Ensaio Fraseado

Tarde chuvosa, uma neblina corre pelas ruas estreitas do velho mundo, o céu engata uma mistura azulada da noite com o cinza das gotas da chuva de lágrimas de Deus, capas e guarda chuvas colorem o final da tarde, o cheiro vem das padarias e eles podem atravessar todos os outros 4 sentidos, ali em um bar de aspecto sujo de emoções derretidas estamos nós. O som ao fundo é calmo e parece ser de um castelhano Uruguaio, isso nos deslumbra sentados a meio a um ambiente enfumaçado que só é controlado pelas arejadas e antigas janelas.

Pessoas aos prantos gargalham, sejam elas ou não possuídas pelo álcool, esse que deixa uma marca depressiva em todos do qual desfrutam, não ligo muito e logo ao chegar o garçom faço meu pedido.

- José, pode ver a carta de vinhos?

- Como sempre, meu amigo Astolfo. Volto em breve, meu caro.

- Obrigado José.

- De nada. A senhora gostaria de pedir algo?

- Não, beberei com meu Caro Astolfo.

Nesse meio tempo eu e Solene falamos de coisas da qual não se falam diante de uma mesa de bar, e foi quando a mesma indagou;

- Por que não acreditas em Jesus?

- Como pode fazer tal afirmação, Solene?

- Tendo em vista que você não acredita e nem lê a Bíblia.

- Isso é verdade, Solene, mas não discrimino seu conteúdo, apenas não a sigo como algo que possa guiar minha vida.

- O que guia sua vida, então?

- O tempo e o amor, minha cara.

A mesma se calou e observou o meu pedido a José, que como sempre me trouxe o vinho e uma porção de azeitonas Chilenas.

- O senhor não quer provar?

- Não, meu amigo. Sabe que vou beber de qualquer maneira.

- O Senhor realmente não existe.

Com a gargalhada encerramos a conversa e José, um jovem Dominicano do qual tinha o privilégio de ser amigo e freguês se foi, pelas mesas andava e esbanjava simpatia cantarolando algo que me parecia muito João Gilberto, fiquei curioso, mas retomei a conversa com Solene, que nessa altura já bebericava o vinho e comia algumas azeitonas.

- Não acredita no tempo Sol?

- Acredito, mas penso que ele não é algo no qual podemos nos agarrar e pedir algo.

- Mas quando você pede algo aos seus Deuses, quem é que lhe traz? O tempo, certo?

- Sim, de certa forma você está certo, Astolfo, mas o tempo às vezes nos tira algo que amamos ou que não queríamos perder, como poderia me explicar isso então? Seria algum tipo de castigo?

- Ele castiga mesmo, seja por esperar, por não ter ou apenas porque ele nos dá experiências e tem que cobrar algo em troca, porque nada é gratuito nessa vida.

- Meu caro Astolfo, você tem um cigarro?

- Sim, vai perder cinco minutos da sua vida, ou vai pedir algo ao tempo?

- Vou pedir ao tempo que pare de me dar rugas e que meus peitos voltem a ser firmes como eram.

- Aproveita, Solene, e pede meus cabelos de volta.

Aos risos somos aqueles do qual nos orgulhamos de ser, nem tudo que acontece se tem uma explicação plausível, nem a fé nem a direção de nossas vidas, tem que ser feliz com aquilo que temos e que nos foi dado; pedir não é necessariamente ter, todos os detalhes são imersos nas coisas que não possuem explicação, quem é quem nas conversas de um Capitão de botas batidas, conversar é a única forma de obter um pouco daquilo que precisamos ter para viver nessa selva de pedra.

R. Davoglio

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