BULLYING NA ESCOLA

Durante muitos anos, recebi em meu consultório, jovens com as mais diferentes demandas psicológicas, mas uma, em especial, me chamava atenção, tendo em vista sua freqüência e intensidade: relatos semelhantes de terem sido, de alguma forma física ou psicológica, maltratados na escola.

No atendimento clínico, o jovem intimidado manifestava clara dificuldade em discutir estas questões. A decisão em abordar o assunto, sempre permanecia a critério de cada jovem, para que o fizesse no momento que julgasse mais confortável. Quando conseguia, os relatos dessas experiências eram dramáticos, a ponto de alguns deles solicitarem aos seus pais, mudança ou até desistência da escola.

Algumas variáveis clínicas do setting terapêutico foram encontradas, tais como, insônia, sudorese excessiva, dificuldade de concentração, tremores, estresse generalizado, dentre tantas outras, por vezes incapacitantes e decorrentes do bullying. Algumas questões eram constantemente trazidas à discussão tais como, sofrimento psicológico, recusa em freqüentar a escola, dificuldades relacionais etc.

As intervenções tinham por objetivo uma melhora geral na qualidade de vida do jovem, tendo em vista que, algumas pesquisas sugerem que vítimas de bullying são muito ansiosas e inseguras. (Olweus, 1999).

Para acompanhamento da sintomatologia, os jovens eram encaminhados, quando necessário, para outros profissionais tais como, médicos, psiquiatras, fonoaudiólogos, etc. numa ação multidisciplinar.

Anos mais tarde, na escola supra mencionada, iniciei minhas atividades como orientador pedagógico e psicólogo, e o fenômeno parecia ser mais agudo do que se podia avaliar. Encontrei alguns jovens amedrontados, insones, cabisbaixos, com baixa produção escolar, atenção excessiva (e não flutuante) nos intervalos e recreios, por vezes solitários, quando não escondidos pelos cantos dos pátios, escadas e até, nas próprias salas de aula. Um índice de absentismo nada desprezível.

Estes são alguns dos espaços onde o bullying é praticado. Embora delimitado pelos muros da escola, o bullying também está presente nos momentos que antecedem a entrada e saída dos períodos tais como, portões de entrada, pontos de ônibus próximos, transportes escolares, bem como espaços considerados contíguos aos limites da escola.

A partir dessas constatações, tentava observar, de forma cautelosa, possíveis eventos de intimidação física ou psicológica, freqüentando intencionalmente a área da cantina nos horários de recreio.

Procurava ainda, estar atento aos movimentos incomuns que pudessem ser caracterizados como violentos. Desta forma, era possível presenciar algumas ações intimidatórias, com suas vítimas sofrendo caladas, sempre escondidas. Raramente encontravam amparo de colegas e/ou funcionários, exceptuando-se os casos de agressão física, quando e se vistos recebiam a interferência de bedéis ou outro funcionário qualquer da escola. As vítimas eram (e o são) facilmente identificáveis. Ao observar os movimentos (em especial os corporais) destes jovens, era possível perceber, o sofrimento psicológico da qual estavam sendo vitimizados pelos seus agressores, mesmo através de um procedimento conhecido que é o da colocação de apelidos pejorativos.

Os eventos se caracterizavam pela agressão física e psicológica, além do uso de expressões depreciativas ou humilhantes relacionadas à determinada característica física, ou seja, colocação de apelidos pejorativos do tipo: “Gordão”, “Gordona”, “Orca”, “Baleia”, “Pintor de rodapé”, “Cabeção”, “Negão”, “Salva-vidas de aquário”, “Baixinho (a)”, “Anão de Jardim”, “Magrelo (o)”, “Poste de luz”, Miojo, Japonês,“ etc.

O QUE É BULLYING?

Bullying é uma palavra (expressão) de origem inglesa, adotada em muitos países para definir o desejo consciente e deliberado de maltratar outra pessoa e colocá-la sob tensão. Termo que conceitua os comportamentos agressivos e anti-sociais, utilizado pela literatura psicológica nos estudos sobre o problema da violência.

O termo Bullie como substantivo é traduzido por “valentão”, “tirano” etc., e como verbo, “brutalizar", “tiranizar”, “amedrontar”, etc.

Ainda como substantivo, bullying é definido como um subconjunto de comportamentos violentos, sendo caracterizado por sua natureza repetitiva e por desequilíbrio de poder.

