AGRESSÃO, VIOLÊNCIA E BULLYING

O fenômeno da agressão entre os seres humanos tem sido abordado em várias disciplinas tais como a sociologia, a biologia, a medicina (psiquiatria), a antropologia e a psicologia.

Cada área do conhecimento vê o tema sob uma diferente perspectiva e desenvolvem hipóteses, algumas mais amplas, com a utilização de fatores demográficos, culturais ou de princípios evolucionistas, outras mais específicas, utilizando-se de alterações metabólicas ou processos cognitivos para explicar as origens do comportamento agressivo.

De acordo com o referencial teórico utilizado, pode-se incluir sob o tema da agressão, eventos tão diferentes tais quanto homicídios, violência intra-familiar ou mesmo guerras. Entretanto, a compreensão de fenômenos complexos exige que os modelos de investigação sejam elaborados a partir de uma perspectiva integradora. Inicia-se com uma reflexão sobre os níveis de análise do comportamento humano, partindo logo a seguir para a definição conceitual da agressão e, particularmente, da agressão física.

Entre as teorias clássicas sobre o fenômeno, destacam-se as contribuições da etologia, psicanálise, behaviorismo e aprendizagem social. Posteriormente, são revisados modelos teóricos recentes, dentre os quais o cognitivismo neo-associacionista, o processamento da informação social, o interacionismo social e o modelo geral da agressão baseado em estruturas de conhecimento. Finalmente, são sugeridas algumas possíveis contribuições da abordagem biológica – genética e eventualmente estruturas neuro-químicas.

A causalidade, para os seres vivos, pode ser de dois tipos. As causas mais próximas são as que dizem respeito ao indivíduo e seus modos de funcionamento, sejam esses bioquímicos ou psicológicos. As causas últimas, também chamadas de históricas ou evolutivas, são as que procuram explicar por que os indivíduos, como conjunto, são de uma certa maneira e não de outras tantas possíveis.

Grande confusão nas explicações psicológicas de determinados aspectos do comportamento humano pode ser produzida justamente pela falta de diferenciação entre os níveis de análise de suas causas. Mas ao procurar compreender o ser humano a partir de uma concepção biopsicossocial, não é possível evitar a análise em mais de um nível, pois os fenômenos humanos devem ser resultantes de múltiplas determinações.

A ciência geralmente se preocupa com as questões do tipo “como”.

Sendo assim, causas próximas são mais comumente investigadas.

Por exemplo, abordar a agressão física entre adolescentes descrevendo as interações imediatas entre os membros de um grupo significa priorizar as causas próximas e buscar as origens do comportamento em processos ontogenéticos.

Já na investigação de causas últimas, o questionamento se direciona sobre os “porquês”.

Esse questionamento só pode ser respondido a partir de considerações históricas, e a história dos processos psicobiológicos é, por definição, evolução darwiniana. Deriva-se, dos pontos acima mencionados, a necessidade de buscar uma perspectiva integradora para a explicação da agressão física que inclua diferentes níveis de análise e, ao mesmo tempo, mantenha clareza sobre o tipo de explicação que está sendo empregado. Mas para tanto, é preciso que o próprio fenômeno em questão seja corretamente definido. Dentro destes parâmetros, é importante distinguir os termos agressão e violência que, apesar de semelhantes, não designam, exatamente, o mesmo fenômeno.

Agressão, do latim aggressione, significa disposição para agredir, disposição para o encadeamento de condutas hostis e destrutivas. Significa ainda ataque à integridade física ou moral de alguém ou ato de hostilidade e provocação.

Violência deriva do latim violentia, significando a qualidade de violento, qualidade daquele que atua com força ou grande ímpeto, empregando a ação violenta, opressão ou tirania, ou mesmo qualquer força contra a vontade, liberdade ou resistência de pessoa ou coisa. Pode significar, ainda, constrangimento físico ou moral exercido sobre alguma pessoa para obrigá-la a submeter-se à vontade de outrem. ¹ Violento, por sua vez, é um adjetivo que indica aquilo que ocorre com uma força extrema ou uma enorme intensidade. Na busca por uma terminologia mais apropriada, etologistas propuseram uma distinção entre comportamento predatório e comportamento agonístico. Enquanto o primeiro caracteriza situações de ataques entre animais de diferentes espécies – no qual um serve como fonte de alimento para outro – o comportamento agonístico refere-se a situações de lutas e ameaças entre indivíduos da mesma espécie. Já no âmbito das ciências humanas, a distinção entre a agressão premeditada e impulsiva remonta há pelo menos dois séculos, atualizando-se nos conceitos de agressão instrumental e reativa (ou afetiva).

