XV - No pioneiro colégio Capitão Mário Cunha

Na manhã seguinte, ao encerramento do primeiro bimestre do ano letivo posterior a introdução das atividades físicas didáticas, onde se constatava claramente a evolução intelectual e social de grande parte dos alunos, o apaixonado professor iniciava mais um dia de labuta educacional.

Como de costume realizava uma oração sem prévia decorativa, orava o que seu coração determinava a orar e se adentrou a sala de aula para mais uma explanação teórica.

A turma era a sexta série e a aula seria sobre a atuação portuguesa no Brasil colônia.

O professor Miguel das Neves Alves iniciou sua explanação questionado se algum aluno poderia explicar o que seriam as capitanias hereditárias.

Ninguém, obviamente, respondeu. As crianças que o ouviam ainda não conheciam essa denominação peculiar dos imensos lotes de terra que foram doados aos senhores donatários.

Miguel então explanou de forma sucinta quais os motivos de repartir o território colonial em faixas territoriais como se fossem pequenos estados independentes e ao mesmo tempo prestadores de conta à metrópole portuguesa. Independentes, pois teriam que subsistir autonomamente e prestadores de conta, pois eram subjetivamente patrocinados pela coroa real portuguesa, já que se fazia escasso os recursos materiais e financeiros por essas plagas desabitadas de europeus e sua suposta política evoluída ainda não era aplicada em sua totalidade abaixo da linha do Equador.

Dizia ele, após pigarrear brevemente por duas vezes, que:

“Tudo começou quando um navio português ancorado na Espanha para reabastecimento e manutenção, presenciou a chegada de um navio francês supostamente vindo dos mares do sul e atracou-se no mesmo ancoradouro onde pausava a tripulação lusa.

A pretexto de acompanhar a frota até o destino final no porto próximo a Roma, a embarcação portuguesa tomou-lhes prisioneiros em alto mar e revistou todo o interior da nau francesa.

Para espanto lusitano, encontraram enormes quantidades de pau-brasil e espécies de aves e animais da flora tropical da colônia até então portuguesa por meio do Tratado de Tordesilhas e o suposto descobrimento por intermédio de Pedro Álvares Cabral, “como lemos nos livros oficiais”, ressaltava poeticamente o professor.

Com a turma de pré-púberes toda em estado hipnótico de atenção profunda a olhar atentamente ao gesticuloso mestre, este se fez continuar:

“A partir dessa apreensão pelo contrabando francês de madeira e animais brasileiro-portugueses os nossos colonizadores se aperceberam que o extenso litoral da colônia deveria ter patrulhamento ostensivo e o interior do território tupiniquim deveria ser povoado imediatamente”.

Nesse momento, iniciou-se, ao lado de fora da escola, uma briga de cachorros esfomeados em frente à sala que o professor Miguel das Neves Alves lecionava para aquela turma de trinta e três alunos.

Foi uma barulheira tremenda além dos muros do colégio.

Todos fizeram silêncio a ouvir o estrondoso ladrido coletivo, até que as matilhas antagônicas se desfizeram e a calmaria retornou à rua em frente ao colégio Capitão Mario Cunha. Ouvia-se apenas rosnados e latidos breves ao longe e cada vez com menor intensidade.

O professor Miguel, então, respirara profundamente enquanto vasculhara em sua mente o fio da meada a que tinha extraviado momentaneamente e deu continuidade:

“Tem-se então, inicio a saga dos primeiros colonizadores nomeados pela coroa para povoar e proteger esse extenso pedaço de terra fértil e exótica para os olhos do velho continente”.

“Todavia, o que não lemos nos livros oficiais da história da União Brasileira no período entre 1530 a 1550 foi o sentimento de ambição e poder emanado pela coroa portuguesa e seu projeto para uma efetiva colonização territorial, de uma faixa de terra até então abandonada e protegida por um tratado que só a Espanha e Portugal respeitavam mutuamente”.

“Digo ambição, pois os que se dirigiam para cá só mentalizavam o enriquecimento rápido por meio da extração de minerais que afloravam do solo e do tráfico de escravos e nativos. Realizando efetivo sonho ou devaneio, como queiram, retornariam as pressas para a metrópole, o que não gerou uma colonização de povoamento estruturado, mas de exploração degradante e intensa”, articulava o versado historiador.

