Entre Camões e o velho centro

Árvores, praças, motoboys, trânsito e o caos, a bandeira trêmula diante dos cumes do arranha céu, tudo tão único na megalópole, movimentação constante e a direção é para lugar algum, sem rota o destino leva as pessoas para seus ambientes: mesas, escritórios e suas rotinas de acordar de um som bom para uma realidade nua e crua.

Amargo minha infantilidade em meu pequeno e omitido quarto, passando do flamenco para o Jazz num piscar de olhos, mas quem toca o ritmo da vida agora é ninguém menos que Yann Tiersen em seu piano mágico. Dominado por seu estado lisérgico, vejo todos os objetos pulsarem diante dos meus olhos retraídos de desejo e insegurança de quem já não pensa no futuro. Me calo e nesse pequeno período penso e me canso dos amigos e toda falsidade existente, procuro algo que não seja apenas meu diálogo entre o eu que faz e o eu que pensa em como se faz, sem perceber a tristeza alheia, tornou meus pensamentos aos livros que tenho lido em meu tempo vago, mas com enorme prazer vejo um estouro no ar, vejo que ela segue achando que sou um louco ao meio de uma arte básica que consiste em juntar palavras e pensamentos , coisas de tolo, coisas que passam sem o menor sentido diante de qualquer absurdo.

Volto e ligo para Maria, que me atende com uma voz fria e pálida.

- O que acontece, Maria? Por que me tratas com essa invencível indiferença?

- Olha, não vou ficar a te enrolar não Pedro, ainda não esqueci o absurdo do café.

- Café, Maria? Que raio de café?

- Aquele amargo que você passou na sua casa, quando ouvíamos Cartola na sua vitrola velha.

- Eu não tenho disco do Cartola, muito menos passei café. Sabe que gosto mesmo é do Chico Buarque e talvez fosse esse o disco...

- Mas e aquele dos óculos escuros? Era Cartola, não? Gosto dele.

Independente do que venha me falar Pedro, minha resposta é um sonoro não, não me venha enrolar com esse seu bla bla bla de botequim.

- Só liguei para saber como vai sua amiga Cristina.

- Cristina? Não seria Madalena?

- Já andei sabendo pelas ruas da Lapa que você foi visto nesse seu Passat perambulando com ela, justo Madalena? Nem se importá com Jesus?

- Que raio de Jesus? Ta ficando louca, Maria?

- Desculpa Pedro, ando vendo muitos filmes. Desde que me passou aquele café misturam as coisas, às pessoas, não sabem o que acontece comigo...

- Maria, que porra de café é esse do qual fala como eu tivesse feito?

- Aquele com cheiro azedo e gosto de casa de vizinho. Sabe que gosto de ir à sua casa, tem uma atmosfera diferente da minha, me deixa contente.

- Não é isso Maria, você gosta porque não tem o que fazer na sua, por isso vive na casa dos outros e sempre com essa história de café, isso para que as pessoas te aceitem.

- Que bruto Pedro! Mas tudo bem, quero saber se vai me passar um café hoje? Comprei um livro do Neruda e estou com saudades de falar com o Zé, ele ainda está por aí?

- Bendita hora em que te liguei mulher, tudo bem, pode vir e me traga um pouco de alpiste, que o do Zé está acabando. Não esquece a porra do café, que dessa vez é você quem vai fazer.

- Certo, Pedro. Pegarei o metrô e em alguns minutos estarei aí.

R. Davoglio

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