Para Niehoff, agressão é um comportamento adaptativo entendido como a utilização de força física ou verbal em reação a uma percepção de ameaça. Por sua vez, violência é um comportamento mal-adaptativo, que consiste em uma agressão direcionada ao alvo errado, no lugar errado, no tempo errado e com a intensidade errada.

Operacionalmente, o comportamento agressivo é uma categoria que engloba atos que variam de acordo com manifestações típicas para cada idade, severidade e escolha do oponente ou vítima.

Distintamente, violência é uma característica de algumas formas de agressão com o objetivo de causar dano extremo entre co-específicos de uma espécie bem particular: seres humanos.

Perspectivas teóricas clássicas sobre a agressão: uma breve revisão Diferentes perspectivas teóricas têm sido utilizadas para a compreensão do fenômeno da agressão. Destacam-se, dentre as teorias mais generalistas, tanto as contribuições do modelo de evolução por seleção natural proposto por Charles Darwin quanto à psicanálise desenvolvida por Sigmund Freud, ambas já centenárias. A partir dessas originais formulações, outras abordagens foram geradas, sendo merecedoras de destaque as contribuições da etologia, do behaviorismo e da aprendizagem social. Sem a pretensão de esgotar cada um dos aportes teóricos acima mencionados, esta seção resgata brevemente suas principais contribuições para a compreensão do comportamento agressivo.

ETOLOGIA

Em seu último livro, de 1872, A expressão das emoções no homem e nos animais, Darwin (1998) causou grande impacto ao afirmar que o comportamento humano é controlado pelos mesmos mecanismos que governam o comportamento dos demais organismos. Nas décadas de 30 e 40 um grupo de cientistas, que se auto-determinavam etologistas, como Niko Tinbergen, Konrad Lorenz e Karl Von Frisch, e geneticistas de insetos, como Seymour Benzer, aumentou a complexidade do modelo biológico ao mostrar que os instintos, que consistem em rotinas e sub-rotinas comportamentais, apresentava um componente genético que poderia ser “dissecado” pelos métodos tradicionais da biologia: existiam genes que regulavam os ritmos da vida, a memória e o esquecimento e os modos de identificar parceiros sexuais.

Nesta hierarquia informacional, um instinto é diferente de um reflexo, que é uma simples resposta dada instantaneamente pelo organismo a algum estímulo, sem o envolvimento de um centro cerebral (como o reflexo patelar, nos adultos, ou a fuga à asfixia, em bebês). Os instintos tornam-se mais complexos à medida que o sistema nervoso de uma espécie também se sofistica.

¹ - princípio básico do fenômeno BULLYING

Por exemplo, todos os casos de alterações no processo de cortejo sexual entre insetos são devidos às alterações genéticas. No caso dos humanos, ainda que a base neural da sexualidade esteja bem estabelecida e que haja fortes indícios de mutantes humanos para o comportamento.

sexual, muitos indivíduos apresentam variações na sexualidade de origem predominantemente ambiental.

Assim, há críticas óbvias à aplicação, sem reservas, do termo instinto no que se refere às influências biológicas no comportamento agressivo em seres humanos. Um exemplo de simplificação é o “instinto da agressão”, não como um princípio diabólico que tem por finalidade a destruição e a morte, mas como um contribuinte da preservação e organização da vida.