Esses critérios nem sempre são aceitos como universais, mesmo sendo largamente empregados. Alguns pesquisadores consideram serem necessários no mínimo três ataques contra a mesma vítima durante o ano para sua classificação como bullying. O desequilíbrio de poder caracteriza-se pelo fato de que a vítima não consegue se defender com facilidade devido a inúmeros fatores: por ser menor de idade estatura ou força física; por apresentar pouca habilidade de defesa; pela falta de assertividade e pouca flexibilidade psicológica perante o autor ou autores dos ataques.

Como verbo, bullying pode ser traduzido como tiranizar, intimidar, agredir, colocar apelidos, ofender, fazer gozações, encarnar, humilhar, causar sofrimento, discriminar, excluir, isolar, ignorar, intimidar, perseguir, assediar, aterrorizar, dominar, agredir, bater, dar chutes, dar empurrões, causar ferimentos, roubar e ainda quebrar pertences.

Assim sendo, por definição universal, bullying é um conjunto de atitudes violentas, intencionais e repetitivas que ocorrem sem motivação aparente, adotado por um ou mais alunos contra outro(s) causando dor, angústia e sofrimento físico ou psicológico. Insultos, intimidações, apelidos cruéis, gozações que magoam profundamente, acusações injustas, atuação de grupos que hostilizam, ridicularizam e infernizam a vida de outros alunos levando-os à exclusão, além de danos físicos, morais e materiais, são algumas das manifestações do comportamento de bullying.

O bullying é um fenômeno universal e os educadores devem estar atentos – dentro dos limites da função e da instituição – na identificação de agressores e agredidos, tendo em vista que estes últimos – os agredidos – podem apresentar comportamentos que trafegam desde a angústia e sofrimento intensos, até a violência fatal. Os episódios constantes de agressão / assassinato em massa nas escolas de ensino médio e universidades americanas têm explicação no bullying, ou seja, alguns dos agressores além de apresentar estruturalmente demandas psicopatológicas fundamentais, foram vitimados por bullying em uma determinada fase escolar. Os dados coletados indicam timidez e isolamento excessivo – fatores internos – e diferentes etnias, imigrantes e culturas diversas – fatores externos.

Dan Olweus – reconhecido pesquisador do bullying, atribui este achado à homogeneidade relativa nos países escandinavos nos quais seus estudos foram conduzidos. No início dos anos 70, Olweus iniciava investigações na escola sobre o problema dos agressores e suas vítimas, embora não se verificasse um interesse das instituições sobre o assunto. Já na década de 80, três rapazes entre 10 e 14 anos, cometeram suicídio. Estes incidentes pareciam ter sido provocados por situações graves de bullying, despertando, então, a atenção das instituições de ensino para o problema. Olweus pesquisou inicialmente cerca de 84.000 estudantes, 300 a 400 professores e 1.000 pais entre os vários períodos de ensino. Um fator fundamental para a pesquisa sobre a prevenção do bullying foi avaliar a sua natureza e ocorrência.

Nos estudos noruegueses utilizou-se um questionário proposto por Olweus, consistindo de um total de 25 questões com respostas de múltipla escolha, no qual se verificava a freqüência, tipos de agressões, locais de maior risco, tipos de agressores e percepções individuais quanto ao número de agressores.

Em geral, as vítimas sofrem caladas e seus intimidadores, dissimulados. Na medida em que estivermos mais atentos a tal fenômeno, talvez possamos interceder, produtivamente junto aos agressores e agredidos.

Especialistas e educadores de todo mundo, com o apoio de instituições públicas e privadas, têm proposto às autoridades educacionais a criação de programas especiais de combate e prevenção ao bullying nas escolas. Diversas pesquisas e programas de intervenção anti-bullying vêm se desenvolvendo na Europa e na América do Norte, visando principalmente conscientizar toda a comunidade escolar sobre o fenômeno e sensibilizá-la sobre a importância do apoio às vítimas, buscando encaminhá-las para tratamentos clínicos, encorajá-los à denúncia, além de fazer com que se sintam protegidas.

O fenômeno bullying não é novo, por se tratar de uma forma de violência que sempre existiu nas escolas – aonde valentões – tem oprimido e suas vítimas por motivos banais e de forma sutil, sendo percebida por uma significativa parcela de professores, coordenadores e diretores que pouco podem fazer. Ou por omissão deliberada face às ameaças às quais também são freqüentemente reféns.

