aço, ferro, livros, papéis, vidro estilhaçado e bastante combustível, já que o tanque se fazia cheio para uma viagem interestadual, implorou socorro até sucumbir a uma chama lenta, intensa e incessante que destruíra por completo o veículo e a vida de Patrick Augusto Sanoj.

Todos na Cidade dos Miguéis comentaram por meses a morte horrenda de um ser tão ilustre no meio acadêmico e político.

A família Sanoj praguejou contra tudo e todos e, desde então, nunca outro membro daquela família retornara a pequena cidadela.

Apenas Douglas relutava em viver por aqueles lados.

Posteriormente ao funesto fato da família das Neves Alves, Miguel recebera, em sua residência, a visita de seu amigo Abelardo Mota, o padre ancião que insistia em viver.

O velho padre, no alto de suas mais de oito décadas bem vividas, se locomovia vagarosamente, mas expressava força no olhar e tinha, apesar da lentidão, grande mobilidade.

Era extremamente lúcido e perspicaz e se dirigiu a Miguel com um gesto de morosa reverência.

“Vim ver se está precisando de algo, meu jovem?”

“Não padre, muito obrigado pela preocupação. Está tudo bem”.

“Que coisa mais estranha. Nunca havia presenciado um fato tão sinistro em toda a minha vida. É realmente um sinal dos tempos, onde a personagem do bestiário se ergue em prol da destruição humana. A verdadeira encarnação de Cérbero”.

“Aquele animal estava possuído!”, continuou.

“Não há explicação cabível para esse fato”, ressaltou o padre ancião se expressando pausadamente e com muita ênfase em suas palavras.”

“Não creio nisso, meu amigo padre. Acho que foi um acaso de mau agouro. Aquele animal não foi possuído por demônio algum. Cérbero existe apenas nas referências de Dante, Virgílio e Ovídio”.

“Também há menção nos bestiários medievais sobre essa bizarra criatura canina. Faz parte das profundezas do imaginário popular”, completou o padre.

“Demônios possuem humanos, não animais!”, não é padre?

“Lá vem você me questionando para testar. Parece que faz de propósito só para me tirar do sério”.

“Não é proposital, é apenas uma indagação cabível”.

Sabe Miguel: “Quando Eva cometeu o pecado original desrespeitando uma ordem de Deus nos tornamos, desde então, vítimas e presas das artimanhas do demônio. É ele quem nos comete tal sofrimento”.

“Ó padre, quão ingênuo és tu! Acreditas realmente naquela metáfora bíblica?”

“Como metáfora, meu jovem?”

“Veja bem: Quando a espécie humana evoluiu a ponto de se tornar racional foi realmente uma dádiva de Deus. Viemos do pó, da terra, nos fizemos mamíferos e nos tornamos os senhores do planeta”.

Continuou depois do fôlego: “Dominamos os mares, o céu e modificamos a natureza por meio de nossa insana inteligência. Agora, acreditar em Adão e Eva na verdadeira concepção da palavra, sem interpretá-la metaforicamente é ingenuidade demais”.

“Então me convença em seus argumentos, ó sábio Miguel”.

“Aprendendo a ser sarcástico depois de velho, meu caro?”

“Vamos, me convença, argumente!”

“Homem sempre foi Homem, macaco sempre foi macaco. Nossos DNAs são muito parecidos mas não são idênticos. Nossos DNAs são parecidos com o dos porcos e dos ratos, mas há algo que nos diferencia dos demais seres mamíferos”.

“A racionalidade e a alma!”

“Isso mesmo padre Abelardo, a racionalidade e a alma. O dom supremo de Deus”.

“Deus nos deu o livre arbítrio? Ou a racionalidade nos fez ter escolhas e opções diante da vida?”

“Continue professor, veremos aonde quer chegar!”

“Por meio do livre-arbítrio, o homem ou Adão, começava a tomar atitudes próprias e se afastar de Deus. Quando, então, Deus procura Adão como está escrito no capítulo três de gênese, se não me engano no versículo nove, o Senhor diz: - Onde estás?”

“Ele, o Criador, não procura Adão dentro de um determinado espaço físico, atrás de árvores ou dentro de alguma caverna, mas o procura no mundo. Adão perdera a identidade e não se fazia mais semelhança de Deus. Adão fugia mais e mais da presença de Deus e assim o fazemos até os dias atuais. Não somos mais puros de coração”.

“Deturpamos nosso dom de criar em prol de individualismos e fetiches próprios”. “Se remetermos essa metáfora onde estás para os dias atuais ela é tão presente quanto essa conversa que estamos tendo agora”.