Dentre todas as lutas entre espécies diferentes, a função preservadora é ainda mais evidente na agressão intra-específica. Para Lorenz, as funções básicas do comportamento agressivo animal são reguladas pelos instintos de hierarquia, territorialidade e defesa da prole. Eles irão agir, ou serão suprimidos, de acordo com a situação em que o animal se encontra. Para Lorenz, as pulsões agressivas são o resultado da “pressão da seleção intra-específica”, que fez surgir no homem, há muito tempo atrás, uma certa quantidade deste comportamento, para o qual ele não encontra um escape adequado na sociedade atual. Finalmente, outra contribuição da etologia se refere à definição de diferentes classes de comportamento agressivo. A classificação mais amplamente reconhecida é a de Moyer, diferenciando o comportamento agressivo em predatório, territorial, inter-machos, defensivo, induzido pelo medo, maternal, irritável e instrumental. Para este autor, cada subtipo é controlado por substratos neuroanatômicos e neuroquímicos distintos e, algumas vezes, sobrepostos.

PSICANÁLISE

Entretanto, a agressividade não era um domínio exclusivo da etologia. Embora Freud, especialmente na parte inicial de sua obra, não tenha atribuído muita relevância ao tema, a partir da “virada de 1920” percebe-se um escalonamento no estudo do comportamento agressivo.

Em Três ensaios sobre a teoria da sexualidade (1905/1989), é apresentada a idéia de que na fase sádico-anal a criança desenvolve um componente de crueldade da pulsão sexual. Essa crueldade não teria por objetivo o sofrimento alheio, mas simplesmente não o levaria em conta. Apesar disso, essa crueldade seria um traço normal da infância, pois a trava que limita a pulsão de dominação, e faz com que a criança se detenha diante da dor do próximo, se desenvolveria tardiamente.

Com isso, Freud conclui que a agressividade começa a se formar junto ao desenvolvimento do indivíduo. Em O ego e o id, Freud fala sobre duas classes de pulsões: Eros, ou pulsão de vida e Thanatos, ou pulsão de morte. O primeiro abrange o conjunto das pulsões que criam ou mantém a unidade (pulsões sexuais e pulsões de auto-conservação). Contrapondo-se às pulsões de vida, estão as pulsões de morte, que visam à redução completa das tensões. Essa pulsão está voltada, inicialmente, para o interior e tendendo à auto-destrutividade. Secundariamente se dirigiria para o exterior, manifestando-se então sob a forma da pulsão de agressão ou de destruição. A pulsão de morte torna-se pulsão de agressão quando é desviada para o mundo externo, fazendo notar-se através da agressividade e destrutividade. Sendo assim, essa pulsão está a serviço de Eros, pois o organismo, quando escoa para fora esta energia, destrói outro objeto ao invés de destruir seu próprio eu (self). Inversamente, se houvesse qualquer restrição dessa agressividade dirigida para fora, só aumentaria a autodestruição. Por isso, Freud acreditava na necessidade de atividades sociais que servissem como válvula de escape para toda a energia armazenada, ponto de vista compartilhado por etólogos como Lorenz.

Em O mal-estar na civilização (1930/1989), Freud assinala que a agressão é o maior impedimento à civilização. A inclinação que os homens têm para a agressão constitui o fator que perturba os relacionamentos com o próximo. “Em conseqüência dessa hostilidade primária dos seres humanos, a sociedade civilizada se vê permanentemente ameaçada de desintegração” (p. 134). Por outro lado, afirma que sem a agressão o homem não se sente confortável. Posteriormente, em carta enviada a Albert Einstein, indagado sobre o que poderia ser feito para proteger a humanidade da maldição da guerra, Freud (1932/1989) escreveu que o instinto agressivo natural do homem é um atraso para a evolução da civilização e seria inútil tentar eliminar as inclinações agressivas dos homens, pois esta é uma característica psicológica da civilização.

BEHAVIORISMO

Todavia, Freud não especificou se a energia psíquica tratava-se de uma energia real, ou metafórica. Caso ela seja metafórica, não pode ser medida, logo, não há como provar que a energia aumenta com a frustração, ou se dissipa com a catarse (expressão da agressividade). Baseados nesta crítica, alguns discípulos de Clark Leonard Hull, procuraram desenvolver a hipótese da frustração-agressão.

Dollard, Doob, Miller, Mower e Sears, em um estudo interdisciplinar, definiram frustração como um ato ou evento que impede alguém de atingir um objetivo, seja isto uma barreira física, social (regras, leis), ou uma simples interrupção.