No entanto, o estudo aprofundado do bullying é recente e tem sido objeto de investigação e estudos nas últimas décadas, despertando a atenção da sociedade para suas conseqüências nefastas, já que se evidenciam pela desigualdade entes iguais, resultando num processo em que “valentões” projetam, algumas vezes, sua agressividade com requintes de perversidade e de forma oculta dentro de um mesmo contexto escolar.

O bullying é um tipo de comportamento, em que os mais fortes convertem os mais frágeis em objetos de diversão e prazer através de brincadeiras que disfarçam o propósito de maltratar e intimidar (Olweus, 1999) e pode ocorrer de diversas formas (Olweus, 1993). As mais comuns são:

52% apelidos pejorativos e discriminatórios;

21% ameaças;

12% furtos de pertences;

9% agressões físicas;

5% exclusões do grupo.

Educadores podem – e devem – estar atentos a este processo silencioso, temperado pelo sofrimento das vítimas que freqüentam salas de aula, corredores e pátios de recreação.

UM REFERENCIAL TEÓRICO

Embora sejam inúmeras as áreas do conhecimento humano que estudam agressão e violência, uma em particular fornece base teórica para este estudo: Henri Wallon focaliza a pessoa completa, analisando as esferas afetiva, cognitiva e motora de forma integrada, mostrando como se dá, no transcorrer do desenvolvimento, a interdependência e predominância desses diferentes conjuntos, bem como seu entendimento sobre afetividade.

Para Wallon, “o homem é geneticamente social”, ou seja, são as condições de existência do homem, que proporcionam a base material para o desenvolvimento, tanto de ordem fisiológica quanto social.

Wallon realiza um estudo centrado na criança contextualizada, onde o ritmo no qual se sucedem às etapas do desenvolvimento é descontínuo, marcado por rupturas, retrocessos e reviravoltas, provocando em cada etapa profundas mudanças nas anteriores. Os conflitos se instalam nesse processo e são de origem exógena quando resultantes dos desencontros entre as ações da criança e o ambiente exterior, estruturado pelos adultos e pela cultura e endógenos e quando gerados pelos efeitos da maturação nervosa.

Contudo, a emoção – fator primordial no desenvolvimento humano – nos alimenta de ingredientes que possibilitam a compreensão adequada de que, o cotidiano é marcado por relações interpessoais, nas quais o conflito também está presente, revelando o aspecto afetivo do grupo e seus componentes.

Neste processo, a psicogênese aliada ao contexto na qual se desenvolve, fornece os subsídios necessários e suficientes para compreensão dos fenômenos agressivos, em especial, o bullying.

Na etapa da predominância funcional – adolescência – momento de vida para este estudo, ocorre uma nova redefinição dos principais aspectos da personalidade, desestruturados devido às modificações corporais resultantes da ação hormonal, dentro de um contexto social.

O processo de desenvolvimento se sucede pela alternância na predominância de conjuntos funcionais diferentes em cada estágio e também pela variação de direção, seja para autoconhecimento – direção centrípeta – seja para conhecimento do mundo exterior – direção centrífuga. Na puberdade e adolescência a direção é predominantemente centrípeta.

Wallon explica que, na passagem para este período, as categorias tornam possível generalizar as circunstâncias, estabelecer a coincidência entre nomes e aspecto das coisas e a perceber a reversibilidade de um processo para outro. Explica ainda que a passagem para o período da puberdade e adolescência ocorre quando “a amizade e as rivalidades deixam de se basear na comunidade ou no antagonismo das tarefas empreendidas ou a empreender, quando, procuram justificar-se por afinidades ou repulsas morais, quando parecem interessar mais à intimidade do ser do que as colaborações ou conflitos efetivos”.

Assim afirma que, “a nova idade” (puberdade de adolescência) também vai incidir simultaneamente em todos os domínios da vida psíquica, na qual, “um mesmo sentimento de desacordo e de inquietação desponta da ação, da pessoa e do conhecimento”.

Visando reajustar-se ao novo corpo conferindo na adolescência, ao jovem é conferida uma orientação centrípeta, ou seja, egocentrada e voltada para si, produzindo significativas alterações em sua vida afetiva. Desta forma, a afetividade torna-se muito mais intensa, produzindo ambivalência de atitudes e sentimentos.