“Continue, estou gostando”.

“Vamos então, imaginar por meio do Darwinismo, a expulsão de Adão e Eva do paraíso”.

“Aí já é demais, caro professor. Como uniremos numa simples explanação Criacionismo com Darwinismo?”

“Seria mais ou menos assim, na minha concepção, é claro”:

“Quando o Homem se ergueu, ficou de pé, automaticamente se viu com seus órgãos sexuais expostos e, deu-se inicio a introdução de vestes nas nossas vidas”.

“O Homem mais apto caçava animais de couro nobre e dele se fazia vestes”. “Tinha-se inicio as primeiras roupas com etiqueta”.

“Quem era mais forte e ágil para caçar animais de grande porte e revestidos de couro diferenciado começou a ostentar aquele troféu revestindo seus corpos e sua cabeça”.

“Era um tipo de moda primitiva?”

“Isso mesmo, querido amigo padre. Uma moda primitiva”.

“E Adão e Eva, meu filho? Aonde entram nessa estória?”

“Eles se enxergaram no mundo. Se sentiram diferentes dos demais seres habitantes. Perceberam que, de alguma forma tinham papéis diferentes naquele contexto”.

“Entenderam que, se expondo, fragilizavam-se diante das demais criaturas e, assim concluíram que era necessário protegerem-se”.

“Exatamente amigo padre”.

“Deste modo, podemos deduzir que são personagens fictícios para explicarem a todas as nações como surgiu nossa espécie. Nossa evolução parte do pressuposto intersocial, onde as relações humanas são cada vez mais lineares e aproximativas, são reproduções de contextos e situações cotidianas e por isso somos seres comunitários. Vivemos ramificados a determinadas sociedades, por menores que sejam. Cultuamos hábitos impostos por nações a milhares de kilometros de distância e não nos importamos com a perda de identidade que isso nos proporciona”.

“Mas qual a origem exata de tudo isso?”

“Por que caminhamos para esse ponto? Por que o pai Adão e a mãe Eva direcionaram nosso futuro para isso?”

“Com certeza nem eles sabiam para onde íamos, filho”.

“Ah, já ia me esquecendo: Sabemos que Adão e Eva tiveram três filhos homens. Se estiver errado, por favor, me corrija”.

“Continue, e não seja cínico”.

“Quando Caim, por inveja, matou seu irmão Abel, restaram então apenas o pai Adão, Set, Caim e a mãe Eva”.

“Como deram continuidade à espécie humana então?”

“Ocorreu relação incestuosa entre eles?”

“Agora já começou a blasfêmia”.

Quem foram seus filhos posteriores?”

“Quem eram as tantas filhas de Eva?”

“Você está me deixando confuso, todavia, têm fundamento empírico suas questões”.

“Complemento indagando de onde vieram os pretos africanos espalhados agora pelo mundo, de onde vieram os chineses, os coreanos e toda espécie humana oriental?”

“Infelizmente ou felizmente, não sei ao certo, a Bíblia deixa interrogações e nos faz pensar em Deus como o Todo-Poderoso, o grande Criador por meio da fé e não da racionalidade”, ressaltou o padre a coçar sua grande pança.

“Quando Deus fez o mundo não havia nada e em sete dias tudo se fez, essa é a verdadeira e única criação, meu filho”.

“Como sete dias, padre?”

“Acreditas mesmo nisso, meu velho?”

“Lá vem você de novo, Miguel!”

“Padre, sete dias é outra metáfora bíblica para explicar a Criação do Mundo”.

“É Deus nos explicando de forma simples e didática como se planeja e se constrói algo”.

“O tempo de Deus não era e ainda não é igual ao nosso. Dia e noite serve para determinarmos nossa jornada de trabalho. Serve para contarmos nossos ciclos de vida durante o período de trezentos e sessenta e cinco dias e noites”.

“O universo levou bilhões de anos e constantemente e incessantemente evolui ou degenera, quem sabe?”

“Quando Deus criou o planeta Terra, já havia luz? O universo é escuro, mas aproximando-se das estrelas há luz, há calor, só não sei se há vida em outras galáxias, outros planetas?”

“Será que o nosso sol foi a primeira luz do universo?”

“Morreremos sem saber, professor”.

“Os oceanos também se desenvolveram nesse planeta gradativamente. Os rios também. Tudo é passível de transformação e nada é como antes. Tudo se regenera, se transforma e evolui. Ou não?”

“A racionalidade na leitura bíblica, um dia, o deixará cético para a fé, professor!”

“Não deixe que isso lhe domine. Pode ser artimanha do demônio para lhe conquistar e lhe seduzir”.