A frustração produz energia agressiva e esta, por sua vez, instiga o comportamento agressivo. É importante notar que a frustração não conduz, inevitavelmente, à ocorrência da agressão: “Frustração produz instigação a um número de diferentes tipos de resposta, um dos quais é a instigação a alguma forma de agressão”.

A manifestação de um ato agressivo vai depender, entre outras coisas, da posição hierárquica ocupada pela instigação à agressão. Já a intensidade da resposta irá variar de acordo com diversos fatores: a força com que se tenta chegar a um objetivo, o valor atribuído a este e o grau de interferência. Partindo deste princípio, também as respostas agressivas como reações catárticas, por reduzirem a energia negativa provocada pela frustração, são auto-reforçadoras e devem reduzir, além da energia agressiva, a probabilidade da pessoa voltar a agredir alguém. Porém, foram muito mais freqüentes os experimentos que demonstraram o contrário, afirmando que reações catárticas aumentam ainda mais a agressividade. Por exemplo, a exposição a mensagens pró-catárticas e a oportunidade de expressar fisicamente a raiva aumentaram a probabilidade de envolvimento em subseqüente comportamento agressivo, ao invés de promover o relaxamento e reduzir a raiva. O redirecionamento, sendo uma forma de substituição do alvo a ser atacado em resposta a um estímulo, também foi considerado. Quanto maior a semelhança com a fonte de frustração, maiores são as chances de alguém ou algo ser atacado.

APRENDIZAGEM SOCIAL

Sob um enfoque diferente, no qual a agressividade não depende de impulsos internos nem é provocada pela frustração, Albert Bandura desenvolveu a teoria da aprendizagem social. Para ele, a maior causa da agressão é o incentivo e as recompensas oferecidas pelo ato. A pessoa, frente a uma situação identificada, pesa os benefícios e os custos potenciais em expressar um comportamento agressivo. Caso os benefícios sejam maiores, ela optará pela agressão, a fim de atingir os seus objetivos. Bandura não concorda com a existência de um impulso inato de agressão diante de um estímulo aversivo. Afirma que os atos extremamente violentos não podem ser espontâneos, mas precisam ser aprendidos e treinados para que sejam executados. Além disto, eles são aprendidos lentamente e necessitam de modelos que os pratiquem (família, sociedade ou ídolos), que demonstrem tipos de ações que são recompensadoras ou passíveis de punição. A aprendizagem da agressividade através da modelação (aprendizagem vicariante) dá-se através de quatro processos interligados:

1) o indivíduo deve estar atento às dicas ou pistas que lhe são dadas;

2) as observações devem ser codificadas de alguma forma, a fim de serem representadas na memória;

3) estas representações são transformadas em padrões de imitação de comportamento;

4) são necessários incentivos apropriados à atuação do que foi aprendido, citado em.

Ao selecionar o tipo de modelo a ser seguido, a pessoa é mais inclinada a utilizar critérios como inteligência e status, sendo mais provável que alguém que ocupe uma posição mais alta que a dela na hierarquia social seja o modelo eleito. Em um experimento clássico, demonstraram a forte influência da modelação no comportamento agressivo em crianças. Uma vez aprendido o comportamento agressivo, basta haver uma situação apropriada para que ele se manifeste. O sujeito passa então a fazer uma antecipação da recompensa ou punição resultante do ato; conforme o resultado desta avaliação cognitiva, o comportamento agressivo será expresso. É interessante observar que nem sempre a punição evita a continuidade do comportamento agressivo. Ainda no final da década de 50, um estudo realizado por Bandura e Walters revelou que a punição física em crianças, ao contrário do que se pensava, leva-as a mais envolvimento em brigas, servindo como um reforço do modelo agressivo.

RESUMO COMPARATIVO

Em uma breve recapitulação das perspectivas teóricas acima apresentadas, é possível destacar alguns aspectos convergentes, como um certo consenso quanto à inutilidade da aplicação direta do conceito de instinto para a compreensão da agressão física entre seres humanos. Mesmo abordagens biologicamente orientadas como a etologia sofreram revisões importantes, levando à reconsideração na distinção clássica entre comportamentos inatos e aprendidos.