Essas necessidades podem ser satisfeitas tanto por ações imaginárias como por ações reais. E podem subsidiar a compreensão do bullying.

A ambivalência de atitude trafega pelos extremos das manifestações afetivas, revelando fantasias do mundo interior de variadas formas, tais como, registros em diários, cartas e mais na contemporaneidade, a utilização dos espaços virtuais. ³.

É também no espaço virtual, protegidos pelo anonimato, que as manifestações afetivas apresentam-se intimidadoras, produzindo o bullying.

Para os agressores surgem então, os elementos necessários e suficientes para ações intimida tórias, já que a impossibilidade de equilibrar o afeto surge conforme a demanda adaptativa, exigida na esfera social.

E os agredidos, passam a ser alvo desse processo de maturação afetiva, representada pelo que Wallon chama de “... experiências novas, ainda confusas e desejos poderosos e vagos...”.

O autor do bullying é tipicamente popular; tende a envolver-se em uma variedade de comportamentos anti-sociais; pode mostrar-se agressivo inclusive com os adultos; é impulsivo; vê sua agressividade como qualidade e têm opiniões positivas sobre si mesmo. Geralmente são mais fortes que seus alvos e sente prazer e satisfação em dominar, controlar e causar danos e sofrimento a outros. Além disso, entende que entende que há “componentes benéficos em sua conduta, como ganhos sociais e materiais”. São menos satisfeitos com a escola e família, mais propensos ao absenteísmo e à evasão escolar. Tendem ainda a apresentar comportamentos de risco (fumo, álcool ou outras drogas, portar armas, brigar, etc.). As possibilidades são maiores em crianças ou adolescentes que adotam atitudes anti-sociais antes da puberdade e por longo tempo.

Questões pessoais, morais e existenciais são trazidas à tona. Tantas e intensas transformações fazem surgir no jovem a necessidade de se apropriar de um corpo que se transforma rapidamente e sua necessidade de reorganização do esquema corporal que, como no estágio do personalismo é condição para a construção da pessoa. Com isso, voltam a preponderar as funções afetivas, isto é, a construção da pessoa. Nesta etapa, a vida afetiva torna-se mais intensa.

Segundo Wallon, a afetividade possui papel fundamental no desenvolvimento da pessoa, pois é por meio dela que o ser humano demonstra seus desejos e vontades. As transformações fisiológicas de uma criança revelam importantes traços de caráter e personalidade. Já as emoções são altamente orgânicas e ajudam o ser humano a se conhecer. A raiva, o medo, a tristeza, a alegria e os sentimentos mais profundos possuem uma função de grande relevância no relacionamento da criança com o meio. Na esfera afetiva – em especial a raiva – podem ter manifestações mais agudas tais como a agressão e/ou violência.

Esta etapa do desenvolvimento humano de grandes transformações, ao mesmo tempo em que facilita a construção da identidade, dos referenciais éticos e morais, encontra-se um tecido psicológico mais susceptível e menos eficiente no manejo de situações de emergência emocional, como as produzidas nos episódios de intimidação.

Do Latim afectus – que exprime um desejo ou afeto – a afetividade remonta uma determinada demanda psicológica. Para Wallon, a “afetividade refere-se à capacidade e a disposição do ser humano de ser afetado pelo mundo externo/interno por sensações agradáveis e desagradáveis”.

A teoria da afetividade de Wallon aponta para três momentos: emoção, sentimento e paixão. Na emoção predomina a ativação fisiológica, no sentimento a ativação representativa e na paixão a ativação do autocontrole.

Desta forma e aliada à categoria em foco – puberdade e adolescência – a afetividade além de emergir da pessoa no curso natural de seu desenvolvimento com seus propósitos básicos, pode ancorar solicitações da categoria, mas pode produzir também, respostas pouco eficiente na solução de várias demandas adaptativas.

O estado de desequilíbrio psicológico – em especial na esfera afetiva – tem impacto direto sobre o esquema corporal dos jovens, assim como, a perda total de controle, que pode estar associada a outras questões de saúde mental.

E inexoravelmente ao fenômeno bullying.

David Sergio
Enviado por David Sergio em 10/08/2009
Código do texto: T1746717