Nesse momento um delgado longilíneo aluno chamado Paulo Lopes Pessoa, que adorava desenhar foguetes, sistemas solares e dinossauros na lousa durante o recreio e nos intervalos das aulas, questionou o professor Miguel sobre quem foram os supostos senhores donatários que receberam um verdadeiro presente de grego nas mãos devido à situação que se fazia presente, onde apenas florestas tropicais em toda a extensão territorial, animais e índios eram os habitantes da embrionária colônia.

“Boa pergunta, meu caro! Eram conquistadores das colônias sob escudo português que haviam combatido em outros lugares do mundo, tanto na Índia quanto na África. Esses homens tinham realizado difíceis missões para a coroa”.

“Eram graduados, militares, aventureiros por natureza, mas que de alguma forma tinham ligação direta com a metrópole e o rei. Foram designados proprietários de terras da colônia nos mares sulistas, somando um total de doze homens”.

“Doze colônias ou capitanias hereditárias para doze homens de confiança da cúpula real portuguesa. O curioso era que dos doze proprietários, somente oito vieram a pisar nesse solo exótico e rico em minérios, os outros quatro nunca vieram conhecer o que possuíam. Comandavam a distância além-mar e devido a esse fato e outras intempéries apenas duas capitanias prosperaram efetivamente”.

“Foram elas, as capitanias de Pernambuco comandada por Duarte Coelho e de São Vicente comandada por Martin Afonso de Souza, este por sinal mantinha-se ausente executando tarefas nas Índias”.

“Sua capitania prosperou mais pela ação de traficantes de índios e escravos. Todas as outras capitanias, então, foram fadadas ao fracasso”.

“Eram extensas por demais, não recebiam recursos efetivos da coroa e sofriam o descaso de seus donatários senhores. A duração dessa empreitada desastrosa foi duradoura e alterou significativamente o rumo dessa nação tal qual a conhecemos hoje”.

“Sua estrutura agrária, a evolução da lavoura canavieira e o grande comércio de tráfico de índios e escravos enraizaram no cerne da colônia desde então”.

“O tráfico de escravos foi tão intenso e rentável que nosso país foi um dos últimos no cenário mundial a abolir a escravidão. Subjetivamente, o país era cobrado a tomar tal decisão, quando nossa princesa Isabel assinou a famosa Lei Áurea”.

“Digamos que já estávamos pressionados e na iminência da corda no pescoço quando esse fato histórico veio a ocorrer”.

Minuciosamente, o professor Miguel explanava a vida de homem por homem nessa história paralela aos livros didáticos, contava suas sagas particulares, suas vitórias e tragédias.

Possuía esse conhecimento particular e prolixo devido a documentos e cartas lidas nos tempos de faculdade de história em Serras do Imperador, já que essa faculdade possuía um acervo histórico dos mais fantásticos e completos sobre a história brasileira nos seus mais diferentes e distintos períodos.

Miguel narrou a vida de Martim Afonso de Souza como nunca se lera anteriormente nos livros impressos pelo ministério da Educação da União Brasileira:

“Era amigo intimo do rei D. João III, desde a tenra infância”.

“Fidalgo e combatente, esse nobre gozava de extremo prestigio junto ao rei”.

“Motivos sórdidos como ciúmes e envolvimento intenso com D. João III afastaram no de Portugal, deste modo, outras pessoas próximas ao rei e com influência de decisões, designaram-no para tal missão abaixo do Equador para que o distanciasse de D. João e exercesse menos influência em seu reinado”.

Seus alunos acompanhavam-no com o olhar e com suspiros freqüentes.

Deliciavam-se num êxtase profundo durante aquela aula romântica sobre a história da colonização portuguesa em nosso imenso território.

Mais uma vez, interrompido pelo sinal peculiar de término da aula os alunos debandaram-se em retirada ao pátio para realizarem suas necessidades físicas imprescindíveis às pessoas que ficam demasiadamente sentadas durante longos períodos.

O professor Miguel das Neves Alves, então, fechou os olhos, sentou-se em sua mesa à frente das carteiras escolares e pensou no seu amor. Iria encontrá-la em sala de aula, após o recreio, para mais uma aula sobre a história da humanidade.

Marciano James
Enviado por Marciano James em 09/07/2009
Reeditado em 11/04/2012
Código do texto: T1690091
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