Por outro lado, as divergências entre as diferentes perspectivas são mais notáveis. Um claro exemplo pode ser identificado em torno da influência da frustração na etiologia da agressão, especialmente no antagonismo entre a abordagem behaviorista de Dollard e colegas e a aprendizagem social de Bandura. Outro exemplo pode ser visto nas conseqüências das reações catárticas – contrapondo teorias como psicanálise e etologia em relação a resultados recentes de investigações, ou ainda nas diferentes classificações da agressão.

Também é visível a distinção quanto aos níveis de análise entre as abordagens. Enquanto o behaviorismo e a teoria da aprendizagem social respondem às questões proximais através do foco em processos ontogenéticos, a psicanálise e a etologia, por vias diferentes, incluem questões sobre a natureza última do comportamento.

No caso da psicanálise, não deixa de ser interessante notar como o próprio Sigmund Freud apresentou inicialmente uma orientação biológica intensa. Freud esteve primariamente interessado em neurologia e técnicas de visualização de neurônios. Conhecedor das idéias de Darwin passou a investigar o sistema nervoso de um peixe primitivo, buscando entender um

pouco mais sobre a evolução e origens do sistema nervoso. Embora algumas dessas idéias tenham sido abandonadas, a relação com a biologia nunca foi diminuída, visto a noção física de

energia e a referência contínua ao corpo. O próprio conceito de pulsão, elemento central na teoria psicanalítica, é compreendido como pressão ou força (carga energética) que move o organismo para um alvo. Uma pulsão tem a sua fonte em uma excitação corporal ou estado de tensão.

Já no caso da etologia, apesar de existir uma preocupação constante com os processos ontogenéticos, é impossível negar que foi justamente esta disciplina – baseando-se na genética de populações já nas décadas de 1930 e 1940 e sendo apoiada pela sociobiologia a partir dos anos 1970 – que trouxe à tona a ênfase evolucionária na explicação do comportamento animal e humano.

Finalmente, a própria noção da validade de uma abordagem biológica na explicação do comportamento agressivo não é algo consensual. Apenas para citar um exemplo, a abordagem da aprendizagem social, conforme inicialmente formulada por Albert Bandura, atribuía um papel secundário aos aspectos biológicos. Não que esses fossem ignorados, pois a aprendizagem explica a aquisição e a manutenção do comportamento humano, mas dentro dos limites impostos pela biologia.

O ponto é que essa aprendizagem “só pode ser compreendida em um contexto social, e baseia-se na crença da importância causal da cognição”. Para Bandura, o comportamento é determinado reciprocamente pelas influências pessoais e forças ambientais. Mesmo em recentes atualizações, não desconsidera a biologia, pois “princípios psicológicos não podem violar as capacidades neurofisiológicas dos sistemas que os sub-servem”; por outro lado, critica a ênfase dada aos processos neurais que, em sua visão, conduziria inevitavelmente a um reducionismo.

Essa mesma crítica é ampliada ao que Bandura denominou de “evolucionismo unilateral”, ou seja, a tendência para biologizar as causas do comportamento humano a partir das pressões seletivas ao longo da evolução da espécie. Neste sentido, cabe notar que tanto processos ontogenéticos quanto filogenéticos são alvo dos comentários de Bandura.

A agressão como fenômeno adaptativo tem sido considerada pelos etologos, mas seu agigantamento pelos psicólogos. A aprendizagem de comportamentos agressivos pode eventualmente reproduzir na vida de uma criança, fenômenos da mesma espécie. Não se trata do enfoque linear estímulo-resposta, mas há de se considerar esta perspectiva.

Friedrick Hacker (1914-1989), psiquiatra americano, analisou com propriedade as raízes da violência que impera neste mundo globalizado que se ajoelha reverente ao mercado ou inda, para um modelo consumista ou utilitarista.

A agressividade é própria da natureza animal, incluída a espécie humana. Denota o nosso espírito de sobrevivência. Frente a determinadas circunstâncias, cada um é agressivo a seu modo: ironia, humor, astúcia desprezo, presunção etc. Violência é quando se rompe a barreira da alteridade e a força física se impõe sobre o mais frágil ou indefeso e como reação ao agressor.