“Não creia nisso padre Abelardo. Tenho muita fé e creio em Deus.”

“Mas devemos ser racionais e inteligentes em acreditar em metáforas e ilustrações”. “Para mim, a Bíblia é o mais belo livro de todos, vários livros dentro de um, onde várias histórias se encaixam e se completam”.

“Deus criou Gutenberg para popularizar a Bíblia, meu filho”.

“Veja bem padre, tentarei ser mais analítico”.

“Tudo parte de um contexto explicativo e outrora funcionou bem. Haja vista a expansão do catolicismo e do cristianismo por todo o planeta”.

“Hoje posso dizer que necessitamos interpretar os versículos bíblicos de maneira evolutiva e adaptada aos nossos dias. Deste modo, sou apenas uma ovelha com coragem de berrar um pouco mais alto diante dos ensinamentos aplicados pelo catolicismo em nossas vidas”.

“Como, Calvino e Lutero, você também tem muita personalidade em relação à Roma”, completou o velho padre.

Continuou Miguel após leve tosse:

“De acordo com Descartes, meu velho, o Homem é a prova cabal de que Deus realmente existe. Somos feitos perfeitos, a imagem e semelhança de um nobre Criador, por isso temos a capacidade de criar, de alterar coisas, de modificar a natureza e a ordem das ações, de mensurar fatos. Somos únicos na natureza”.

“Você é um perigo sutil para a sociedade Miguel. Tenta deturpar algo sagrado utilizando elementos filosóficos na doutrina cristã! E o pior, nem se arrepende disso!”

“Arrepender de que, meu caro amigo? São Tomas de Aquino e Santo Agostinho fizeram isso há tempos, aproximando-nos novamente dos filósofos gregos”.

“Deus me deu inteligência para exercitá-la, para usar em prol das pessoas. Tenho minhas interpretações e tento transpassá-las. Porém, é um assunto tanto quanto complexo demais. Não posso sair por aí questionado a sagrada escritura sem embasamentos verossímeis”.

“Ou serei como Galileu Galilei e tanto outros que duvidaram, encontraram respostas, explanaram, tiveram que se retratar por chocar, por colocar em contradição conceitos arcaicos, ultrapassados e, posteriormente a sociedade teve que se rever, também se retratar e reconhecer o quanto estavam errados e os estudiosos certos”. “Quantas injustiças não se cometeram?”

“Quantos não foram para a fogueira inquisitiva?”

“Quantas mulheres rotuladas de bruxas não arderam nas chamas!”

“Quantos livros não foram para a fogueira, caro amigo. E isso é o que mais me desperta”.

“Será que esses escritos, hoje, formam a Biblioteca Celestial?”

“Queimar estudos, teorias, estórias, filosofia, fábulas, é inconcebível!”

“Se eu tivesse vivido na Idade Média, que por sinal é o período que mais aprecio na evolução humana, teria sido banido desse planeta”.

“Tinham-me atirado fogo e pelos meus gritos de dor seria perdoado por tamanha heresia e confrontamento. Quem sabe pudesse, então, descansar em paz”!

“Quero dizer-te amigo padre que não sou católico romano, sou cristão em Cristo”.

“A Inquisição sujou muito a imagem deles, não é padre Abelardo?”

“Você cansou minha mente, meu filho. Devo ir agora”.

“Faz-se tarde e amanhã será um longo dia”.

Continuou o velho padre: “Se precisar de algo me procure. Ah, não deixe de orar e pedir perdão a Deus por seu ceticismo!”

“Você é boa criatura e obterá perdão, Miguel. Deus é benevolente com seus filhos!”

“Você está muito sarcástico, meu velho padre”.

Prolongou-se Miguel:

“Atenha-se só a mais uma coisa meu amigo eclesiástico: Assim como está escrito em Lucas capítulo dezessete, lá pelo versículo vinte e um:”

“O Reino de Deus está dentro de nós mesmos e não se fará materialmente como esperamos que se faça”.

“Por isso, pelas palavras bíblicas estando sob minha interpretação afirmo que um lugar celestial diferente e aprazível é utopia religiosa. Deste modo, façamos em nós esse tal reino prometido. Podemos viver nas regiões celestiais e termos o poder de ser feitos filhos de Deus aqui e agora!”

“Não me esquecerei disso, talvez use essa palavra em minhas pregações posteriores. Boa noite Miguel”, disse o velho querendo dar ponto final àquele encontro.

“Boa noite, caro amigo. Vá com Deus”.

Marciano James
Enviado por Marciano James em 08/07/2009
Reeditado em 11/04/2012
Código do texto: T1688298
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