Quase nunca entendemos como violenta a ação que atinge o outro, exceto quando nós somos as vítimas. Se a polícia cerca, na saída de um cinema, nosso grupo de amigos, e exige que fiquemos todos de mãos na parede e pernas abertas, enquanto nos revista, consideraremos uma violência. Se do alto da janela do apartamento vemos a mesma cena, com a diferença de que os detidos são jovens de periferia, admitimos que a polícia cumpre o seu dever. Sentimos mesmo certo alívio por saber-nos protegidos pelo Estado que, sustentado por nossos impostos, nos oferece segurança.

Se um dos amigos protesta pelo modo como está sendo apalpado e recebe em resposta um empurrão, fica patente a violência. Para o policial em nenhum momento houve violência. Julga apenas que cumpre o seu dever. É o caso do pai que, ao retornar do trabalho, descobre que o filho mais velho bateu no mais novo. Para dar-lhe uma lição de que nunca deve bater em alguém mais fraco do que ele, o pai dá uma surra no mais velho. Sem nenhuma consciência de que pratica exatamente o que recriminou. É essa contradição entre o discurso sobre a educação e os métodos aplicados que dissemina o comportamento violento.

Por que o mesmo ato cometido por um é repreensível e, por outro é, legítimo? Esse pai jamais se considerará violento. Se questionado, dirá apenas que é seu dever educar.

Esta a estrutura em que a violência se apóia: é sempre praticada, como se fosse ato de justiça, legitimada por uma razão superior, seja o Deus dos cruzados ou dos fundamentalistas; a defesa da propriedade privada; o liberalismo do Mercado; os deveres de uma boa educação etc.

A violência é a mais primária forma de manifestação da agressão. Toda a estrutura da sociedade, com suas leis e instituições, contém boa dose de agressividade, assim como a disciplina que os pais impõem à boa educação dos filhos. Ela favorece a nossa convivência social e reprime nossas tendências auto-destrutivas. O melhor exemplo de agressividade sem violência é o esporte.

Já a violência é rasteira, cruel, repetitiva, o que permite à polícia identificar o modus operandi de criminosos, pois ela se propaga sem a menor criatividade, exceto os equipamentos bélicos concebidos para torná-la mais e mais brutal e massiva. Para saber lidar com a agressividade é preciso certo refinamento de espírito. Já a violência é burra, não exige educação, está ao alcance de qualquer um.

O mais grave é que nos acostumamos à prática da violência. Covardes, não ousamos usar as próprias mãos, mas aplaudimos quando a polícia espanca o bandido; a lei retroage a idade penal; o plebiscito libera o comércio de armas; o Estado decreta a pena de morte etc. Sem nos dar conta de que nos deixamos dominar pela parte mais primária de nosso cérebro, lá onde se aloja o réptil que nos precede na escala evolutiva e do qual somos tributários.

Se uma sociedade perde a sensibilidade à violência e ignora a limite que deve perdurar entre ela e a agressividade, isso aquece o caldo de cultura do autoritarismo. O sentimento de humilhação que a Primeira Guerra impôs ao povo alemão favoreceu a ascensão do "vingativo" Hitler. A derrota de Bush pai no Iraque, em 1991, impeliu boa parte da opinião pública dos EUA a apoiar, em 2003, o filho disposto a "lavar a honra".

Ninguém é capaz de atacar seu semelhante, a menos que produza, entre si e o outro, a dessemelhança. Assim, o homem bate na mulher por considerá-la imbecil; o branco agride o negro por encará-lo como inferior; a grande nação decreta guerra à pequena que se nega a abrir mão de sua soberania; o líder popular passa a ser demonizado pela mídia, de modo a deslegitimar a causa que defende. Essa postura distancia desculpabiliza, abre caminho à violência como legítima e até legal.

Também é importante citar alguns estudos (Em especial Clarissa Pinkolas Esther – Mulheres que correm com os lobos) sobre a perda da agressividade natural da fêmea humana.

Em decorrência da maior força biomecânica masculina, a fêmea humana foi, ao longo do processo evolutivo, sendo tolhida de seus movimentos agressivos naturais, construindo relações de subordinação, subjugação, subserviência, entre tantas ações intimidatórias. Há também estudos que contemplam uma “aceitação” (coloca-se entre aspas em virtude de ter seu significado corrompido) de um companheiro violento e agressivo em comunidades muito pobres – como favelas, por exemplo – onde a mulher “prefere” sofrer as ações intimidatórias e agressivas de seu companheiro que eventualmente “aparece” ao invés de não ter ninguém e estar à mercê de outros homens na comunidade. Obviamente um movimento muito injusto.

O FENÔMENO BULLYING

Palavra de origem inglesa, adotada em muitos países para definir o desejo consciente e deliberado de maltratar uma outra pessoa e colocá-la sob tensão. Termo que conceitua os comportamentos agressivos e anti-sociais, utilizado pela literatura psicológica nos estudos sobre o problema da violência.

Bully é traduzido como “valentão”, “tirano” e como verbo, “brutalizar", “tiranizar”, “amedrontar”, etc.

Bullying é definido como um subconjunto de comportamentos agressivos, sendo caracterizado por sua natureza repetitiva e por desequilíbrio de poder. Esses critérios nem sempre são aceitos como universais, mesmo sendo largamente empregados. Alguns pesquisadores consideram ser necessários no mínimo três ataques contra a mesma vítima durante o ano para sua classificação como bullying. O desequilíbrio de poder caracteriza-se pelo fato de que a vítima não consegue se defender com facilidade devido a inúmeros fatores: por ser de menor estatura ou força física; por apresentar pouca habilidade de defesa; pela falta de assertividade e pouca flexibilidade psicológica perante o autor ou autores dos ataques.

Assim sendo, por definição universal, bullying é um conjunto de atitudes agressivas, intencionais e repetitivas que ocorrem sem motivação aparente, adotado por um ou mais alunos contra outro(s) causando dor, angústia e sofrimento. Insultos, intimidações, apelidos cruéis, gozações que magoam profundamente, acusações injustas, atuação de grupos que hostilizam, ridicularizam e infernizam a vida de outros alunos levando-os à exclusão, além de danos físicos, morais e materiais, são algumas das manifestações do comportamento de bullying.

Podemos considerar o bullying como fenômeno novo, porque vem sendo objeto de investigação e de estudos nas últimas décadas, despertando a atenção da sociedade para suas conseqüências nefastas, uma vez que se evidencia pela “desigualdade entre iguais”, resultando num processo em que “valentões” projetam sua agressividade com requintes de perversidade e de forma oculta dentro de um mesmo contexto escolar.

Também não podemos considerar tão novo, por se tratar de uma forma de violência que sempre existiu nas escolas – onde os “valentões – continuam oprimindo e ameaçando suas vítimas por motivos banais e que até hoje ocorre despercebida pela maioria esmagadora dos profissionais de educação”. Se não, por omissão deliberada.

O bullying é um comportamento intrínseco nas relações interpessoais, em que os mais fortes convertem os mais frágeis em objetos de diversão e prazer através de “brincadeiras” que disfarçam o propósito de maltratar e intimidar.

O bullying é um fenômeno universal e os educadores devem estar atentos – dentro dos limites da função e da instituição – na identificação de agressores e agredidos, tendo em vista que – e em especial – os agredidos que podem apresentar comportamentos que trafegam desde a angústia e sofrimento intensos, até a violência fatal.

Os episódios constantes de agressão / assassinato em massa nas escolas de ensino médio e universidades americanas têm – segundo os especialistas – explicação no bullying, ou seja, alguns dos agressores além de apresentar estruturalmente necessidades psicológicas fundamentais, foram vitimados por bullying em uma determinada fase escolar. Os dados coletados indicam timidez e isolamento excessivo – fatores internos – e diferentes etnias, imigrantes, vitimados por ações de bullying.

Nós educadores, somos uma espécie de terceira visão neste processo silencioso, temperado pelo sofrimento das vítimas que freqüentam salas de aula, corredores e pátios de recreação.

Estes são os espaços onde o bullying é praticado.

As vítimas sofrem caladas e seus intimidadores, dissimulados. Na medida em que estivermos mais atentos a tal fenômeno, talvez possamos interceder, produtivamente junto aos agressores e agredidos.

David Sergio
Enviado por David Sergio em 10/08/2009
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